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    Comissão vai pedir punição, mas Lei da Anistia ainda divide

    LUCAS FERRAZ
    DE SÃO PAULO

    08/11/2014 02h00

    Após meses de indefinição, os integrantes da Comissão Nacional da Verdade decidiram pedir a responsabilização criminal dos agentes públicos que cometeram crimes na ditadura (1964-85), mas eles não sabem ainda se haverá no relatório final uma recomendação expressa para a revisão da Lei da Anistia.

    Dos seis comissários que assinarão o documento final, somente José Paulo Cavalcanti é contra a proposta de pedir a alteração da lei para que militares e policiais acusados de crimes no período possam ser julgados. "A pauta do país é outra, não tem mais a ver com a ditadura", justifica-se.

    O texto final, em fase de revisão, deve ser concluído na próxima semana. O documento terá cerca de 2.000 páginas, que serão distribuídas em três tomos.

    No primeiro volume estarão as 30 recomendações da comissão. Entre elas devem constar os nomes de militares e policiais responsabilizados por crimes no período e um posicionamento do grupo sobre a Lei da Anistia.

    A posição da Comissão da Verdade sobre a legislação não terá efeito prático imediato, mas a pressão política pode ajudar no reexame do tema, ou mesmo abrir caminho para punições sem a necessidade de anular a anistia.

    Em vigor desde 1979, a lei impede o julgamento de militares e policiais que cometeram crimes na ditadura. O STF (Supremo Tribunal Federal), em julgamento realizado em 2010, decidiu manter a legislação em vigor.

    Desde então, contudo, várias investigações em curso na Justiça, sobretudo de iniciativa do Ministério Público Federal e tendo como base tratados internacionais assinados pelo Brasil, tentam condenar esses acusados alegando que os crimes atribuídos a eles, considerados de lesa humanidade, são imprescritíveis.

    "Precisamos nos posicionar sobre esses temas da justiça de transição, é algo muito importante", afirma Rosa Cardoso, comissária que é das principais defensoras da anulação da anistia.

    Cavalcanti, a voz contrária, lembra que o Supremo já se manifestou sobre o tema há quatro anos. "A decisão do STF está bem fundamentada, do ponto de vista jurídico e político. Trata-se [a anistia] da natureza especial da transição brasileira", ressaltou.

    VÍTIMAS

    Outro aspecto do relatório final que deve provocar polêmica diz respeito ao aumento no número de mortos e desaparecidos da ditadura reconhecidos oficialmente.

    A comissão apontará cerca de 420 vítimas. Desde 1995, o governo reconheceu a responsabilidade do Estado em 356 casos de pessoas mortas ou desaparecidas enquanto os militares governaram o país.

    Segundo os assessores da comissão, a diferença se deu por questões metodológicas e novas fontes que apareceram nos últimos anos.

    Não serão contabilizadas mortes de agricultores e indígenas que muitos militantes associam à repressão política. Essas mortes também foram investigadas pelo grupo e serão detalhadas no segundo volume do relatório.

    No campo, segundo a Pastoral da Terra, houve mais de 1.100 mortes relacionadas à ditadura. O número de indígenas, dependendo da fonte de pesquisa, passa de 6.000.

    Sabe-se, contudo, que boa parte do material levantado pela Comissão da Verdade nos últimos dois anos, como documentos das Forças Armadas encontrados durante a investigação, não será usado no texto final. A previsão é que, depois, a papelada seja disponibilizada ao público.

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    COMISSÃO DA VERDADE - RELATÓRIO FINAL

    > Volume I
    Detalhará violências praticadas pelo Estado e locais usados para prender opositores, além de depoimentos das vítimas. Recomendará a responsabilização criminal de agentes da ditadura -não está claro se será pedida a revisão da Lei da Anistia.

    > Volume II
    Conterá textos e investigações de 14 grupos temáticos que funcionaram dentro da comissão nos últimos dois anos. Haverá muita literatura historiográfica sobre a ditadura.

    > Volume III
    Perfil dos mortos e desaparecidos na ditadura, cujo número será atualizado para cerca de 420, maior que levantamentos oficiais feitos antes, mas menor que as listas feitas pelos familiares das vítimas. Camponeses mortos no campo e indígenas não serão contabilizados.

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