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    Lava Jato

    Empreiteira que soube usar a corrupção cresceu mais, diz historiador

    CAROL PRADO
    DE SÃO PAULO

    01/12/2014 02h00

    Não é de hoje que empreiteiras têm enorme influência no governo. O poder e a participação delas em escândalos de corrupção têm origem em relações criadas ainda durante a ditadura militar.

    A conclusão é resultado de pesquisa realizada pelo historiador Pedro Henrique Pedreira Campos, 31, durante quatro anos. No livro "Estranhas Catedrais – As Empreiteiras Brasileiras e a Ditadura Civil-Militar" (Editora da UFF, 2014), ele conta como o setor de infraestrutura teve participação ativa no golpe de 1964 e conseguiu se manter próximo ao Estado mesmo após a redemocratização.

    Para o pesquisador, mecanismos de fiscalização mudaram aspectos da relação entre empreiteiras e governo, revelando casos de corrupção que antes eram acobertados.

    Daniel Marenco/Fohapress
    Pedro Henrique Pedreira Campos, autor do livro "Estranhas Catedrais", sobre o fortalecimento e o poder das empreiteiras durante a ditadura
    Pedro Campos, autor de "Estranhas Catedrais", sobre o fortalecimento das empreiteiras na ditadura

    Mas ele ainda é pessimista sobre os impactos da Operação Lava Jato, que investiga o esquema de desvios na Petrobras e prendeu executivos das maiores empreiteiras do país: "O que a operação traz à tona a gente já viu inúmeras vezes", afirma.

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    Folha - No livro, o senhor diz que irregularidades com empreiteiros podem ser entendidas não como simples desvios, mas traços da dinâmica do capitalismo. Por quê?

    Pedro Campos - A gente tenta ler a corrupção como exceção. Mas o que eu noto, considerando a história do capitalismo, é que a apropriação do público pelo privado é mais uma regra. As empreiteiras calculam a corrupção para obter lucro. Assim, se eu tenho que lucrar com uma obra, vou usar todos os métodos disponíveis. Um bom empreiteiro é o que faz a obra e a faz lucrativa. A lei de licitações, regida pelo menor preço, acaba criando esse tipo de artifício. A empresa chega com um preço muito baixo, então não cumpre o contrato ou acaba indo por meios ilícitos para tornar a obra mais lucrativa. As empresas que mais cresceram são as que mais souberam se corromper.

    O que a Operação Lava Jato representa, ou pode representar, nesse cenário?

    Eu, sinceramente, não sou muito otimista em relação aos impactos da operação. O que ela traz à tona a gente já viu inúmeras vezes. O que é interessante é que ela tem uma escala muito elevada, são valores muito altos relacionados a desvios na maior empresa brasileira.

    É também impactante que importantes executivos tenham sido presos. No entanto, os donos das empresas, os empreiteiros de fato, não estão presos. A gente já teve escândalos envolvendo algumas das mesmas empreiteiras que hoje aí estão acusadas e que se mantiveram poderosas, não perderam contratos. Empresas pequenas podem até ser marginalizadas, mas não acredito que empresas como Odebrecht e Camargo Corrêa venham a se tornar inidôneas.

    O senhor afirma que, antes da ditadura, as maiores empreiteiras do país já eram fortes, principalmente por causa das obras do governo JK. O que mudou com o golpe de 1964?

    Durante a ditadura, elas tiveram acesso direto ao Estado, sem mediações, sem eleições. Havia um cenário ideal para o seu desenvolvimento: a ampla reforma econômica aumentou recursos públicos disponíveis para investimentos e mecanismos legais restringiram gastos para a saúde e educação e direcionaram essas verbas para obras públicas, apropriadas pelas empreiteiras –grandes projetos, tocados sob a justificativa do desenvolvimento nacional, como a [rodovia] Transamazônica, a usina de Itaipu e a ponte Rio-Niterói.

    A impressão que tenho é que essas empresas têm saudades da ditadura, já que não existiam mecanismos de fiscalização de práticas corruptas. Elas não eram alvos de escândalos nacionais, porque isso não era investigado.

    Esses mecanismos causam incômodo significativo hoje?

    Sim. Mas, ao mesmo tempo, elas mantêm práticas daquela época –por exemplo, o descuido com a segurança do trabalhador. Vimos isso durante as obras da Copa do Mundo. Isso acontece porque elas precisam ter uma margem de lucro maior e, nesse sentido, ainda existe certa conivência do Estado, que mal fiscaliza as condições de trabalho. Da mesma forma, eles ainda tentam por todas as vias conseguir contratos, viabilizar obras e ganhar o máximo possível. Para isso, mantêm as práticas ilegais.

    É comum ouvir que, na época da ditadura, a corrupção era menor. Pode-se dizer isso?

    O que eu percebo é que a gente não tinha acesso aos casos de corrupção. Eles não vinham à tona, o que não quer dizer que não existiam. Eu diria que, em relação ao aparelho de Estado, a apropriação era ainda maior. Hoje essas empreiteiras estão sujeitas a órgãos de fiscalização e volta e meia são alvo de denúncias.

    São as instituições da democracia que conseguem revelar esses casos: o Ministério Público e a Polícia Federal. É um mérito dos governos recentes o investimento nesses mecanismos. Mas, ao mesmo tempo, eles também mantiveram estruturas, em relação à distribuição de cargos, que facilita a corrupção.

    Há indício ou prova de participação direta das empreiteiras no golpe de 1964?

    A entidade-chave é o Ipes [Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais], composto principalmente por empresários que financiaram o centro que buscava desarticular o governo João Goulart e montar um novo projeto de Estado. Muitos empreiteiros atuaram no instituto, que teve participação ativa no golpe. Haroldo Poland, por exemplo, presidente da empreiteira Metropolitana, era um ativo financiador do Ipes.

    Quais nichos foram criados para o setor de infraestrutura durante a ditadura militar?

    O portfólio dessas empresas ficou mais complexo. Antes, elas eram empreiteiras rodoviárias; após o golpe, adquiriram experiência na construção de metrôs, usinas hidrelétricas e nucleares, grandes aeroportos e obras industriais, como parques frigoríficos, refinarias e polos petroquímicos. Com o tempo, no final da década de 60, começaram a atuar fora do Brasil e se tornaram grandes multinacionais.

    Como as empreiteiras conseguiram sobreviver ao processo de redemocratização?

    Isso tem a ver com as características específicas da redemocratização no Brasil. Foi uma transição pactuada, lenta, sem tomada de poder por forças oposicionistas.

    Nesse processo, algumas figuras políticas não perderam poder, foram reposicionadas. Agentes do regime se mantiveram e, consequentemente, as empreiteiras a eles associadas também. Figuras como [José] Sarney e Antonio Carlos Magalhães não foram marginalizadas. Muito por isso, alguns projetos da ditadura recorrentemente são retomados –a ferrovia Norte-Sul, as grandes hidrelétricas, a transposição do rio São Francisco, o trem-bala.

    O próprio Minha Casa, Minha Vida guarda semelhanças com os empreendimentos do BNH [Banco Nacional de Habitação]: grandes condomínios feitos em escala quase industrial, beneficiando muito as construtoras.

    Quais empreiteiras mais cresceram durante o regime?

    O crescimento mais impressionante foi o da Odebrecht. Era uma pequena empresa regional, com alguma importância no Nordeste, e começou a crescer quando construiu o edifício-sede da Petrobras, no Rio de Janeiro. A partir daí, saiu do Nordeste e fechou contratos estratégicos da ditadura, como a obra do aeroporto de Galeão e da usina Angra 1. No final da década de 70, iniciou a atuação no exterior e, na década seguinte, começou a fazer fusões e aquisições.

    A forma como essas empresas influenciam as decisões do Estado se mantém?

    Hoje, assim como na ditadura, elas não atuam de forma individual. Claro que alguns dos maiores empreiteiros têm relação direta com alguns políticos. Mas a maioria dessas empresas tem sindicatos e organizações que levam ao Estado projetos de obras, tentam pautar políticas públicas e forçam o direcionamento do orçamento.

    Mas muito mudou. Se elas têm saudade da ditadura, é porque eram ainda mais poderosas naquela época. Hoje, há menos obras e elas não têm acesso tão fácil ao Estado. O mecanismo de atuação política dos empresários, que era mais direcionado ao Executivo e às agencias, foi diversificado. O trabalho passou a ser junto ao Legislativo e aos partidos, por meio de financiamento das campanhas.

    O senhor considera o financiamento de campanhas um dos motores da corrupção ligada a essas empresas?

    Não é um motor, mas uma peça muito importante. O financiamento empresarial compromete toda a gestão futura. Se o empresário está pagando, ele vai ter poder sobre o governo que vai ser eleito. É a lógica de que quem financia governa junto.

    *

    RAIO-X
    Pedro Henrique Pedreira Campos

    IDADE
    31 anos

    FORMAÇÃO
    História, pela Universidade Federal Fluminense (UFF). É mestre e doutor pela mesma instituição

    CARREIRA
    Leciona política externa na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Além de "Estranhas Catedrais", publicou os livros "Nos Caminhos da Acumulação" (2010), "Ensaios de História Econômico-Social" (2012)

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