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    Crianças, casais e vovôs transformam protesto em SP em ato heterogêneo

    LÍGIA MESQUITA
    PATRÍCIA CAMPOS MELLO
    ROBERTO DE OLIVEIRA
    DE SÃO PAULO

    16/03/2015 02h00

    Cabelos grisalhos, espetados com gel, crianças nos ombros, casais (héteros e gays), grupos de amigos e solitários. Muitos deles de cervejinha na mão. Apesar da camisa da seleção ser unanimidade entre os manifestantes, o público que tomou conta da avenida Paulista neste domingo (15) era bem heterogêneo e predominantemente familiar.

    O clima era diferente do que se via nas manifestações de junho de 2013, dominadas por jovens e embates com a polícia. Neste 15 de março, turmas tiravam "selfies" com a Tropa de Choque e policiais atraiam admiradores.

    Alguns grupos até tentaram imitar o método jogral do Movimento Passe Livre, em que um líder fala uma palavra que depois é repetida pela multidão. "Não aguentamos mais esse governo, não queremos corrupção", dizia o líder do Vem Pra Rua, Rogério Chequer. Mas voltaram para os megafones nos carros de som e música alta como "Filha da Puta", do Ultraje a Rigor, que tocava no carro do Movimento Endireita Brasil.

    "Em junho de 2013, as pessoas queriam mudança. Agora, elas estão revoltadas. Quem só queria os 20 centavos não está aqui. Só veio quem quer mais", disse o economista Joel Pinheiro da Fonseca, filho do também economista Eduardo Giannetti.

    "Minha filha estava com medo e perguntou: 'Será que quem votou na Dilma vai atirar na gente, mãe?'", contou a psiquiatra Andrea Bernardes, 40, que foi com o marido, Eudes Gondim, 43, e os dois filhos, de oito e dez anos.

    "Apesar de não ser a favor do impeachment ou intervenção militar, achei importante vir com a família toda. Não adianta ficar reclamando sentado no sofá", afirmou.

    Editoria de Arte/Folhapress

    A aposentada Marcia Ardito, 65, levou duas filhas, quatro netos, o marido e os sogros. Operou o pé e estava em cadeira de rodas. "Tinha uma subida complicada para chegar aqui, mas valeu a pena."

    O casal Rafael Rodrigues, 38, e Leandro Baroni, 28, não teme que, caso ocorra o impeachment, assuma algum presidente mais conservador, como Eduardo Cunha, da bancada evangélica. "Com o PT tivemos mais corrupção e a comissão de direitos humanos foi tomada por evangélicos", diz Baroni.

    O caminho para o Impeachment; Crédito William Mur/Editoria de Arte/Folhapress

    Na rua Pamplona, duas senhoras dançavam vestidas de verde e pediam a volta dos militares: "Na época deles era tudo muito melhor".

    Uma delas era Maria Isabel Fleury, 83, viúva de Sérgio Paranhos Fleury, delegado do Dops que ganhou fama como torturador da ditadura. "Espero que a a Dilma já tenha assinado a renúncia", disse.

    Perto dali, no caminhão do Vem pra Rua, o ator Malvino Salvador, 39, cantava "Pula aê quem não quer mais o PT".

    TODAS AS CLASSES

    Petista "desde que foi gerada", a auxiliar de escritório Taís Silveira, 31, moradora do Grajaú (zona sul), foi ao protesto por "se sentir traída pela presidente".

    Eleitora de Dilma, ela deixou em casa a camiseta vermelha e o broche do PT, que, segundo ela, sempre compõem seu uniforme de manifestação. Preferiu ir de branco para não ser hostilizada.

    "Acabaram com a Petrobras, a inflação está nas alturas. Só o fato de ser contra o que a presidente está fazendo justifica minha presença."

    Segundo ela, o PT, porém, "ainda é o partido que mais faz pela minha classe social, pelos pobres". Taís cursa faculdade de assistente social graças ao Prouni, programa do governo que concede bolsas de estudo em instituições privadas de ensino superior.

    Para ela, faltou gente da periferia. "Não estou vendo ninguém que vive do outro lado da ponte", disse, se referindo à ponte do Socorro que, na opinião dela, é símbolo da divisão social de São Paulo.

    A cerca de 100 metros dali, o ex-lulista João Nascimento Filho, 51, baiano de Itabuna, estava acompanhado de um grupo de amigos, todos moradores de Ermelino Matarazzo, zona leste da capital. "Sou contra pedir impeachment. Sai a Dilma e entra o Temer. Gente, menos, né?"

    Contou estar ali para manifestar sua preocupação em torno das incertezas que rondam o cenário econômico.

    "Antes da Dilma, eu tinha muito trabalho. Durante o governo Lula, a vida da minha família melhorou. Comprei minha casa, a geladeira vivia lotada. Agora, não. Tenho três filhos para cuidar", afirmou ele, que é pintor.

    A uma quadra dali, a advogada Betina Franco, 51, aguardava uma mesa no restaurante Spot após protestar por três horas. "Tira foto aqui da elite branca", brincava. "Não vim pedir impeachment, vim protestar contra a corrupção", disse.

    A seu lado, o empresário Nilton Sevciuc, 56, também ironizava quem dizia que a manifestação era apenas de classe média alta. "A elite não tem direito de bater agogô contra governo e a corrupção? Pagamos impostos, estamos insatisfeitos vendo o país ir pro buraco."

    Para a médica alagoana Patricia Gaiotto, 45, cujo grupo pedia a mudança do sistema eleitoral para o voto distrital, o PT é quem tenta criar um falso embate entre classes sociais. "Isso não existe. Somos brasileiros. Queremos um país melhor."

    Cecília Martins, 38, casada com um empresário, conta que amigos "estão quebrando" e que a empresa de seu marido fará cortes por causa do ajuste fiscal. "Se fosse alienada estaria em Trancoso, na minha casa de praia", disse ela, que saiu à rua para pedir um futuro melhor para o Brasil e seus filhos.

    "Eles estudam em escola americana e querem ir para os EUA. Quero que fiquem no Brasil e se orgulhem daqui."

    Editoria de Arte/Folhapress

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