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    PF se vale de anônimos para acusar índios

    RUBENS VALENTE
    DE BRASÍLIA

    22/12/2014 02h00

    O inquérito tocado pela Polícia Federal para investigar a chacina de três moradores de Humaitá (AM) revela que testemunhas anônimas são as principais peças de acusação contra os cinco índios tenharim presos desde fevereiro sob suspeita do crime.

    A chacina completou um ano na terça-feira (16). Revoltados com o crime, no Natal passado moradores queimaram prédios e veículos da Funai e o posto de pedágio dos índios nas entradas da Terra Indígena Tenharim.

    Segundo a investigação, sigilosa, a PF usou depoimentos de testemunhas identificadas apenas por números para apontar o suposto papel de cada um dos índios acusados. O Ministério Público Federal endossou a estratégia da PF e denunciou os índios, em abril, com base em sete depoimentos anônimos.

    O Cimi (Conselho Indigenista Missionário), que presta apoio jurídico aos índios, encontra dificuldades para avaliar os depoimentos, já que a ausência das identidades não permite descartar outras motivações, como disputas internas na aldeia ou ligação com fazendeiros.

    Em outro ponto nebuloso do inquérito, a PF não apresentou resposta a uma informação de familiares de um dos mortos. Em depoimento à PF, o irmão do professor de escola pública Stef Pinheiro de Souza, 43, disse que a conta da vítima no Facebook sinalizou estar ativa mesmo cinco dias após o crime.

    Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress

    Segundo o relatório final, a história começou em 3 de dezembro de 2013, quando o cacique Ivan Tenharim morreu, um dia depois de sofrer um suposto acidente de trânsito quando trafegava de moto pela Transamazônica. Nunca foi identificado o veículo que o teria atropelado.

    Em 16 de dezembro, desapareceram três pessoas que foram vistas atravessando a terra indígena em um Gol –além de Stef, o comerciante Luciano da Conceição Ferreira Freire, 30, e o técnico da Eletrobrás Aldeney Ribeiro Salvador, 40. Dois dias depois, cinco PMs disseram ter visto índios empurrando um Gol para dentro da mata.

    Em mais um ponto questionável da apuração, a PF não explica o que os PMs faziam naquele local e naquele dia, que era a folga da equipe, e por que demoraram dois dias para fazer o alerta.

    Após muitos protestos e a depredação da Funai, os corpos dos desaparecidos foram encontrados em fevereiro, com marcas de tiros, em uma cova rasa na terra indígena.

    A PF prendeu cinco indígenas, dos quais dois são filhos do cacique -Gilvan, 20, e Gilson, 25- e um é sobrinho, Valdinar, 30. Também foi preso Domiceno Tenharim, 34, cacique da aldeia Taboca.

    Os índios, que negam a autoria do crime, estão desde fevereiro no Centro de Ressocialização Vale do Guaporé, em Porto Velho (RO).

    Segundo a PF, a chacina ocorreu por vingança. Embora existam outros indícios da participação de indígenas no crime, o inquérito se vale dos anônimos para dizer o que fez cada um dos índios presos.

    A "testemunha nº 4", por exemplo, disse que o crime ocorreu depois que "um bruxo macumbeiro do distrito de Auxiliadora" recebeu R$ 2.500 para apontar o carro que teria matado o cacique. O "bruxo" não foi localizado nem ouvido em depoimento.

    Segundo a PF, essa falsa informação levou os índios a pararem o carro errado.

    Em relatório pericial antropológico feito a pedido do Ministério Público Federal, dois professores e uma pesquisadora ressaltaram a precariedade de informações passadas sob anonimato.

    Segundo o relatório, os depoimentos, "sobretudo os sete que correspondem a casos de identidade não revelada, aludem a agentes sociais e situações fictícias".

    O relatório também destacou que as fontes anônimas reconhecem não ter presenciado o momento do crime. "Um dos pontos a destacar nos depoimentos é a ausência de testemunha ocular que tenha presenciado o assassinato. Os que apontaram para tal fato foi porque ouviram falar", diz o relatório.

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    CRONOLOGIA

    2.dez.2013
    O cacique Ivan Tenharim morre em circunstâncias suspeitas
    na Transamazônica

    16.dez.2013
    Três pessoas desaparecem em um Gol

    24-25.dez.2013
    Uma multidão queima o escritório da Funai em Humaitá (AM)

    30.jan.2014
    PF prende cinco índios sob suspeita de terem matado as três pessoas

    3.fev.2014
    PF localiza os corpos na terra indígena

    24.fev.2014
    PF indicia os índios, 'motivados por vingança'

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