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    Lava Jato

    Petrobras e SBM querem fugir da palavra propina, diz ex-diretor da empresa holandesa

    LEANDRO COLON
    DE LONDRES

    14/04/2015 02h00

    Leandro Colon/Folhapress
    O britânico Jonathan David Taylor em entrevista à *Folha*
    O britânico Jonathan David Taylor em entrevista à Folha

    Ex-diretor da SBM Offshore, o britânico Jonathan David Taylor, 45, recebeu a reportagem da Folha no último sábado (11) em uma cidade do Reino Unido, a uma hora de Londres.

    Por razões de segurança, pediu para não identificar a região.

    Ele atuou na área jurídica de vendas e marketing da empresa entre 2003 e 2012.

    Britânico, Taylor falou pela primeira vez a um veículo do Brasil.

    Ao quebrar o silêncio, ele detalhou parte do que entregou às autoridades brasileiras, incluindo extratos dos pagamentos a offshores do lobista Julio Faerman, intermediário das propinas na Petrobras.

    Ele afirma que SBM e Petrobras combinaram versões para acobertar as apurações e não prejudicar os negócios.

    O ex-funcionário diz ter visitado o Brasil pelo menos sete vezes para discutir questões jurídicas dos contratos com a Petrobras. Avisa que está disposto a ajudar a CPI no Congresso.

    *

    Por que o sr. deixou a SBM?

    Eu era baseado em Mônaco e deixei a SBM em junho de 2012 quando vi as tentativas de acobertamento das investigações, lideradas pelo então chefe de compliance [fiscalização interna], Sietze Hepkema. Minha família vivia na fronteira com a França, com três filhos, uma vida ótima, e tudo isso foi quebrado exclusivamente por causa desse acobertamento.

    Como o sr. descobriu esse esquema de propina?

    Um advogado externo, representante de um dos clientes, nos informou sobre algumas atividades de um agente chamado Hanny Tagher, também ex-diretor da SBM e que atuava em todos os países para a empresa, com exceção do Brasil. Eles tiveram acesso a emails de ex-empregados relacionados a Tagher e propina. Isso foi em janeiro de 2012. A partir daquele momento, muita informação veio a mim sobre o modelo de negócio das últimas duas décadas. Basicamente, evidência de empresas de gás subornando indivíduos para ganhar licitações. No Brasil, a empresa nacional [Petrobras] havia montado esquema de propina por meio do Julio Faerman, desde os anos 90.

    O sr. é mesmo o responsável pela publicação do material vazado na Wikipedia?

    Eu não posso comentar sobre quem publicou isso, porque pelo menos 20 pessoas tiveram acesso à versão original, entre elas executivos da empresa. Isso foi publicado em outubro de 2013, e saiu na imprensa holandesa em fevereiro do ano passado. O que posso dizer é que estou certo de que a SBM nunca teria discutido publicamente o pagamento de propina na Petrobras se esse artigo no Wikipedia não tivesse sido publicado. Se não fosse o artigo, o caso do Brasil ficaria intocável.

    O sr. já se encontrou com Faerman?

    Várias vezes. Julio Faerman não era um agente independente. Ninguém da Petrobras falava com a SBM sem ele. Era altamente íntimo do esquema no Brasil, e atuava com seu filho Marcello e o sócio Luiz Eduardo Barbosa.

    O sr. visitava o Brasil pela SBM?

    Visitei acho que umas sete vezes. Eu era o advogado responsável por negociar os termos de condições operacionais dos contratos. Estive em Macaé, Rio de Janeiro, Santos, entre outras cidades.

    O sr. colaborou com autoridades brasileiras?

    Sim, três membros da CGU vieram inclusive até aqui falar comigo. Eu disse tudo que eu sabia. Além disso, tinha entregue [por email, no dia 27 de agosto] vários emails, e muita informação. Eu os contatei, porque vi na imprensa brasileira que a CGU não se referia a mim pelo nome e que as autoridades holandesas não estavam colaborando.

    À CGU, o sr. confirmou a versão de propina na Petrobras?

    Sim. Me lembro exatamente: era a sexta-feira [3 de outubro] antes do primeiro turno. Vieram três pessoas: os senhores Hamilton Cruz, Ricardo Wágner e um outro.

    O ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco afirma que a SBM deu US$ 300 mil para a campanha de Dilma Rousseff em 2010 a pedido do PT. O sr. confirma?

    É muito provável. Como disse, só descobri as coisas depois, e não sei quem recebeu o quê, nós sabemos que a Petrobras foi corrompida, e temos evidência. Mas creio que você pode estar absolutamente correto.

    CGU, SBM e Petrobras admitiram irregularidades somente a partir de 12 de novembro. Na sua opinião, houve demora?

    A única conclusão que posso tirar disso é que essas partes queriam proteger o Partido dos Trabalhadores e a presidente Dilma Rousseff ao atrasar o anúncio dessas investigações para evitar um negativo impacto nas eleições. E para a SBM era importante ter uma sobrevida com os contratos no Brasil.

    Há uma CPI instalada no Congresso brasileiro. O sr. aceitaria colaborar?

    Claro. Tive contato com os procuradores brasileiros faz nove meses, mas ainda não conseguiram autorização formal do governo britânico para me ouvir no Reino Unido. Estão esperando, me disseram. Provavelmente, se tudo isso tivesse sido descoberto mais cedo, Dilma Roussef não seria presidente.

    Que tipo de documentos o sr. tem e entregou?

    Tenho, por exemplo, uma gravação de Hanny Tagher de uma reunião em de 27 de março de 2012. Quando perguntado por Bruno Chabas [presidente-executivo] sobre Julio Faerman, Tagher explica quem é e o que fazia, que era crucial. Disse que, dos pagamentos feitos pela SBM para como comissões, um 1% ficava com o Faerman, e a outra parte, 2%, iria para a Petrobras. E eu perguntei então para ele, na gravação: "Petrobras?". Ele responde "Sim".

    Há contratos?

    O que estou mostrando são documentos originais. Há, por exemplo, um adendo de 2007 a um contrato com o Faerman, assinado por ele e pelo Tagher. No último parágrafo da primeira página tem a anotação "1% Faercom [empresa do lobista], 2% outside". Isso foi escrito pelo Tagher, é a letra dele, confirmando num documento de 2007 o que disse na gravação de 2012.

    O seria "outside" nesse caso?

    Isso é "Petrobras". Há também um email de 19 de outubro de 2005 do Faerman reclamando de atrasos das "comissões" para o Tagher. Diz que isso pode trazer "mais problemas". O que esses problemas poderiam ser se, em tese, ele era um agente fazendo um legitimo trabalho? É claro o que isso significava. Isso foi acobertado internamente. Há também contas do Faerman no Brasil pagas pela SBM, mostrando que isso era algo controlado pela empresa, implementado por ela.

    E quais os indícios do interesse da SBM em acobertar?

    Eu não especulo, dou evidências. Em 26 de março de 2013, a SBM anunciou um contrato de US$ 3,5 bilhões com a Petrobras. Dois dias depois, divulgou nota sobre suas investigações internas de pagamentos impróprios, citando um país de fora da África, sem mencionar o Brasil. No comunicado, disse que não havia provas conclusivas. Essa era a chave do acordo com a Petrobras: 'você, Petrobras, em silêncio, nós continuamos a fazer negócio, e vamos nos manter calados.' Afinal, 60% dos negócios da SBM vinham da Petrobras.

    Pode-se dizer que Petrobras e SBM combinaram versões?

    Claro, eles nunca quiseram mostrar tudo. Petrobras teve 30 dias [de auditoria interna] para fazer o que a SBM levava dois anos. Estão querendo fugir da palavra propina.

    Qual sua intenção ao colaborar com investigações?

    Eu quero demonstrar que a SBM sabia o que estava fazendo ao pagar propina para a Petrobras via Julio Faerman.

    A SBM o acusa de ser chantagista.

    Eu nunca extorqui a empresa. Eles receberam uma carta dos meus advogados buscando uma compensação de 3,5 milhões de euros porque tive danos na carreira, tive de abrir mão do meu posto, porque foi construída uma demissão. E eles consideram essa carta uma extorsão. Essencialmente, estão focados em me desacreditar.

    Todos da SBM sabiam do esquema?

    Isso era do alto nível. Todo negócio feito pela empresa foi por meio pagamento de propinas. Isso era absolutamente normal. É como escovar os dentes de manhã: se você não lembra de escová-los, não é algo normal de ocorrer. Há duas novas investigações contra a SBM em outros países, como resultado de informações que eu dei.

    O sr. colaborou com a investigação na Holanda?

    Pessoalmente estive em 14 de abril e 27 de junho do ano passado. Em abril, uma investigadora e o investigador Peter van Leusden me disseram pessoalmente: "a SBM não havia dito nada sobre Brasil". Eu dei informações, como e-mails confidenciais, com nomes de funcionários da Petrobras. Em junho, disseram que a investigação independente foi capaz de confirmar quem tinha recebido de Julio Faerman.

    Como o sr. vê o acordo para a SBM pagar US$ 240 milhões em troca de encerrar o caso?

    É exemplo claro de conluio. A procuradoria, mesmo ciente do que havia descoberto, permitiu que a SBM continuasse pelo mundo e no Brasil. Veja quão bizarro é isso. Os procuradores divulgaram um release em 12 de novembro, mas eu fui avisado em junho. O que aconteceu nesse período? As eleições presidenciais no Brasil.

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