• Poder

    Saturday, 04-May-2024 20:54:20 -03
    [an error occurred while processing this directive]

    Opinião: As ruas e as urnas

    ANGELA ALONSO

    16/10/2014 02h00

    Afora pertencerem ao mesmo calendário, o que junho de 2013 tem a ver com outubro de 2014? Quando irrompeu, o ciclo de protestos do ano passado foi tido por força da natureza, indomável. Chacoalhão no sistema político, clamor por mudança a abalar a República. Efeitos devastadores sobre as instituições políticas se alastrariam do curto ao médio prazo, quando as urnas jogariam pá de cal na "velha política". Ímpeto mudancista afiançado pelas pesquisas eleitorais.

    Nesta onda surfou Marina, até submergir nela. E, ao fim, uma eleição cheia de surpresas acaba sem surpresa nenhuma. Principiada com a dança que embala a política nacional há duas décadas, PT e PSDB, finda-se em valsa do mesmo par, enquanto a "nova política" adentra a ciranda da "velha".

    Quem esperava sociedade mobilizada no período eleitoral, deu com burros n'água. Ciclos de protesto, qual o de junho de 2013, são raros, comparáveis aqui apenas às Diretas-Já e ao impeachment de Collor. E não duram. Intensos, transtornam o cotidiano e arrastam para manifestações neófitos que, depois, voltam para casa. Perduram mobilizados fora desses tempos excepcionais apenas grupos previamente organizados.

    O protesto cresceu na entressafra eleitoral. Com as urnas disponíveis, a maioria dos cidadãos prefere, em vez da rua, o voto. Sinal de que nosso sistema representativo não funciona tão mal como se propala.

    E o alarido por mudança dos protestos de junho? Da distância de um ano e meio, vê-se que não foi uno, foi triplo. Uma pauta foi reativa, contra a violência policial –talvez a que mais tenha levado gente à rua. As outras duas exprimiram demandas substantivas: de um lado, por Estado e políticas públicas (transporte, educação, saúde) inclusivos e eficientes e garantias de direitos (do trabalho, de LGBTs etc.); de outro, crítica à corrupção de instituições, partidos, políticos, e pleito por Estado enxuto (menos impostos, por exemplo).

    Os protestos interpelaram o governo, mas tentando empurrá-lo em direções diferentes. Parte dos manifestantes fez reivindicações à esquerda do PT, por mais e melhor Estado, pela humanização das cidades. Outros reagiram ao modo petista de governar, situando-se à sua direita, em prol de gestão pública de corte liberal, menos interveniente na economia.

    Marina, quiçá, malogrou por rezar aos dois santos da missa, ávida por atender aos dois sentidos contraditórios de mudança expressos nos protestos. Os candidatos remanescentes puxam a sardinha cada qual para um lado. O PT se associa à base da pirâmide social e acena com mais políticas públicas. O PSDB investe nas tópicas da corrupção e da eficiência da gestão e soa bem aos estratos altos.

    Ganhe quem ganhar, os protestos não sumirão do mapa. São a rotina das democracias. Se o PT levar a melhor, poderá ser confrontado com nova onda de contestações, no molde das que já foi objeto. Se o PSDB vencer, tampouco escapará de manifestações, insufladas pelo próprio PT, que, sem o consolo do governo, terá que ressuscitar sua primeira alma, a das ruas.

    ANGELA ALONSO professora de sociologia na USP (Universidade de São Paulo) e diretora científica do Cebrap (Centro brasileiro de análise e planejamento), escreve às quintas

    [an error occurred while processing this directive]

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024