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    Lava Jato

    Juiz vê inconsistência no argumento de que empreiteiras só pagaram propina sob ameaça

    RUBENS VALENTE
    GABRIEL MASCARENHAS
    DE BRASÍLIA

    01/12/2014 18h17

    O juiz federal de Curitiba (PR) Sergio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, escreveu que "aparenta ser inconsistente" a alegação da empreiteira Mendes Júnior de que só pagou sob pressão e ameaças um total de R$ 8 milhões de propina ao esquema montado na Petrobras.

    Argumento semelhante foi apresentado pela empreiteira Galvão Engenharia, que disse ter desembolsado R$ 12,8 milhões a dois grupos –um do doleiro Alberto Youssef e do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e outro ligado à Diretoria de Serviços– porque foi ameaçada e temia não obter novos contratos ou perder os que já detinha na petroleira.

    Se comprovado, o ato poderia caracterizar concussão, crime praticado por servidor público ou contra a administração pública, que é, segundo o Código Penal, "exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida".

    Embora tenha ressaltado que ainda não é o momento para uma análise mais aprofundada dessas alegações, Moro escreveu que "algumas circunstâncias [...] dificultam a admissão do álibi para fins de revogação da [prisão] preventiva".

    "Quem é vítima de concussão, busca a Polícia e não as sombras. Não há registro de qualquer resistência da parte do investigado quanto à suposta exigência, surgindo a admissão parcial dos fatos somente agora, quando já preso cautelarmente por esse mesmo crime e outros", escreveu Moro.

    O despacho diz respeito a um pedido de revogação da prisão preventiva do vice-presidente executivo da Mendes Júnior, Sérgio Cunha Mendes, que está na carceragem da PF de Curitiba. O juiz não acolheu o pedido.

    Moro afirmou ainda que o longo período em que os pagamentos foram feitos parceladamente pela Mendes Júnior, cerca de dois anos, sugere "inconsistência" no argumento de que houve concussão.

    "A concussão é usualmente fruto de exigência ilegal momentânea, que reduz a capacidade da vítima de resistir, como, exemplificadamente, policial que ameaça a vítima de prisão ilegal se não houver imediato pagamento de vantagem indevida, e não fruto de uma relação prolongada entre o particular e o agente público, como, no caso presente, no qual empresa agraciada com contratos públicos concorda em realizar pagamentos a agentes públicos para persistir em sua atividade lucrativa."

    O juiz acrescentou que os indícios levados ao conhecimento do Judiciário até agora demonstram que "o esquema criminoso é muito superior a uma exigência ou solicitação isolada de vantagem" por parte de um servidor público ou de seu intermediário.

    "Há provas, em cognição sumária, de um esquema criminoso duradouro e sistemático para frustrar licitações da Petrobras, impor preços em contratos públicos sem concorrência real, lavar recursos obtidos com tais crimes e, com eles, efetuar remunerações contínuas a agentes públicos, inclusive a Diretores e gerentes da Petrobras S/A. Tais crimes seriam perpetrados por um cartel de empresas, do qual faria parte a empreiteira Mendes Júnior."

    O juiz fez ainda referência ao depoimento e às notas fiscais e comprovantes de transferência de dinheiro apresentados à Justiça pela empreiteira Galvão Engenharia. Segundo o depoimento do empreiteiro Erton Medeiros Fonseca à PF, o empresário Shinko Nakandakari, que recebeu R$ 8,8 milhões por meio de uma empresa de consultoria registrada em seu nome (98% das cotas) e de seus filhos, foi apresentado à Galvão como emissário da Diretoria de Serviços da Petrobras para recolher um percentual de propina calculado entre 0,5% e 1% sobre o valor dos contratos. Na época a diretoria era comandada por Renato Duque, também preso na operação.

    "Além dos crimes praticados via cartel, aparentam existir iniciativas criminosas isoladas das empreiteiras, ou seja, crimes similares perpetrados mesmo fora do cartel. Os agraciados não seriam somente Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa. Há provas, em cognição sumária, de que outros agentes públicos e intermediadores foram beneficiados, como descrito na decisão referida, sendo de se destacar que, supervenientemente, uma das empreiteiras, a Galvão Engenharia, já admitiu pagamentos à Diretoria de Serviços entre 2010 a 2014", escreveu Moro.

    No pedido de revogação da prisão de Sérgio Cunha Mendes, não acolhido pelo juiz, os advogados do empreiteiro afirmaram que ele colaborou com as investigações e que foi coagido por Youssef e Costa a pagar propinas. A defesa afirmou ainda que não estavam presentes "os pressupostos e fundamentos da prisão preventiva".

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