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    Candidatos repetem estratégias discursivas de debates anteriores

    THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    25/10/2014 09h31

    Uma rápida análise do desempenho linguístico dos dois candidatos à Presidência da República no último debate transmitido pela TV forçosamente nos leva a admitir que, de modo geral, ambos se saíram muito bem. Quem esperava pelo já conhecido marcador discursivo da presidente Dilma Rousseff ("no que se refere a") e pelos seus silêncios prolongados surpreendeu-se com um grau maior de fluidez do seu discurso.

    É bom que se diga que os traços de descontinuidade, como hesitação e interrupção, e os processos de reformulação, como repetição (reiteração do que foi dito), correção (anulação do que foi dito) e parafraseamento (reelaboração do que foi dito) são característicos da oralidade, registro linguístico no qual o modo pragmático (que pressupõe a interação sociocomunicativa) prevalece sobre o sintático.

    Vale deixar claro que fala e escrita são modalidades de uso da língua diversas entre si, cada qual organizada segundo características próprias. Por esse motivo, não faria sentido procurar na fala de cada candidato eventuais deslizes gramaticais definidos de acordo com um padrão escrito da língua. Uma ou outra concordância verbal sacrificada, um ou outro pensamento truncado, tudo isso é parte do jogo –e que jogo!

    No caso deste último debate, se por um lado os candidatos já poderiam estar exaustos da acirrada campanha, por outro mostraram estar bem mais treinados que nos confrontos anteriores. Do ponto de vista do conteúdo, não houve surpresas. Ambos estavam bastante preparados para enfrentar as questões mais difíceis e reafirmaram as estratégias costumeiras: desviar o foco de perguntas incômodas, esquivar-se de dar uma resposta objetiva fazendo uma afirmação paralela, cada um com suas peculiaridades.

    Dilma lança mão de um discurso recheado de números de sua gestão e Aécio capricha nas frases de efeito ("Vamos olhar para o futuro, não para o passado" parece ser a sua predileta), o que é compreensível, dado que quem está na situação tem de reverenciar as suas realizações passadas e quem está na oposição tem de acenar com a mudança futura. Independentemente do grau de veracidade do que dizem os candidatos, ambos os discursos contêm estratégias retóricas.

    A inovação do debate ficou por conta da participação dos eleitores indecisos sorteados pela Rede Globo para fazer perguntas diretamente aos candidatos. Em desacordo com a expectativa criada, as questões, lidas por eles, não foram espontâneas. Se o primeiro contato direto com os eleitores pareceu desmontar um pouco o discurso pré-fabricado dos candidatos, é fato que os dois, talvez favorecidos pela formalidade das perguntas, rapidamente acionaram as falas preparadas para as câmeras.

    Não houve ofensas pessoais durante o confronto, mas também não houve marqueteiro capaz de disciplinar a linguagem corporal dos candidatos: Aécio continuou mantendo certo ar de deboche e Dilma não escondeu a proverbial fisionomia de enfado.

    A esta altura, o eleitor já deve ter decidido seu voto e resta-nos desejar que a eleição transcorra em clima de paz no ambiente democrático que todos desejamos para o país.

    Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa do Grupo Folha-UOL

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