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    Opinião: A guerra das bolhas

    25/10/2014 02h00

    Bem verdade que a festa da democracia desandou em um barraco federal. E que, dado o tamanho do porre, vai provocar uma histórica ressaca moral e cívica. E lamento informar: qualquer que seja o resultado, o quebra-pau não acaba amanhã.

    E não me refiro ao realista cenário de que a partir de segunda (27) começa a barganha das alianças, as fileiras cerradas da oposição e a insalubre política do chão que constrange os próprios bótons das campanhas. Falo sobre o fato de que o sufrágio de 2014 já representou um sério naufrágio do diálogo político no país –e a consagração de um fenômeno antigo, mas hoje majoritário: a dissonância cognitiva tomando o lugar da disputa ideológica.

    Mais ou menos assim: não é que a turma esteja brigando para ver quem será o DJ da festa da democracia. Mas uma turma tem certeza de estar na festa da uva, outra no baile da saudade e outra refém de uma quadrilha junina. E, por isso, saem atirando cadeiras e garrafas uns sobre os outros.

    Me parece que essa exata incompatibilidade de versões, de visões quase alucinatórias sobre a dinâmica institucional do Brasil pautou boa parte destas eleições. Pois não creio que estejamos vivendo apenas uma exaltada polarização entre projetos. Mas um fenômeno novo e ainda experimental em termos políticos. Um paradoxo entre a hiperconectividade social e a decorrente cristalização de bolhas, de narrativas divergentes e impermeáveis entre si.

    E esse será um dos maiores motores da política nacional a partir de segunda.

    A rede social é chave nisso. Ela tirou o monopólio do discurso político da boca de políticos, colunistas e lideranças. E transformou o eleitor, agora um perfil na internet, em um cabo –ou cacete– eleitoral indomável. E isso é muito bom. Mas a súbita ascensão de mais de 80 milhões (só no Facebook) de brasileiros à condição de colunistas políticos cria suas distorções. Pois, como todo colunista político, o sujeito político agora está em busca de aprovação, de "likes" e de um grupo que o valide. Logo, mais interessando em manter do que mudar de posição.

    E aqui está meu ponto. À medida que a mídia de massa vai se tornando uma massa de mídias, cada vez mais são algoritmos e nosso desejo de aprovação que vão nos dizendo o que está acontecendo lá fora. E a consequência disso pode ser mais grave do que o mero ruído. Mas o isolamento de versões de país e política que nos afasta ainda mais da construção democrática cotidiana. Que é, basicamente, a disposição em escutar bem mais do que a de falar. A de oferecer mais do que demandamos. E a de questionar mais do que afirmar.

    E basta uma olhada para fora da bolha para ver que a eleição ganhou ritmo de "timeline". E perdemos a chance de pautá-la pelas reais encruzilhadas do Brasil: crise ambiental, modelo de desenvolvimento, ampliação de direitos, mais participação democrática e uma profunda reforma política. Mas podemos estar perdendo algo mais sério ao nos tornarmos comunicadores políticos entrincheirados: a empatia. A capacidade ou o interesse de olhar o mundo pelos olhos dos outros.

    E esse deveria ser o sentido, o princípio e o objetivo de toda política. E de todo voto.

    Boa eleição, turma. Paz.

    BRUNO TORTURRA, jornalista, um dos criadores do Mídia Ninja e hoje à frente do Fluxo, escreve aos sábados neste espaço.

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