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    Protesto em SP reuniu ex-petistas, estreantes na vida política e militantes

    DANIEL CASTRO
    FELIPE GIACOMELLI
    THIAGO AMÂNCIO
    DA EDITORIA DE TREINAMENTO

    22/03/2015 02h00

    Nem tão branca, nem tão elite. O protesto do último domingo (15) em SP reuniu ex-petistas, defensores da volta dos militares, estreantes na vida política e militantes de carteirinha. Em comum, a inconformidade com a situação do país e a promessa de que voltarão às ruas.

    *

    Deixou a foto de Lula em casa e foi protestar

    Junto às fotos de família na sala da casa, chama a atenção uma imagem de Lula. Ao lado do ex-presidente está o tio-sindicalista da estudante Mylene Xavier, 19.

    Numa casa de cinco cômodos, em um terreno que abriga outras duas residências, Mylene vive com os avós e uma prima no bairro Jardim Dona Sinhá, na periferia leste de São Paulo.

    De lá, a estudante de pedagogia levou uma hora e meia para chegar à avenida Paulista no domingo (15) para participar da manifestação contra o governo Dilma.

    Ela conta que um grupo de sete amigos da região se mobilizou para participar do protesto, em que ela ficou do início ao fim.

    "Os jovens não têm oportunidades, por isso muitos vão para a criminalidade. Querem conquistar o que o Brasil não oferece a eles", afirma Mylene, que trabalha como assistente de crédito numa loja de departamento.

    O salário serve para pagar a faculdade. Por não ter feito o Enem, ela não conseguiu dinheiro do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil).

    Outras reclamações da estudante envolvem a alta dos preços motivada pela inflação e a qualidade do transporte público, que ela considera um caos. A insatisfação não poupa nenhum governante. "A culpa é de todos. A corrupção sempre vai existir e vem desde o primeiro político. Eles deveriam saber o que a gente passa para ter mais consciência", diz.

    Mylene foi a única em sua casa a participar do protesto. O avô Amadeu Ferreira da Silva, 65, que considera Lula "o melhor presidente da história do Brasil", diz já não ter mais idade para ir às ruas, mas apoia a iniciativa da neta. "Ela está certa, Dilma pisou na bola com os aumentos recentes."

    Ela afirma que participará da próxima manifestação.

    Adriano Vizoni/Folhapress
    A assistente de crédito Mylene Xavier, 19
    A assistente de crédito Mylene Xavier, 19

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    Fotógrafo não sabe se continuará no Brasil

    Thomas Baccaro, 39, conhece as pessoas pelas paredes. Ao visitar alguém, seu olho logo percorre os detalhes da decoração.

    Na sua casa, em Perdizes, bairro de classe média alta da zona oeste de São Paulo, há gravuras de importantes artistas brasileiros, como Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral. Há quadros por todo lado. No banheiro, são três.

    Filho de artistas italianos, Thomas vive da fotografia e do comércio de obras de arte. Em seu currículo, constam exibições na França, nos EUA e no Canadá.

    "Minha vida é meio maluca, sou um pouco cigano", define-se. Um dos seus trabalhos mais marcantes foi uma série de fotos feitas desde a nascente até a foz do rio São Francisco, passando por 52 cidades. "Eu sei bem o que é a pobreza, a diferença social e a falta de oportunidades do Brasil", diz, sobre as viagens que fez pelo país.

    Foi a vontade de mudar essa situação que levou o fotógrafo a participar da manifestação contra o governo no último domingo (15).

    Ele reclama dos altos impostos, que não voltam como benefícios para a população, e da corrupção.

    Para ele, a solução é investimento pesado em educação, voto distrital e fortalecimento do poder dos Estados. "Há muito poder concentrado nas mãos de poucos. Eles fazem o que querem", diz Thomas, que votou em Marina no primeiro turno e depois em Aécio Neves "por falta de opção".

    Ele planejava abrir uma galeria de arte em São Paulo, mas adiou o projeto devido à situação econômica do país. "Engavetei tudo. Ninguém sabe o que vai acontecer amanhã."

    Ele ainda não sabe se continuará a viver no Brasil, mas já decidiu que estará no próximo protesto, marcado para o dia 12 de abril.

    Ze Carlos Barretta/Folhapress
    O fotógrafo Thomas Baccaro, 39
    O fotógrafo Thomas Baccaro, 39

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    Contador quer intervenção militar "para limpar sujeira"

    A insatisfação com a corrupção e o medo de que o Brasil adote o socialismo fazem com que o contador Tiago da Silva, 31, considere a possibilidade de uma intervenção militar no país. "Seria bom a princípio, pelo menos para limpar toda essa sujeira", afirma.

    O contador explica que não apoia uma ação imediata das forças armadas, mas confia no Exército para ter um país menos corrupto.

    Mesmo sem ter vivido os anos de ditadura militar, o contador garante que leu muito sobre o assunto.

    Para ele, o golpe de 1964 foi uma intervenção em defesa da pátria para livrar o país de uma ditadura comunista. "A opressão e o abuso de poder por parte de alguns militares" teriam sido o lado ruim do período.

    No domingo passado (15), ele participou pela primeira vez de uma manifestação e diz ter gostado da experiência.

    Na avenida Paulista, o rapaz conheceu pessoas que, assim como ele, frequentam a maçonaria.

    Fizeram amizade e combinaram de se encontrar no próximo protesto. Para Tiago, os ensinamentos maçons tornam o homem mais justo, cidadão e patriota.

    Tiago mora sozinho em uma casa alugada na Penha, zona leste de São Paulo. Ele interrompeu os estudos na adolescência e concluiu o ensino médio aos 22 anos, pelo supletivo.

    Técnico em contabilidade, estuda na Universidade São Judas Tadeu, mas não paga mensalidade.

    Ele tem 50% de bolsa do Prouni (programa federal que oferece bolsa em universidades privadas) e os outros 50% são financiados pelo Fies, programa do governo federal.

    Ele não vê contradição nas críticas que faz ao governo. "Não adianta dar com uma mão e tirar com as duas. A corrupção apaga o mérito desses programas."

    Ele crê que o governo federal quer implantar um regime socialista no país. "Se for necessário, dou total apoio para o Exército defender a pátria."

    Avener Prado/Folhapress
    O contador Tiago da Silva, 31
    O contador Tiago da Silva, 31

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    Sem cobertura pelo SUS, grávida busca tratamento para seu bebê

    A manifestação do domingo (15) foi a primeira de Rosa Corrêa, 23, grávida de cinco meses de Davi.

    Uma semana antes do protesto, ela recebeu a notícia de que o feto tem espinha bífida, uma rara má-formação na coluna vertebral do bebê. Nos casos mais graves, o problema pode causar hidrocefalia.

    A única cura é uma cirurgia feita ainda no útero, mas é considerada um tratamento experimental, sem cobertura pelo SUS. A operação custa em torno de R$ 30 mil, segundo Rosa.

    Mestranda em engenharia mecânica, ela não tem como bancar o procedimento. Nem o marido, que ganha dois salários mínimos.

    Foi para pedir a ampliação do atendimento à saúde que ela foi às ruas. "Isso está acontecendo comigo, mas podia ser com qualquer outra pessoa", avalia.

    A pesquisadora, que anulou o voto para presidente na última eleição, já confirmou presença no próximo protesto. "Só haverá resultado se os atos continuarem", diz.

    Avener Prado/Folhapress
    A manifestação do domingo (15) foi a primeira da pesquisadora Rosa Corrêa, 23
    A manifestação do domingo (15) foi a primeira da pesquisadora Rosa Corrêa, 23

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    Economista tucano é contra impeachment e presidencialismo

    Em 1975, Osvaldo Batista Santana buscava uma vida melhor e atravessou 1.900 km de Santo Amaro, no Recôncavo Baiano, até São Paulo.

    No último dia 15, aos 60 anos, deslocou-se por 17 km de sua casa, no bairro do Campo Limpo, até a avenida Paulista para brigar por aquilo que, para ele, faria do Brasil um país melhor.

    Nos 40 anos que separam os dois trajetos, Osvaldo formou-se em economia, casou-se, teve três filhos, comprou um apartamento e se filiou ao PSDB em 1989, um ano após sua fundação.

    Nesse meio tempo, fez voto útil no PT para a presidência em 1989, "de nariz torcido", na tentativa de evitar a eleição de Fernando Collor. Na Prefeitura de São Paulo, também usou o voto no PT contra Paulo Maluf.

    Hoje, é antipetista, inconformado com a situação econômica do país.

    "Quem é que não tem pelo menos duas parcelas atrasadas do cartão de crédito?", diz Santana, que trabalha como consultor financeiro. Ele conta que a economia ruim tem afastado os clientes e reclama da dificuldade de pagar as prestações do carro novo.

    Santana não defende, no entanto, o impeachment. "O Brasil não aguentaria outro processo depois do impedimento de Collor", diz.

    A única coisa que o governo poderia fazer para sair da crise, segundo ele, seria convocar um grupo de "notáveis", intelectuais e especialistas de diferentes partidos políticos, para administrar o país. "O regime ideal é o parlamentarismo. É mais fácil tirar maus governantes."

    Apesar de ser tucano de carteirinha, considera o governador Alckmin acomodado na administração do Estado. "A culpa é também do meu partido, que não sabe fazer oposição", diz.

    Osvaldo pretende voltar nas próximas manifestações contra o governo federal.

    Mas, agora, sem a mulher, Maria de Lourdes Santana. "Se eu fosse ele, já teria desistido. É difícil mudar alguma coisa no Brasil", desabafa sua companheira.

    Ze Carlos Barretta/Folhapress
    O economista Osvaldo Santana, 60, afirma ser contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff
    O economista Osvaldo Santana, 60, afirma ser contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff
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