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    Delatores devem ser premiados, afirma advogada norte-americana

    RAUL JUSTE LORES
    DE WASHINGTON

    23/02/2015 02h00

    Executivos que queiram denunciar práticas prejudiciais aos cofres públicos devem ser "incentivados, premiados e protegidos", estejam na Petrobras ou em empreiteiras ou em qualquer empresa que faça negócios com o governo.

    A opinião é da advogada americana Erika Kelton, uma das maiores especialistas nas leis de "whistleblowers" [tocadores de apito, gíria americana para o "insider" que faz uma denúncia].

    Kelton venceu os dois casos que geraram as maiores recompensas da história para os delatores e também para o governo. Os réus eram os laboratórios farmacêuticos Glaxo e Pfizer, que faziam marketing enganoso estendendo as propriedades curativas de remédios para asma e analgésicos e pagavam propinas a médicos para isso.

    Eles tiveram que pagar US$ 3 bilhões e US$ 2,3 bi, respectivamente. Os executivos que denunciaram a falcatrua levaram entre US$ 50 milhões e US$ 100 milhões de recompensa.

    No Brasil, a investigação sobre os desvios na Petrobras tem como um de seus trunfos as informações dadas por delatores, como os ex-dirigentes da estatal Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco, e ex-funcionários que voluntariamente procuraram as autoridades para denunciar crimes cometidos por colegas ou superiores.

    A seguir, tópicos da entrevista que Kelton concedeu em seu escritório.

    Divulgação
    A advogada norte-americana Erika Kelton, que obteve incentivos milionários para 'insiders'
    A advogada norte-americana Erika Kelton, que obteve incentivos milionários para 'insiders'

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    Tripé fundamental

    Há diversos programas de incentivos aos "whistleblowers", temos leis que premiam delações há 150 anos. A Lei de Informações Falsas é do governo Lincoln, aprovada em 1863, durante a Guerra Civil.

    Mas elas só decolaram mesmo a partir do final dos anos 80, quando foi criada uma estrutura que combina incentivos, recompensas e proteção para quem denuncia. Esse tripé é fundamental.

    Ajuda de 'insiders'

    Começou com uma série de fraudes feitas por prestadores de serviços para o Pentágono. Um martelo que custava US$ 2 no varejo era comprado por US$ 50 pela Defesa. Até assento de vaso sanitário era superfaturado em 1986.

    Para quem fiscaliza as compras do governo, é fundamental a ajuda de dentro, dos "insiders". Você precisa proteger contra retaliação. Especialmente quando você pode estar fazendo milhões de dólares em seu emprego atual e pode perder o emprego ou até ter que mudar de negócio ou carreira. O incentivo precisa compensar. Tem muita gente assaltando o governo.

    Multa de US$ 3 bi

    A Glaxo foi obrigada a pagar US$ 3 bilhões em multas, no acordo mais caro da história dos whistleblowers, em 2012, depois de comprovado que promovia ilegalmente vários remédios para asma, diabetes e antidepressivos. Os quatro denunciantes, dois deles meus clientes, ficaram com US$ 250 milhões de recompensa.

    Os remédios tinham marketing de propriedades muito além do que serviam de fato, e provamos que o laboratório subornava médicos, mandava gerentes de vendas convencê-los, levava médicos para férias no Caribe, entre outros presentinhos.

    O governo é o maior comprador de remédios, então é um gasto enorme que é feito todos os anos. Uma boa porcentagem do orçamento do governo americano é gasta em saúde e um valor enorme em remédios.

    Em qualquer lugar que o governo gasta, de aeroportos e estradas a remédios, pode haver malfeitos. As denúncias podem ser feitas pelos prestadores ou por seus concorrentes.

    Processo confidencial

    Você entra com um processo "confidencial" e o Departamento de Justiça tem até 60 dias para manifestar interesse. Como esse prazo é curto demais, sempre há uma extensão, em vários casos de até dois anos.

    No caso da Glaxo, foram nove anos de forma confidencial, até a empresa negociar e oferecer um acordo. Claro que juízes e governo ficam frustrados, tudo precisa ser mais rápido. Mesmo se governo não manifesta interesse em se juntar ao processo, você ainda pode processar.

    Investigação

    Houve tantos cortes no orçamento federal que há algumas agências sem os recursos ou o pessoal necessários para fazer investigações. Então muitos advogados e escritórios como o nosso colaboram com as investigações e vão atrás de especialistas. No final das contas, a arrecadação aumenta muito quando essa investigação aumenta.

    Petrobras

    Está ocorrendo uma internacionalização dos "whistleblowers", porque os negócios hoje estão em rede global. Quase metade dos denunciantes de crimes financeiros em Wall Street não são cidadãos americanos. Eles podem ser igualmente premiados por ajudar os reguladores a fazer o seu trabalho. Quem sabe não existe gente em Nova York que saiba muito sobre a Petrobras?

    Disque-denúncia

    Foram criadas várias hotlines [disque-denúncia], mas elas não são suficientes. Não adianta ter uma central de denúncias, se você não é obrigado a dar uma resposta com um prazo máximo. Precisa ter escrutínio, prazos, procedimentos, se não vai tudo parar em uma gaveta das boas intenções.

    A Lei de Informações Falsas ("False Claims act"), uma das mais importantes para whistleblowers, força um mecanismo de resposta. Ao levar para a Justiça, o juiz quer saber o que o governo fez para encaminhar o caso. Não dá para sentar em cima e cruzar os braços.

    Alguns Departamentos (ministérios) são mais entusiasmados que outros, o nível de energia varia em se investigar. Precisa ter supervisão judicial

    As premiações variam, de 10 a 30% do acordo. Se o governo não participa da ação, a recompensa é ainda maior, de 25 a 30%. Você só não é premiado se foi um dos arquitetos do malfeito e participou.

    Proteger denunciante

    Há tentativas para se proteger o denunciante, mas a maioria é retaliada.

    Como é normal que você primeiro tente denunciar dentro da empresa, você é perseguido, transferido, demitido. Depende de que momento você denuncia para conseguir proteção legal. Eu represento clientes que tiveram que sair de suas empresas, outros que ainda estão lá.

    Meus clientes que denunciaram a Glaxo já tinham deixado a empresa. O da Pfizer ficou desempregado por seis anos.

    Para cada recompensa que faz cair o queixo da gente, há muitos que ficam anos esperando. A maioria das premiações não muda a sua vida.

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