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    Opinião: Os meios e os fins

    MARCOS DE BARROS LISBOA
    DE SÃO PAULO

    19/10/2014 02h00

    Nesta eleição, o debate tem sido dominado pela desqualificação da divergência.

    Argumenta-se que a crítica ao atual governo decorre de interesses contrariados pela queda da desigualdade. Na versão vulgar, a elite se incomoda com os aeroportos repletos com a nova classe média.

    Ao contrário da retórica oficial, a discordância se refere aos instrumentos adotados, não ao objetivo de um país mais justo. Criticam-se os meios, não os fins. A política econômica atual ameaça os avanços das últimas décadas.

    A partir da Constituinte, a agenda social ganhou relevância inédita na nossa história. O fim da hiperinflação permitiu que novos temas fossem debatidos, como a retomada do crescimento e a melhora da política pública.
    No governo FHC ocorreram importantes avanços como a universalização da educação fundamental, os aumentos do salário mínimo e a introdução das políticas de transferência de renda.

    A agenda social continuou no governo Lula, que teve o mérito de conceder-lhe maior proeminência na política. Reflexo de um país em que, finalmente, após mais de uma década de aperfeiçoamentos na condução da macroeconomia e reformas institucionais, a economia se tornara menos relevante, porque menos problemática.

    Entre 2001 e 2009, o maior crescimento econômico, o desempenho do mercado de trabalho e o reajuste do salário mínimo, beneficiados pelo cenário externo e ganhos de produtividade, permitiram a melhora da qualidade de vida e a queda da desigualdade.

    Infelizmente, os avanços das últimas décadas estão em risco. Segundo a Pnad, a desigualdade estagnou entre 2011 e 2013. O baixo crescimento, a deterioração fiscal e a piora das contas externas implicam dificuldades para os próximos anos.

    A política econômica parece ter errado tanto no diagnóstico quanto na escolha dos instrumentos. A retomada do nacional-desenvolvimentismo, com a concessão de benefícios e de estímulos a grupos selecionados, sem metas e avaliação de resultados, prejudicou os setores à frente na cadeia produtiva, a evolução da produtividade e o crescimento da renda, além de ter isolado a economia brasileira do mercado externo.

    O governo evitou enfrentar as dificuldades de curto prazo; ao contrário, expandiu os gastos públicos. O que teria sido um rápido ajuste se transformou em uma longa estagnação, além da maior inflação, reproduzindo, em menor escala, a política adotada no fim dos anos 1970 no Brasil, ou, mais recentemente, na Argentina e na Venezuela.

    A retórica do atual governo, ao desqualificar a divergência, relembra debates anteriores.

    As privatizações dos anos 1990 foram tratadas como um negócio benéfico apenas a interesses privados, ignorando o custo decorrente do monopólio público imposto a várias gerações, para as quais o acesso à telefonia, por exemplo, era um privilégio caro e exclusivo.

    Em 2003, a proposta de focalização das políticas sociais foi rejeitada com argumentos superficiais e diversionistas como o de que seria parte de uma agenda promovida pelo Banco Mundial. A história registra quem estava em cada lado da controvérsia na concepção do Bolsa Família.

    A divergência ocorre sobre o diagnóstico, não acerca da intenção. Aceitá-la convida à democracia. O contraditório, o confronto de argumentos, de quem defende o atual projeto e de quem o critica colabora com o debate e auxilia a escolha dos meios.

    A desqualificação da divergência, por outro lado, atribuindo-a a interesses contrariados revela apenas oportunismo.

    MARCOS DE BARROS LISBOA, vice-presidente do Insper, escreve aos domingos neste espaço

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