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    Pacote do governo vai punir corruptos mais rapidamente, diz Cardozo

    MARIO CESAR CARVALHO
    DE SÃO PAULO

    16/03/2015 03h54

    Punir corruptos mais rapidamente, agilizar processos contra desvios de recursos públicos e criminalizar os servidores públicos que enriquecem ilicitamente. As três medidas farão parte do pacote anticorrupção que a presidente Dilma Rousseff deve lançar essa semana, segundo o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse à Folha.

    O trio de ações faz parte do receituário anticorrupção defendido por procuradores da Operação Lava Jato.

    Para Cardozo, as manifestações deste domingo foram impulsionadas pelas descobertas da Polícia Federal sobre desvios na Petrobras, o que ele atribui à autonomia que o governo propicia à Polícia Federal, como ele conta na entrevista a seguir:

    *

    Folha - Por que tantos manifestantes saíram às ruas protestar contra o governo?

    José Eduardo Cardozo - Existem várias causas. Um dos principais fatores é a insatisfação contra a corrupção, o que é uma insatisfação legítima. Todos os brasileiros, ao tomarem conhecimento de fatos que estão sob investigação da Lava Jato, manifestam uma legítima indignação.

    Não há um componente político, de oposição ao PT?

    Há vários componentes. Você tem desde minorias que pregam a volta da ditadura militar, tem pessoas ressentidas ainda com as eleições. Mas o grande veio condutor é a insatisfação contra a corrupção. O governo tem uma postura clara de combater a corrupção e a impunidade. Há uma clara compreensão do governo de que deve respeitar todas as manifestações, seja de aplauso a suas posturas, seja de crítica.

    O governo anunciou que tomará algumas medidas contra a corrupção. Durante as manifestações de junho de 2014 já dizia que lançaria um pacote anticorrupção. Por que ele demorou quase um ano?

    Eu não diria que demorou quase um ano. Ao longo do último período foram criadas medidas de combate à corrupção. O governo tem também uma posição firme de não interferir em investigações e garantir que a PF tenha verbas e autonomia para investigar. Houve também a nomeação de uma pessoa que age com absoluta independência no comando do Ministério Público.

    O que avaliamos depois de uma série de debates é que é necessário aperfeiçoar a legislação brasileira. Além de ter outras políticas que devam ser objeto de inquirimento com o poder Judiciário, o Ministério Público e a sociedade civil. É nessa linha que vamos trabalhar nossas medidas de combate à corrupção. A presidente Dilma falou na posse que em seis meses essas medidas seriam apresentadas. Vamos encaminhar [ao Congresso] muito antes desse prazo.

    Quais seriam as medidas?

    As linhas essenciais foram anunciadas pela presidente na campanha eleitoral. Agora elas passaram por estudos jurídicos. Vamos aguardar o anúncio da presidente, porque foi uma promessa eleitoral e ela irá honrá-la.

    A criminalização do enriquecimento ilícito do servidor público será contemplada?

    É um dos eixos das medidas.

    O procurador que coordena a Lava Jato, Deltan Dallagnol, disse em entrevista à Folha que, além dessa medida, o governo deveria buscar a aceleração dos processos contra corruptos e da recuperação dos valores desviados.

    Todas as preocupações manifestadas pelo procurador serão contempladas [ação penal mais rápida contra corruptos, criminalização do enriquecimento ilícito dos servidores e agilização de recursos públicos desviados]. Algumas em caráter imediato.

    Imediato quer dizer quando?

    Nesta semana. Serão encaminhadas por meio de medidas legislativas [ao Congresso]. Vamos pedir urgência na tramitação. Mas existem questões que ultrapassam os limites do Poder Executivo, que dizem respeito a situações de estruturação do sistema judiciário.

    O pacote também contemplará isso, assim como um diálogo a ser feito entre poderes, com prazo determinado para um esforço conjunto. Mas isso será melhor especificado pela presidente Dilma.

    Recuperação de dinheiro de corrupção demanda alto investimento. O governo vai gastar mais nessa área?

    Você tem de atacar essa questão em duas frentes: recuperar valores e bens em território nacional, e nosso pacote contempla isso, assim como valores que estão em outros países. Isso passa por tratados internacionais e nem sempre depende do país que quer recuperar. Temos um departamento no Ministério da Justiça, o DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional), que faz as recuperações e que precisa ser fortalecido. Temos de agilizar essas recuperações.

    Os valores recuperados pelo governo foram considerados extremamente baixos –R$ 35 milhões em dez anos, ante R$ 500 milhões pela Operação Lava Jato em um ano.

    Também considero baixos. Não é por falta de vontade do Estado brasileiro, mas pela demora das medidas judiciárias de outros países.

    Uma das palavras de ordem nas manifestações deste domingo era "Não ao Acordão", em referência a uma suposta tentativa do governo de não punir as empreiteiras investigadas na Lava Jato.

    Nunca houve por parte do governo nenhuma intenção de que não existam punições.

    A presidente Dilma chegou a dizer que deveriam ser punidos os executivos, mas não as empresas, quando a lei prevê a punição de ambos.

    Houve uma má compreensão do que a presidente disse. É evidente que o governo tem a postura que devam ser punidos todos os que praticam atos ilícitos. Com respeito às pessoas físicas, é natural que se aplique a lei penal. No que diz respeito às empresas, temos de aplicar a lei, porém temos de ter a cautela para que elas sejam punidas, mas a economia do país não seja abalada. Isso acontece em todos os cantos do mundo.

    Para isso existem multas pesadas, exigências de "compliance" [conformidade], demissão de envolvidos e saneamento de práticas. No fundo, o que se deve fazer é o que a lei preconiza. Temos uma lei anticorrupção muito boa, que abre a possibilidade de saneamento das empresas para que a economia não seja prejudicada.

    Os procuradores da Lava Jato dizem que o governo estava tentando contornar a lei para salvar as empresas. As empresas, se forem comprovados os atos ilícitos, teriam de ser declaradas inidôneas.

    Claro. Mas a legislação brasileira também prevê o acordo de leniência, para as empresas que colaboram com a investigação e assumem certos compromissos de responder por sanções e adotar posturas éticas. Existe um falta de diálogo facilmente superável nessa questão. Ninguém quer nada ilegal.

    Os procuradores da Lava Jato tem uma avaliação parecida com a dos manifestantes.

    Isso não é difícil de ser desfeito. Há um compreensível clima passional em face da descoberta de atos de corrupção. Em nenhum momento o governo quis fazer acordão para salvar quem quer que seja. Acordos de leniência existem para aprofundar as investigações, da mesma forma que acordos de delação.

    O sr. tem alguma ideia de onde surgiu a palavra de ordem "Não ao Acordão"?

    Infelizmente existem algumas lideranças políticas que trabalham com a ideia do quanto pior, melhor. Tudo que estamos pensando está previsto em lei. No caso do cartel dos trens em São Paulo, a investigação ganhou grande impulso com o acordo de leniência da Siemens, que não deixará de ser punida.

    Algumas pessoas parecem querer ver a situação agravada e incentivam essa ideia de existe uma conspiração para salvar as empreiteiras. Isso não existe e nunca existiu.

    O que o governo pretende fazer com esses líderes que, segundo o sr., apostam no quanto pior, melhor?

    Vamos fazer o debate político e mostrar que o país hoje não quer que a situação piore, mas melhore. Precisamos ter a responsabilidade política e econômica que o momento exige. Precisamos buscar convergências e afastar as divergências para a hora certa. O governo quer dialogar. Os que forem contra isso, aqueles que querem criar crise no plano econômico ou político, serão identificados [como defensores do quanto pior, melhor].

    Muitos analistas e manifestantes dizem que a presidente Dilma Rousseff está desconectada da realidade. Isso não impulsionou as manifestações?

    A presidente em nenhum momento está desconectada da vida nacional na sua análise. Ela tem uma avaliação segura e dirige o governo com sobriedade e firmeza. Aqueles que querem imputar esse tipo de coisa à presidente cometem um equívoco até grosseiro.

    Já ouvi de analistas que o momento é muito grave por conta da polarização política e que há riscos de ruptura.

    Não. O Brasil tem instituições sólidas e uma democracia que comporta manifestações como as que tivemos hoje [dia 12], que comporta manifestações a favor das políticas governamentais. Tenho absoluta convicção de que a institucionalidade brasileira existe em tal dimensão que absorve situação de crítica ao governo e de aplauso. Não tenho uma visão catastrofista.

    Não há risco de golpe?

    De jeito nenhum. A grande maioria dos brasileiros defende a democracia, sabe que não há base para impeachment e reconhece legitimidade das eleições feitas há quatro meses. Portanto, é contra atitudes golpistas.

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