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    Diplomacia econômica foi intensa, diz assessor de Dilma

    FLÁVIA MARREIRO
    DE SÃO PAULO

    21/10/2014 02h00

    Assessor internacional da Presidência nos governos petistas, Marco Aurélio Garcia repudia as avaliações de que a política externa foi relegada a segundo plano no quadriênio de Dilma Rousseff.

    "O que houve foi um deslocamento para uma diplomacia econômica com muito mais intensidade que nos primeiros anos do governo Lula", argumenta, além do natural contraste de uma política de continuidade com o ímpeto de mudança de Lula.

    À Folha, Garcia disse ainda que o mal-estar no Itamaraty, provocado pela redução de protagonismo da pasta e pelos cortes orçamentários, "não é um problema da presidente", ainda que afirme que o contingenciamento de gastos não é o cenário ideal.

    Mandel Ngan - 4.set.2014/AFP
    Marco Aurélio Garcia, assessor internacional nos governos petistas
    Marco Aurélio Garcia, assessor internacional nos governos petistas

    O assessor da Presidência comentou ainda a insatisfação dos diplomatas em começo de carreira do Itamaraty. Como a Folha publicou, o baixo clero da pasta protestou em carta contra o represamento das promoções após a expansão de 500 vagas entre 2003 e 2010.

    "Esse problema vai se resolver pouco a pouco. O processo de promoção no Itamaraty vai ser mais complexo do que era no passado. Se você tem 30 [novos diplomatas], a chance desses 30 subirem é muito mais evidente do que se houver cem", disse.

    Ao falar das metas da política externa de Dilma no caso de segundo mandato, o assessor da petista rejeitou a ideia de flexibilizar o Mercosul, defendida pelo adversário da petista, Aécio Neves. Disse que não se pode estudar dissolver a política de integração regional a cada crise –uma referência à situação econômica da Argentina.

    Quanto à Venezuela, Garcia foi enfático: disse que o governo não tem nenhuma autocrítica a fazer sobre a maneira com a qual Brasília lidou com a crise política em Caracas no começo de 2014.

    Para ONGs de direitos humanos, faltou firmeza ao Brasil para condenar supostos excessos do Estado venezuelano contra manifestantes e integrantes da oposição.

    Em entrevista à revista Política Externa, no mês passado, a presidente Dilma disse que "concorda pessoalmente" com algumas das críticas feitas pela ONGs.

    Garcia, 73, disse que "não pensou" a respeito de ficar ou não no cargo num eventual novo mandato. Externar qualquer opinião numa ou noutra direção seria criar um estranho e absurdo constrangimento para a presidente que deve ter a mais absoluta liberdade para renovar totalmente ou em parte sua equipe", disse.

    Leia trechos da entrevista.

    *

    Folha de S.Paulo - A presidente Dilma e seus ministros viajaram menos do que Lula. Analistas e diplomatas, inclusive alguns alinhados com o PT, consideram que a política externa foi relegada a segundo plano no governo Dilma. Como avalia?
    Marco Aurélio Garcia - Não vou comentar análises subjetivas. O que eu tentei mostrar, e eu alinhei um conjunto de iniciativas da presença fortíssima dela no mundo no últimos anos que mostram isso, que essa avaliação é subjetiva e eu não concordo com ela. [...]
    A presidenta, além de inúmeras e importantes visitas bilaterais em todos os continentes, esteve presente de forma relevante em todas importantes reuniões multilaterais ocorridas em seu mandato –na ONU, no Mercosul, na Unasul, na Celac, no G20, Brics, Rio+20, Brasil-União Europeia.
    Evidentemente, você tem que levar em consideração que o contexto internacional muda. O que houve foi o seguinte: quando Lula assumiu a Presidência, o estado da política externa era muito minguado. O conjunto de iniciativas que ele desenvolveu efetivamente projetou o Brasil com muita rapidez e muita intensidade no mundo. Depois o que nós tivemos foi uma continuidade disso. Alguém poderá avaliar que houve diminuição de ímpeto, etc. etc., mas isso é subjetivo.

    E quanto ao mal-estar no Itamaraty provocado pelos cortes no orçamento e pela insatisfação dos diplomatas que ingressaram na carreira nos anos Lula? Como a Folha revelou, o "baixo clero" fez carta inédita reclamando do represamento das promoções.
    O corte houve em todos os ministérios. Eu particularmente não gosto de contingenciamento. Eu acho que o Itamaraty deve ter um bom orçamento. Tanto acho que durante o governo Lula, diferentemente dos governos anteriores, o orçamento do Itamaraty triplicou. Aquele argumento das vagas, por exemplo. As vagas são programadas anualmente.
    É engraçado isso. Quando Lula passou a dar 100 vagas durante cinco anos consecutivos, esses mesmos analistas [que agora reclamam da redução] diziam: 'Ah, gente demais, está inchando o Itamaraty, vai cair a qualidade...'.
    Esse é um problema interno do Itamaraty, não é um problema da presidente. E esse problema vai se resolver pouco a pouco. O processo de promoção no Itamaraty vai ser mais complexo do que era no passado. Se você tem 30 [novos diplomatas], a chance desses 30 subirem é muito mais evidente do que se houver cem. Quem fez o exame nessas condições já sabe.
    Esse é um problema que o Itamaraty vai ajustar internamente de forma racional, entre outras coisas, para manter o ímpeto que os diplomatas têm que não é só determinado pelo amor à política externa mas também pelo amor a sua própria carreira diplomática.

    Há relatos, inclusive de pessoas do governo, que dão conta de que a presidente não se interessa por política externa, de que reserva pouco espaço na agenda para isso. O que sr. diz sobre isso?
    Sou uma pessoa do governo e posso dizer que não é verdade. Muito pelo contrário. Ela tem um interesse enorme pelos temas internacionais. Não só diria enorme como cotidiano.
    Antes a atuação do Lula era considerada voluntarista. Mas agora muitos querem utilizar a atuação dele para se contrapor a da Dilma. Na realidade o que houve simplesmente foi o seguinte: houve uma mudança de cenário internacional, um deslocamento para uma diplomacia econômica com muito mais intensidade que nos primeiros anos do governo Lula e pronto.

    Analistas da oposição e até integrantes do governo reclamaram da resistência da Argentina na negociação com a União Europeia. Também reclamam de que o governo vizinho não cumpre as regras do bloco. É hora de um Mercosul de "duas velocidades", com sócios podendo negociar acordos separadamente?
    Se alguém [do governo] fez essa crítica foi por desinformação ou por má fé. Nós temos uma proposta comum negociada com todo o Mercosul, que foi negociada com a Argentina, com o Uruguai e o Paraguai. Só não com a Venezuela, porque ficou estabelecido que, como a Venezuela entrou depois, não participaria da proposta.
    Eu insisto nisso, porque está dito com todas as letras e me parece estranho que a imprensa e os candidatos da oposição sigam repetindo isso. Nós temos uma oferta pronta para a União Europeia. A União Europeia não tem oferta e isso nos foi dito por Durão Barroso [presidente da Comissão Europeia] e por Angela Merkel [chanceler alemã].
    "Duas velocidades" pode aparecer como uma fórmula de desfazer o Mercosul e nós não achamos que seja caso. Até porque o Mercosul é um espaço muito importante para nosso comércio exterior. Esses ideólogos que criticam o Mercosul deveriam olhar mais para o dados de comércio exterior, não só pela quantidade, mas pela qualidade, o fato de que o número de produtos brasileiros de valor agregado no comércio intra-Mercosul é muito elevado. Muito mais elevado que o resto do comércio exterior brasileiro.

    Mas o sr. concorda que há mais problemas para essa coordenação do bloco, que já enfrenta outros problemas, com a crise argentina...
    Olha, esses problemas econômicos sempre criam dificuldades. Por que você acha que não está avançando a oferta da União Europeia [para o Mercosul]? Porque eles estão numa baita crise econômica perto da qual a crise argentina é café pequeno. Digamos que a crise europeia é mais demorada e mais profunda que a crise argentina. Isso são coisas que ocorrem. Nós não vamos dissolver a nossa política de integração nacional a cada crise que houver, se não a Argentina em outros momentos teria dissolvido quando houve crise no Brasil.

    O Mercosul, e por conseguinte o Brasil, fecharam poucos acordos comerciais desde 2003. O que esperar de Dilma 2?
    O que não se diz é que o Brasil, nesses 12 anos, foi empenhadíssimo em fazer "o" acordo, que é a que é a Rodada de Doha, diante da qual todos esses acordos bilaterais desaparecem. Em 2019, haverá degravação tarifária com todos os países da América do Sul. No caso de alguns dos países que estão na Aliança do Pacífico, a degravação com o Brasil é maior do que a que existe internamente na Aliança do Pacífico. Então, essa questão não é crucial. Que me digam qual acordo devem ser feito. Querem o acordo da Alca? Nós não vamos fazer. Porque há muita gente bancando o engraçadinho: 'Ah acordos, acordos, acordos'. Querem reeditar a Alca e Alca, não!

    O Mercosul vai procurar uma aproximação com a Aliança do Pacífico?
    Haverá uma reunião ministerial dos ministros do Mercosul com os ministros da Aliança do Pacífico. Fui na embaixada do Chile, por causa da festa nacional [chilena], e o embaixador aqui me informou que vai haver um grande seminário do qual os brasileiros participarão e outros integrantes do Mercosul para discutir justamente políticas de cooperação entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico.
    Agora, a Aliança do Pacífico é uma coisa e o Mercosul, outra. O Mercosul é uma união aduaneira imperfeita ainda. E temos de fazer um esforço para torná-la perfeita.

    Sobre a China: qual será a estratégia para lidar com nosso principal parceiro comercial, cujos produtos manufaturados tem tomado espaço de brasileiros na América do Sul? A presença na Argentina, por exemplo, é cada vez maior –além do aumento das exportação, há concessão de crédito a Buenos Aies.
    Quando há desvio de mercado, nós sempre temos comentado isso. O nosso comércio com a China é da ordem de US$ 100 bilhões, muito mais do que com a Argentina, que caiu por conta da situação econômica argentina e a diminuição da atividade econômica do Brasil. Nós temos um saldo a nosso favor com a China.
    Além disso, nós temos feito uma inflexão para aumentar nossas exportações com valor agregado para a China. Muitos dos produtos [que exportamos para a China] são, a meu juízo, incorretamente, apresentados como produtos primários. Porque muitos dos produtos agrícolas brasileiros não são mais produtos primários da velha agricultura primária exportadora. Eles só são competitivos no mercado internacional porque têm inovação, etc..l
    Nós estamos melhorando a parte de produtos industriais com valor agregado. Acho que o caso mais claro é termos assinado a venda de 60 aviões da Embraer para a China, digamos que não é um contrato pequeno. Quanto a investimentos chineses no Brasil, tem havido quantidades! Leia a visita do presidente Xi Jinping. Ele quase acabou a tinta de caneta inteira de tanto assinar acordos de investimentos chineses no Brasil.

    Organismos de direitos humanos acusam o governo brasileiro de serem pouco contundentes na hora de criticar que veem como excessos do governo venezuelano, como perseguição judicial de opositores, repressão desproporcional a manifestantes opositores. Como o sr. responde a essas críticas?
    Não faço nenhuma autocrítica por uma razão muito simples: o que nós fizemos foi mandar missões lá, eu mesmo participei de algumas, foi o chanceler Figueiredo e com outros ministros da Unasul justamente para favorecer o diálogo com a oposição. E esse diálogo houve. Tanto é assim que houve uma nítida diminuição, praticamente extinção, daquele clima de manifestação de rua. O problema da Venezuela quem tem de resolver são os venezuelanos.
    Se a oposição [venezuelana] ganhar eleições, é porque ela estará em condições de fazer uma proposta distinta para a Venezuela. Não cabe a nós nos inclinarmos pelo governo ou pela oposição em qualquer país que seja. É a mesma coisa de você falar: 'Ah, a França está passando por uma crise tremenda, e vocês mantendo relações com o presidente Hollande'.

    A Venezuela faz parte do Mercosul, que tem cláusula democrática, que pressupõe não cerceio do direito de oposição, por exemplo. Há processos polêmicos contra líderes oposicionistas.
    Esses processos podem ser polêmicos para você e para outras pessoas. Eles estão sendo levados pela Justiça venezuelana.

    São polêmicos também para organismos de defesa de direitos humanos, como a Anistia Internacional e outros, que não são considerados partidários. Haverá eleições legislativas no ano que vem e há temor, por parte desses mesmos organismos, de que não haja campanha equilibrada e livre.
    Em alguns casos [esses organismos de direitos humanos] têm sido partidários. Tenho visto vários textos da Human Rights Watch, por exemplo, que me parecem extremamente partidários. Não estou querendo dizer que eles não têm direito de fazer isso. Têm todo o direito. Ninguém precisa ficar celebrando o governo da Venezuela ou da Colômbia, entende?
    Declaro o seguinte: houve eleições na Venezuela, ganhou o presidente Maduro, por uma margem muito, muito estreita. Depois, houve novas eleições, e o partido do governo ganhou com uma margem mais extensa. Depois, houve movimentos que tentavam derrubar o governo. E não sou quem está dizendo isso. Esses movimentos que diziam que queriam a saída do presidente Maduro e comparavam Caracas a Kiev. E haverá eleições [parlamentares] ano que vem. E se a oposição ganhar as eleições [gerais], será normal. Teremos relações com o governo venezuelano seja qual for. Que fique claro isso.
    A política externa brasileira que é implementada pela presidente da República, pelo Itamaraty e por mim - e por mim, quero deixar isso bem claro -, ela não se fixa em determinados pressupostos ideológicos. Eu vejo muitas vezes naqueles que criticam a política externa brasileira, sim, pressupostos ideológicos. Mas que que eu vou fazer? Não tenho jornal para estar todos os dias para rebater esses argumentos todos os dias. Lamento. Gostaria de ter para me expressar com mais objetividade como estou fazendo com você aqui.

    A oposição acusa o governo de não exigir da Bolívia efetivo combate ao narcotráfico. É do país que vem mais de 70% da cocaína que entra no Brasil, segundo a Polícia Federal.
    Se houvesse jornalismo investigativo, se saberia que o ministro [da Justiça] José Eduardo Cardozo viajou à Bolívia várias vezes. Eu recebi várias autoridades bolivianas aqui, e o Itamaraty também o fez, para estabelecer um programa conjunto de combate às drogas. Você sabia por exemplo, que o governo brasileiro doou helicópteros para a polícia boliviana?

    Sim.
    Então, tudo bem. Não sei porque essa crítica vem de certos setores da oposição. Não sei porque essa obsessão que esses setores têm contra as drogas. Eu acho ofensivo com o governo boliviano –ofensivo– dizer que eles não estão interessados no combate ao narcotráfico. Porque eles não são idiotas e sabem concretamente que um país sob controle do narcotráfico é ingovernável. Absolutamente ingovernável. Eles têm o mesmo interesse que nós.
    Você poderá dizer 'a polícia federal não fez tudo que podia'. É uma discussão que não quero entrar. Acho que ela está fazendo um excelente trabalho, a julgar pela quantidade de drogas apreendida e pela pela intervenção na questão da lavagem de dinheiro.
    Agora, qual o argumento da leniência? É o mesmo. É dizer que nós temos uma afinidade misteriosa e ideológica com a Bolívia. Para a Bolívia vale aquela regra do Chico Buarque: nós não falamos grosso com a Bolívia e fino com os EUA. Nós falamos da mesma maneira com todos os países do mundo.

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