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    Lava Jato

    Questões de Ordem: Prevenir e punir

    MARCELO COELHO

    17/04/2015 02h00

    A prisão de João Vaccari Neto é "injustificada", disse nota oficial do PT nesta quarta-feira. Afinal, "desde o início das investigações, ele sempre se colocou à disposição das autoridades para prestar qualquer esclarecimento".

    Além disso, o PT confia na inocência de seu ex-tesoureiro. Não só por sua conduta, mas também porque a Constituição assegura que toda pessoa deve ser considerada inocente até prova em contrário.

    Seria difícil para o PT inventar coisa muito melhor em defesa de João Vaccari. Mas a lógica da nota oficial é bastante defeituosa.

    É certo que Vaccari ainda não foi condenado por crime nenhum. Foi levado à carceragem da Polícia Federal em Curitiba porque o juiz que cuida do caso, Sergio Moro, decidiu em favor de sua prisão preventiva.

    Há três circunstâncias, segundo o Código de Processo Penal (CPP), em que uma prisão preventiva pode ocorrer. Uma delas é a possibilidade de fuga do investigado. Provavelmente é a isso que o PT se refere quando diz que Vaccari "sempre esteve à disposição das autoridades".

    Ou seja, não iria fugir; é inútil prendê-lo.

    Mas só numa hipótese absurda poderíamos imaginar Vaccari sumindo do mapa nesta etapa das investigações. Não queriam nem mesmo tirá-lo do cargo de tesoureiro do PT, porque isso seria visto como uma confissão de culpa. Se ele fugisse, a desmoralização seria até maior do que a que se abateu agora.

    Não foi com vistas a manter Vaccari disponível para as autoridades que sua prisão foi decretada.

    A lei prevê outras duas condições em que a prisão preventiva pode acontecer, e foi com base nisso que Moro tomou sua decisão. Uma é evitar que o acusado destrua provas, ameace testemunhas, perturbe as investigações. Outra é a garantia da ordem pública. Ou seja, impedir que o réu continue cometendo crimes.

    Aí é que as coisas ficam, em teoria, mais interessantes. Temos de presumir a inocência de quem ainda não foi condenado. Mas também sabemos que de inocente ele não tem nada. Não pode ficar solto, porque continuará a cometer crimes.

    Que crimes? Vaccari dizia, antes de ser preso, que todos os seus contatos com dirigentes da Petrobras não tinham propósito de acertar propinas e financiamentos debaixo do pano. Os vários depoimentos que afirmam isso (do doleiro Alberto Yousseff e do ex-gerente Pedro Barusco, por exemplo) eram "só citações", sem provas.

    O juiz admite que "a palavra de criminosos não é, por si só, confiável, sendo necessária prova de corroboração". Em seu despacho, Moro apresenta várias circunstâncias que confirmariam as delações.

    Só que algumas não dizem respeito diretamente a Vaccari. Menciona-se, por exemplo, o fato de que os delatores diziam a verdade sobre suas próprias contas no exterior. Sinal de que não inventaram tudo. Isso torna provável, mas não certo, que tenham dito a verdade sobre Vaccari.

    Há outras evidências, contudo. Por exemplo, uma gravação citando o nome de Marice, cunhada de Vaccari, como alguém pronta a receber quantias do doleiro Youssef. Ou ainda o crescimento do patrimônio da filha de Vaccari: o fenômeno teria ocorrido mesmo depois de iniciada a Operação Lava Jato.

    Seriam sinais –assim como outras irregularidades anteriores, quando Vaccari era presidente de uma cooperativa habitacional de bancários, entre 2004 e 2010– de que o ex-tesoureiro petista seria uma ameaça à ordem pública, se continuasse solto.

    Duas conclusões. Primeira: a decisão de prender Vaccari, por mais que se queira transmitir essa impressão, não está baseada apenas na palavra de delatores criminosos.

    Segunda: embora todos devam ser considerados inocentes até prova em contrário, o acúmulo de indícios e desconfianças parece ser importante para que o juiz forme suas convicções pessoais –e o mecanismo da prisão preventiva não afasta uma dose de subjetividade em sua aplicação.

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