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    Lava Jato

    Bilhete de presidente da Odebrecht revela estratégias de defesa

    FLÁVIO FERREIRA
    MARIO CESAR CARVALHO
    DE SÃO PAULO

    24/06/2015 14h53

    Bilhete escrito pelo presidente da empreiteira Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e recolhido pela Polícia Federal nesta segunda-feira (22), traz orientações do executivo para contestar provas usadas pela Justiça e pela força-tarefa da operação Lava Jato para justificar a prisão dele. Uma das frases do bilhete ("destruir e-mail sondas") levou a Polícia Federal a suspeitar de uma tentativa de ocultar provas.

    O bilhete de duas páginas foi escrito em letra de forma por Marcelo para que fosse entregue aos advogados que cuidam de sua defesa, na carceragem da Polícia Federal no Paraná na segunda-feira. De acordo com a PF, as correspondências dos presos são examinadas por medidas de segurança. A frase "destruir e-mail sondas" chamou a atenção dos policiais, que então fizeram uma cópia do bilhete.

    O presidente do grupo Odebrecht está preso desde sexta (19), sob acusação de conhecer e consentir com o esquema de pagamento de propina na estatal petroleira.

    O e-mail sobre sondas, usadas para exploração de petróleo no pré-sal, foi uma das provas usadas pelas autoridades para decretar a prisão de Marcelo porque continha a expressão "sobrepreço". O termo foi interpretado pelo juiz Sergio Moro, por procuradores e pela Polícia Federal como sinônimo de superfaturamento.

    A mensagem foi escrita em março de 2011 por um executivo chamado Roberto Prisco Ramos, que era saíra da Braskem à época para criar a Odebrecht Óleo e Gás e foi enviado, entre outros, a Marcelo Odebrecht. Ela faz menção a um "sobrepreço" que variaria de US$ 20 mil a US$ 25 mil por dia. Para Moro, as tratativas poderiam estar relacionadas a contratos da Petrobras.

    Reprodução/Folhapress
    Trecho de bilhete de Marcelo Odebrecht com orientações para defesa "destruir email sonda"
    Trecho de bilhete de Marcelo Odebrecht com orientações para defesa "destruir email sonda"

    Em ofício entregue à Justiça nesta quarta (24), o delegado da Polícia Federal Eduardo Mauat da Silva apresenta uma imagem com uma reprodução do bilhete. No documento, o delegado da PF levanta a suspeita de que o manuscrito indica uma orientação para destruir provas.

    O delegado também interpretou que a expressão "RR", escrita por Marcelo logo após a frase sobre o e-mail, refere-se Roberto Prisco Ramos, autor da mensagem sobre as sondas.

    Com base nesse entendimento, Mauat pediu que a defesa da construtora entregue em cinco dias todos os e-mails da caixa de mensagens de Ramos que estão nos computadores de uma empresa terceirizada.

    A advogado de Marcelo, Dora Cavalcanti, diz que ao questionar o delegado sobre por que deixara passar para os advogados um bilhete que ele acredita ter teor criminoso, Mauat teria dito que o ato foi "de propósito, na expectativa de que algum dos advogados procurasse os policiais para dizer que 'cometimento de crime não é função de advogado'". Dito de outro modo, segundo a interpretação da advogada: o policial esperava que os advogados da Odebrecht denunciassem o presidente da companhia em razão do bilhete.

    "Ultrapassamos as raias do absurdo!", escreveu a advogada numa petição que encaminhou ao juiz, na qual rebate que o objetivo de seu cliente fosse destruir e-mails.

    À Folha, a advogada disse que a interpretação da polícia carece de lógica: "Como você vai destruir um e-mail que já havia sido apreendido e analisado pela PF? Não existe essa possibilidade. Destruir, no caso, era esclarecer o contexto do e-mail e aniquilar a interpretação de que sobrepreço era superfaturamento".

    A Odebrecht contestou em anúncio publicado nesta segunda (22) que sobrepreço seja sinônimo de superfaturamento. Segundo a companhia, era uma tradução de "cost plus fee", um termo técnico de contratos que designa um valor adicional por um serviço extraordinário prestado.

    OUTROS PONTOS

    No bilhete, Marcelo relaciona outros pontos que sua defesa deve atacar. Uma das orientações é para contestar a interpretação das autoridades de que documento relativo à compra de US$ 300 mil em títulos da Odebrecht, chamados "bonds", pode ser uma forma de repasse de propina ao ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco. "Bonds são públicos e não temos controle sobre preço e quem compra", afirma Marcelo no manuscrito.

    No manuscrito, Marcelo afirma ainda não saber por que um consórcio formado pela Odebrecht e UTC pagou US$ 1,5 milhão a Mario Goes, apontado pela PF como repassador de subornos na Petrobras. Os procuradores sustentam que os contratos de auditoria que as empreiteiras assinavam com Goes eram fictícios, já que não havia prestação de serviço. "Não sabemos o que foi, se [foi] por iniciativa UTC ou se de fato houve serviço", escreve Marcelo sobre o US$ 1,5 milhão pago a Goes.

    O executivo ordena que seus advogados rebatam a acusação dos procuradores de que o engenheiro João Bernardi Filho, que foi da Odebrecht até 2002, mas aparece até hoje como sócio de uma das empresas do grupo, foi usado para repassar propina para a companhia.

    Marcelo aponta também no bilhete que a Odebrecht fez auditoria interna e mudou a estrutura da empresa. "Mas não podemos condenar ninguém sem provas", ressalvou. Mesmo assim, segundo ele, o executivo "R.A" foi afastado dos negócios com a Petrobras. As iniciais "R.A." coincidem com as do executivo da Odebrecht Rogério Araújo, que também foi preso na última fase da Lava Jato na ultima sexta-feira.

    O QUE DISSE O JUIZ O QUE DIZ A DEFESA
    E-mail Mensagem enviada ao presidente da Odebrecht e outros executivos fala em "sobrepreço" num contrato de sondas, "da ordem de US$ 20 mil a US$ 25 mil/dia". Para o juiz Sérgio Moro, trata-se de uma referência a propina Os e-mails recebidos por Marcelo Odebrecht são discussões técnicas entre executivos, e o termo "sobrepreço" tem a ver com a remuneração proposta à Sete Brasil, numa tradução do termo em inglês "cost plus fee"
    Depósito Identificada primeiro como depósito, informação depois retificada por Moro, uma compra de títulos da Odebrecht pelo ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco pode ser pagamento de propina A transferência é um investimento em títulos privados emitidos por uma empresa do grupo Odebrecht e negociados por instituições financeiras, sem envolvimento da empreiteira
    Propina A Constructora Del Sur fez depósitos a 3 dirigentes da Petrobras: Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco e Renato Duque. Costa, Barusco e o doleiro Youssef associaram os depósitos à Odebrecht A Odebrecht não tem e nunca teve relação com a empresa Constructora del Sur
    Ligação A Hayley, que comprou obras de arte para um ex-diretor da Petrobras, tinha em seu quadro societário João Antônio Bernardi Filho, que também é sócio da Odebrecht Óleo e Gás. As operações de Bernardi podem estar ligadas à empreiteira Bernardi deixou de integrar o quadro de funcionários da Odebrecht há mais de dez anos, e a empreiteira nunca teve relação com as empresas dele

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