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    Firma de vice de Lula pediu ao governo apoio para entrar no mercado dos EUA

    RUBENS VALENTE
    GABRIEL MASCARENHAS
    DE BRASÍLIA

    18/06/2015 20h03

    Filho do então vice-presidente da República José Alencar (1931-2011), o empresário Josué Gomes, presidente do grupo têxtil da família, a Coteminas, buscou apoio do mais alto escalão diplomático do governo brasileiro para tentar ingressar no mercado têxtil dos EUA por meio de uma filial que pretendia abrir no Haiti.

    Em entrevista à Folha nesta quinta (18), Josué afirmou que os planos da Coteminas, porém, não saíram do papel e que sua audiência no Itamaraty, em 2008, tratou-se mais de levar ao governo a notícia da intenção de investimento, "que infelizmente não se concretizou".

    Alencar, além de vice-presidente nos dois mandatos do governo Lula, também foi ministro da Defesa (2004-2006) nos dois primeiros anos da ocupação militar do Haiti pela ONU (Organização das Nações Unidas), com tropas comandadas pelo Brasil, a partir de 2004.

    Os interesses empresariais da Coteminas no Haiti e a resposta brasileira são detalhados em um telegrama de abril de 2008 redigido pelo então ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. O documento foi divulgado nesta terça (16) pelo Itamaraty, em resposta a pedido feito pela Lei de Acesso à Informação.

    "Garanti a Josué todo o apoio do governo brasileiro ao projeto. Sugeri gestões junto ao Banco Mundial, onde membro de meu gabinete é alterno do representante brasileiro. Comentei que Robert Zoellick [então presidente do Banco Mundial] tem planejada uma viagem ao Brasil, que deve acontecer em breve, e prometi que o tópico seria levantado nesta ocasião. Avaliei como muito positivos eventuais aportes do Banco Mundial e do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] à iniciativa", escreveu Amorim.

    Josué disse que gostaria da ajuda do governo brasileiro para apoiá-lo junto ao governo norte-americano e garantir que o Projeto "Hope II" contemplasse extensão de prazos e extensão para tecidos planos.

    O empresário também pedia "gestões" para que instituições financeiras, como o BNDES e o Banco Mundial, se interessassem em financiar a infraestrutura de saneamento, tratamento de afluentes, cercamento e fornecimento de eletricidade no Haiti.

    O programa Hope, criado em 2006 pelos EUA, prevê tratamento fiscal especial de estímulo à importação de produtos de vestuário produzidos no Haiti, a fim de estimular a economia do país caribenho.

    Josué pretendia construir um parque industrial em um terreno baldio a leste de Porto Príncipe, a capital haitiana, o que atenderia os "reiterados pedidos do governo brasileiro no sentido de que empresários se interessem em investir seriamente no Haiti".

    O presidente da Coteminas disse que a iniciativa deveria gerar 15 mil empregos diretos e movimentar US$ 4 milhões de dólares por ano, "o que significaria US$ 4 mil por ano para mil famílias haitianas". O investimento inicial previsto oscilava entre US$ 15 milhões e US$ 23 milhões.

    Josué pretendia atrair para o negócio, como parceiros, empresários haitianos ou empreiteiros brasileiros, como o executivo Marcelo Odebrecht, da empreiteira homônima.

    Nas conversa com Amorim, Josué contou que pretendia contratar uma empresa de lobby nos EUA, onde a atividade é regulamentada, "para acompanhar a tramitação da Lei Hope II" no Congresso norte-americano.

    Os planos da Coteminas para o Haiti também haviam sido citados em telegramas produzidos pelo governo norte-americano e divulgados pelo grupo Wikileaks. Segundo um dos telegramas, Josué pediu esforços do governo para estimular os "pedidos de participação brasileira no Hope II como forma de fomentar o desenvolvimento no Haiti".

    Em entrevista à Folha, Josué Gomes disse que o investimento "acabou não se mostrando viável", principalmente por dificuldades em garantir o fornecimento de energia elétrica, fundamental para a atividade têxtil.

    "Obviamente, como o Brasil participava da Minustah [missão da ONU no Haiti], nós não podíamos deixar de levar a notícia de que nós estávamos estudando um eventual investimento nosso no Haiti. Porque o investimento no Haiti permitia que você, fabricando, agregando no Haiti, pudesse entrar no mercado americano com os produtos finais, confeccionados, dentre desse Hope Act [lei Hope]", disse.

    "Nós vimos que era muito difícil [o empreendimento], porque toda a energia no Haiti é térmica, a custos muito altos. Chegamos à conclusão de que não era viável. Mas naquele momento estávamos fazendo estudos e isso precisava ser comunicado ao governo, até porque o Ministério das Relações Exteriores é área de promoção [comercial]", disse o empresário.

    Em nota, o Itamaraty afirmou que "o apoio a empresas e à promoção de exportações de bens e serviços é uma atribuição da diplomacia brasileira desde seus primórdios".

    O ministério afirmou que "atende, de forma não discriminatória, a qualquer empresário brasileiro que busque apoio às suas atividades no exterior".

    "A realização de contatos governamentais e empresariais constitui parte essencial da atuação da diplomacia brasileira na área de promoção comercial e, muito especialmente, do apoio à internacionalização das empresas brasileiras. Nenhuma diplomacia relevante no mundo atua de forma diferente", disse.

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