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    Ex-integrante diz que comissão teve fim 'decepcionante'

    LUCAS FERRAZ
    DE SÃO PAULO

    21/12/2014 02h00

    Membro originário da Comissão Nacional da Verdade, o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles afirma que o final do grupo foi "decepcionante".

    Para ele, o documento entregue na última semana já "está em processo de esquecimento". "Temo que a coisa se dissolva rapidamente, como está acontecendo. A comissão não repercutiu como deveria. Não houve envolvimento da sociedade", disse.

    Fonteles, 68, integrou a comissão de maio de 2012 a junho de 2013, quando se demitiu após divergências com os colegas sobre o rumo das investigações. O ex-procurador critica sobretudo a atitude da presidente Dilma, que segundo ele se mostrou desinteressada com o trabalho e nem indicou um nome para substituir Gilson Dipp. Leia trechos de sua entrevista.

    Soeren Stache - 15.mai.2013/EFE
    O ex-procurador-geral da República cláudio Fonteles, que deixou a comissão da Verdade
    O ex-procurador-geral da República cláudio Fonteles, que deixou a comissão da Verdade

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    Folha - Como o sr. recebeu o trabalho final da comissão?

    Cláudio Fonteles - Temo que a coisa se dissolva rapidamente, como parece que está acontecendo. Já está praticamente em processo de esquecimento.

    Quando a comissão foi instalada, houve uma coisa muito bonita. Este mesmíssimo tratamento deveria ter sido dado na entrega do relatório. Vocês noticiaram que Dilma nem queria a presença de pessoas, seria um evento escondido, entregava o relatório e já vai. Teria havido uma pressão e cerca de 50 pessoas foram convidadas.

    Isso não contribui, qual era o grande sentido de todo o trabalho da comissão? Fazer uma reconstituição histórica, apresentar recomendações, mas o objetivo disso tudo é para que nunca mais aconteça. "Não se esqueça para que nunca mais aconteça", a frase é das Mães da Praça de Maio [grupo argentino que busca os desaparecidos políticos do país]. Esse espírito não foi vivido nem presenciado por aqui.

    A comissão, com o passar do tempo, ficou menor?

    Ela não repercutiu como deveria, o tema não se difundiu para que a sociedade se envolvesse no trabalho.

    O próprio final da comissão ficou esvaziado. Familiares de mortos e desaparecidos e movimentos sociais, por exemplo, não tiveram um envolvimento muito grande no evento final.

    Faço um paralelo entre a abertura e o final da comissão. A abertura foi uma cerimônia bonita, com todos os cinco presidentes pós ditadura, gente de diferentes vertentes de governos, todos unidos em torno dos direitos humanos. O final também deveria ter sido assim.

    Algumas providências deveriam ter sido propostas, como transformar as unidades usadas para torturar em centros culturais. Não é uma providência difícil de ser executada. Ou mesmo transformar o Arquivo Nacional num centro nacional de pesquisa documental, aberto para escolas, enfim, poderíamos ter aproveitado o momento para criar um grande centro de pesquisa documental.

    O arquivo [em Brasília], em condições muito ruins, parece um depósito.

    Isso chegou a ser sugerido?

    Oficialmente, não. Mas numa conversa informal com a Dilma eu falei, "olha presidente, você poderia pensar nisso, transformar o arquivo num centro documental". O arquivo hoje é uma coisa morta e poderia ser um centro cultural para as pessoas irem conhecer a história do país. O meu sentimento é de um pouco de vazio. Houve uma distância enorme na maneira em que a comissão começou e como ela terminou.

    Dilma nunca indicou um substituto para Gilson Dipp, que saiu por problemas de saúde. Não foi um sinal de descaso com o trabalho do grupo?

    Usaria a palavra desinteresse. Ela foi desinteressada. A presidente deveria ter substituído logo [o ex-ministro Gilson Dipp], o grupo ficou com seis pessoas. Houve um sentimento de vazio.

    Aí vem a presidente dizer, na entrega do relatório, que agora vai se debruçar sobre as conclusões. Ora, ela poderia receber o relatório antes, até para que no momento da entrega simbólica ela pudesse falar ou se comprometer com alguma das recomendações.

    Não houve envolvimento da sociedade brasileira nesse debate. Lembro que no início íamos a universidades, programas de TV, toda a mídia estava envolvida. Havia uma boa interlocução com a sociedade, mas isso se perdeu. Na medida em que tudo ficou parado, parado ficou.

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