Um missionário evangélico foi denunciado pelo Ministério Público Federal em Santarém (PA) porque, impossibilitado de pregar para os índios da etnia zo'é no território da tribo, convenceu parte deles a ir à fazenda de um amigo para orarem e, ao mesmo tempo, trabalharem na colheita de castanha.
Em troca, os zo'é ganhavam panelas, roupas velhas, redes e outros utensílios.
Segundo a Procuradoria, o religioso, Luiz Carlos Ferreira, e o dono do castanhal, Manoel Oliveira, mantiveram 96 indígenas em condição análoga à escravidão, com o agravante de terem cometido crime contra os costumes –previsto no Estatuto dos Índios.
Ferreira é acusado de praticar "proselitismo religioso", o que violaria o direito à "manutenção de culturas próprias". A Justiça ainda não aceitou a ação.
O missionário evangélico é dissidente da Missão Novas Tribos do Brasil, que, embora tenha descoberto os zo'é nos anos 1980, foi expulsa pela Funai da tribo em 1991. O órgão federal afirma que o grupo, além de tentar impor a cultura cristã, trouxe doenças aos nativos.
A tribo zo'é é considerada de recente contato, que ainda cultiva tradições e tem dificuldades em se comunicar em português.
Sua principal característica é uma madeira que usam na altura do queixo.
A discussão sobre a presença dos missionários na tribo virou um imbróglio jurídico e foi parar no Supremo Tribunal Federal, que decidiu em favor da Funai.
Após a expulsão do grupo evangélico, Ferreira passou a fazer parte da Igreja Batista. O Ministério Público, porém, alega que ele, extraoficialmente, ainda é membro da missão e chegou a erguer uma capela na fazenda.
"Havia um acordo do missionário com o castanheiro. Os índios eram trazidos para a colheita e viravam alvo fácil para o missionário", diz o procurador Luís de Camões Boaventura, autor da ação.
O Ministério Público foi provocado após vistoria da Funai que afirma ter encontrado os zo'é em barracões precários, com pouca comida, bebendo água contaminada por fezes de porcos e sem atendimento médico.
IMPACTO RELIGIOSO
Apesar disso, os índios voltaram ao local ano a ano, nos três meses da colheita. Em três vistorias, feitas entre 2010 e 2012, foram encontrados membros da tribo no castanhal. E a desconfiança é que a prática se repetia há algum tempo.
Para o coordenador da Funai que cuida de índios isolados e de recente contato, Carlos Travassos, a dupla se aproveitou da "falta de conhecimento dos zo'é sobre os nossos códigos sociais".
Ele diz que o órgão condena o "proselitismo religioso" porque pode haver "impacto negativo" para as tribos.
OUTRO LADO
A Folha não conseguiu localizar o missionário Luiz Carlos Ferreira e o fazendeiro Manoel Oliveira.
Em depoimento à polícia, Oliveira disse que os índios estavam lá por vontade própria.
Ferreira, também ao depor, negou ter recrutado os indígenas e afirmou que sua atuação religiosa não tem ligação com o trabalho na fazenda.
A Igreja Batista de Santarém disse que o missionário se desligou há alguns anos da instituição e que, por isso, não comentaria o caso.
Procurada, a Missão Novas Tribos do Brasil não quis se manifestar sobre a denúncia do Ministério Público Federal.
Em seu site, a entidade diz explicitamente que tem o propósito de evangelizar índios e que sofre oposição de antropólogos e da igreja Católica.