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    Lava Jato

    Nas provas, Lava Jato se parece com Guantánamo, diz advogado

    MARIO CESAR CARVALHO
    DE SÃO PAULO

    24/11/2014 02h00

    O Supremo está legitimando uma irregularidade na Operação Lava Jato ao permitir que o juiz federal Sergio Moro proíba réus de citar políticos acusados de receber propina.

    A opinião é de Alberto Toron, defensor de Ricardo Pessoa, presidente do grupo UTC Constran, preso no dia 14 com um grupo de executivos acusados de pagar propina para obter contratos na Petrobras.

    "Até este momento o Supremo coonestou com uma verdadeira farsa", disse.

    Leticia Moreira - 1.mar.2012/Folhapress
    Alberto Toron, em seu escritório de advocacia
    Alberto Toron, em seu escritório de advocacia

    Na entrevista a seguir, ele defende que os processos da Lava Jato sejam conduzidos pelo Supremo porque a separação dos políticos de operadores e diretores da Petrobras é "superficial", já que integravam "o circuito do crime".

    Toron diz que é inaceitável que a Justiça vete o acesso às delações do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef porque isso significa usar "provas secretas" e prender sem que os suspeitos saibam do que são acusados.

    "Do ponto de vista das provas, a Lava Jato é semelhante a Guantánamo", afirma, referindo-se ao processo contra os autores dos ataques às Torres Gêmeas, em 2001.

    *

    Folha - Os advogados da Lava Jato sofreram mais de cem derrotas e tiveram uma só vitória, que foi a decisão do STF de soltar Paulo Roberto Costa. Qual é a razão desse placar?
    Alberto Zacharias Toron - Há uma coisa nesta investigação que a diferencia das demais. Ela não está baseada em interceptações telefônicas. As investigações anteriores foram fulminadas por conta de erros nas escutas.

    Delação melhora a prova?
    É uma nova forma investigativa, e o Supremo disse recentemente que é preciso ter cuidado com as delações. Porque pode ser a forma mais conveniente de uma pessoa se livrar de suas responsabilidades, apontando fatos que não ocorreram daquela forma.

    A Lava Jato teve os cuidados exigidos pela delação?
    Acho que não. Vamos pegar o caso da UTC. Há dois meses nós pedimos vista ao conteúdo das delações, porque houve um vazamento, dando conta de que a UTC e outras empresas estavam envolvidas em pagamento de propina e em cartel. Tenho o direito de saber do que sou acusado para me defender.
    Os processos de Guantánamo tinham provas secretas. Do ponto de vista das provas, a Lava Jato é semelhante a Guantánamo. É inadmissível que haja processos ou inquéritos com acusações gravíssimas, prisões, sem que os acusados tenham noção completa do que foi dito.

    As prisões são ilegais?
    A PF prendeu desnecessariamente. Mas o método é primeiro prender e depois ver. Há um princípio no direito americano expresso na expressão "call and hear", chamar e ouvir. A prisão é uma exceção, não regra. A conquista civilizatória da presunção da inocência é que eu te trato como inocente. É uma violação à Constituição.

    A UTC pagou R$ 1,6 milhão para o ex-diretor da Petrobras Renato Duque. Houve prestação de serviço ou foi propina?
    Uma coisa importante foi que a primeira pessoa a falar sobre isso na PF foi o Ricardo Pessoa. O Ricardo disse que o Duque saiu da Petrobras no início de 2012 e a UTC o contratou em meados de 2013 porque a empresa iria participar de um projeto sobre o qual Duque tinha expertise.

    E a suspeita de propina?
    Quando recebeu o dinheiro, Duque não era funcionário da Petrobras. Ricardo Pessoa podia ter sido chamado para esclarecer as questões. Por que encarcerá-lo? A UTC emprega, constrói, gasta, tem faturamento de R$ 70 milhões. Se o presidente se pôs à disposição, por que mantê-lo preso? Para mim, há um indisfarçável caráter de coagir para obter delações ou, no mínimo, confissões. Para prender é preciso que a ordem pública esteja gravemente abalada e que o preso possa seguir a praticar crimes.

    Por que outros tribunais aceitam o que você vê como ilegal?
    O que me causa enorme preocupação é que tribunal de segunda instância tem dito amém a todo trabalho do judiciário de primeiro grau, sem fazer a necessária crítica.

    Isso ocorre no Supremo?
    Ocorre no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e no Supremo. Eu não posso dizer que o Supremo é refém do [juiz federal Sergio] Moro. Mas até este momento o Supremo coonestou com uma verdadeira farsa. Nós vimos pela TV que o delator, ao prestar suas declarações, ia citar o nome de político e o juiz dizia"não". É uma farsa.

    Por quê?
    Para conservar a competência de primeiro grau, o juiz impede a pessoa de citar o político que recebeu dinheiro. Vejo uma perigosa leniência. Isso fragmenta artificialmente o fato, de modo a não deslocar a competência ao Supremo, onde o caso inteiro deveria estar. Não se pode impedir a pessoa de mencionar quem está no circuito do crime.

    Por que o Supremo parece atemorizado com a Lava Jato?
    É muito difícil dizer. A experiência do mensalão foi traumática. A corte se fraturou no embate entre os ministros. Talvez o Supremo não queira ter novamente a experiência do mensalão. E esse caso tem tudo para ser igual ou muito pior.

    Por que as empreiteiras querem tirar o juiz do caso?
    Nós, advogados que temos experiência com o juiz Moro, temos uma profunda reserva em relação à forma como ele conduz as investigações. Você vai dizer que o juiz não conduz as investigações, mas neste caso o juiz muitas vezes está à frente do Ministério Público. Não queremos ter um juiz acusador. Queremos ter um juiz equidistante da polícia e do Ministério Público.

    O juiz tomou partido?
    Acho que não temos esse juiz equidistante. É triste e me pesa dizer isso, mas ele perdeu a imparcialidade. Acho que, apesar da retórica, ele já julgou o caso e nós vamos cumprir tabela. É por isso que decreta as prisões, num prejulgamento dos empreiteiros.

    Por que o acordo que vocês negociavam fracassou?
    Os procuradores não têm, como dizia Hannah Arendt [filósofa alemã, 1906-1975], uma mentalidade alargada. Eles estão tratando isso como um caso meramente policial e não estão percebendo a dimensão econômica. Falta uma mentalidade alargada para usar os tratados que o Brasil firmou em matéria de corrupção e aplicar instrumentos extrapenais em prol da sociedade. Quem fala em multa de R$ 1 bilhão, está falando em algo muito sério e que dói no bolso de quem eventualmente se locupletou. Pode ter penas corporais ao lado dessa multa.
    Com a Lava Jato, há mais de 1 milhão de empregos em jogo. Tem uma questão policial envolvida? Tem. Mas tem de se olhar o lado econômico. Se o procurador-geral da República conduzisse as investigações, talvez tivéssemos um ambiente mais fecundo. Falta ao MP uma visão estratégica do caso que vá além das penas e prisões.

    Que medidas alternativas poderiam ser aplicadas?
    Multas, governança, exigência de medidas anticorrupção nas empresas e na Petrobras, coroando isso com uma reforma política. Não dá para acreditar que cargos e diretorias técnicas sejam indicados por políticos, que loteiam o Estado. Isso tem de acabar. Há uma vontade política de fazer isso. Poderia ser o momento de fazer algo maior. Para os empresários, também é muito incômodo, para usar uma expressão amena, trabalhar sob a condição de ter de premiar, de ter de pagar corrupção. Não é uma regra geral, mas muitos empresários tinham de pagar para trabalhar. Você não corta o mal pela raiz com essas pessoas na cadeia. Você corta com reforma política, com exigências de governança e medidas anticorrupção. Se quisermos reformas verdadeiras, tem de começar com o fim do loteamento do Estado pelos partidos políticos.

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    RAIO-X

    ALBERTO TORON

    • VIDA Paulistano (5.mar.59), formou-se em direito; é mestre e doutor em direito penal pela USP
    • TRAJETÓRIA Foi secretário-geral do Conselho Federal da OAB e presidente da Comissão Nacional de Prerrogativas do órgão, membro do Conselho Nacional Antidrogas (Conad) e presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Hoje é advogado e professor licenciado da PUC-SP

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