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    Manobra fiscal fez Ceará aumentar superavit primário para R$ 455 mi

    PATRÍCIA BRITTO
    DO RECIFE

    17/06/2015 12h00

    Com objetivo de alcançar as metas previstas na Lei Orçamentária, o governo do Ceará usou uma manobra para aumentar o superavit primário, o saldo de receitas e despesas usado para pagar juros da dívida pública.

    Com a medida, o Estado fechou o ano de 2014 com superavit oficial de R$ 455 milhões, quando o saldo, se calculado de acordo com as regras do Tesouro, seria um deficit de R$ 1,5 bilhão. A meta do ano era atingir um superavit de R$ 348 milhões.

    A manobra foi possível porque a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) permitiu excluir do cálculo do resultado primário os gastos com infraestrutura, como as obras de combate à seca.

    Além do Ceará, Pernambuco e Maranhão também têm brechas semelhantes na lei orçamentária, mas nunca as utilizaram por temerem questionamentos na Justiça.

    Editoria de Arte/Folhapress

    O artifício também é previsto no Orçamento da União desde 2005, mas foi usado pela primeira vez em 2009. No mesmo ano, o governo de Cid Gomes (Pros) começou a adotá-lo no Ceará.

    O superavit primário, calculado pela diferença entre receitas e despesas não financeiras, indica se os gastos do governo são compatíveis com a arrecadação e demonstra a capacidade do Estado em honrar suas dívidas.

    Por isso, para o procurador-geral de Contas do Ceará, Eduardo de Sousa Lemos, se os gastos com infraestrutura são desconsiderados, o indicador não espelha a realidade econômica do Estado.

    "Há uma despesa que foi realizada, mas não foi considerada. É como se você dissesse que não vai considerar o gasto com a escola dos seus filhos porque precisa ter um resultado positivo e o salário não deu para pagar todas as despesas", disse à Folha.

    No ano passado, a Lei Orçamentária do Ceará também abriu a possibilidade de usar a "sobra" do superavit de 2013 —valor que ultrapassou a meta daquele ano— para abater as despesas de 2014.

    REGRAS

    A conselheira do TCE (Tribunal de Contas do Estado) Soraia Victor afirma que essas medidas desrespeitam as regras da Secretaria do Tesouro Nacional.

    "Neste ano, chamou atenção que, além da dedução do investimento, tem a figura nova de usar o superavit do ano anterior para deduzir do ano atual. É como se estivesse usando o mesmo superavit duas vezes", disse.

    O argumento de quem defende a dedução dos gastos com infraestrutura é o de que essas despesas podem trazer retorno futuro mais alto do que os custos imediatos.

    "Uma coisa é um gasto corrente, como despesa de pessoal, que sai pelo ralo. Outra é investir em programas que se pagam e têm uma taxa de retorno acima dos custos", afirma o especialista em contas públicas Raul Velloso.

    Apesar de recomendação contrária do Ministério Público de Contas, a maioria dos membros do TCE-CE aprovou as contas de 2014. O procurador-geral de Contas recorreu.

    As contas seguem agora para análise da Assembleia Legislativa. Em caso de reprovação, o ex-governador Cid Gomes poderá ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa e se tornar inelegível.

    OUTRO LADO

    O governo do Ceará afirma que o deficit que seria obtido com a metodologia tradicional de calcular o resultado primário não reflete a real situação econômica do Estado.

    Diz ainda que a metodologia usada pelo governo tem respaldo na legislação estadual e foi aprovada pelo Tribunal de Contas do Estado.

    Em nota, a Secretaria da Fazenda afirma que o Estado tem baixo grau de endividamento, de 42% da receita corrente líquida —abaixo do limite de 200%.

    "O Ceará passou a ser superavitário financeiramente, formando elevados níveis de poupança, o que significa executar investimentos com receita própria. Isso gera, portanto, deficit primário, o que não reflete o real vigor fiscal vigente no Estado", afirma a pasta.

    Apesar de nunca ter utilizado a brecha, o governo de Pernambuco afirma que o mecanismo que permite deduzir gastos de infraestrutura foi criado no Estado com base em programa semelhante adotado pela União.
    O governo do Maranhão afirma que pretende retirar essa possibilidade das leis orçamentárias a partir do próximo ano.

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