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    Brasileiro está de saco cheio do flá-flu na política, diz dono do Data Popular

    RICARDO MENDONÇA
    EDITOR-ADJUNTO DE "PODER"

    28/06/2015 02h00

    Dono do instituto Data Popular, o publicitário Renato Meirelles tem feito apresentações sobre os anseios da chamada classe C para importantes figuras da política.

    Em 2014, os então presidenciáveis Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (PSB) compareceram aos eventos de lançamento de seu livro, "Um País Chamado Favela - A maior pesquisa já feita sobre a favela brasileira", em coautoria com o ativista Celso Athayde.

    Depois, fez apresentações para os ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso, além de uma recente à presidente Dilma, em Brasília.

    O que tem tentado mostrar, diz, é que os brasileiros, em especial os da chamada classe C, estão "de saco cheio do flá-flu" que caracteriza a disputa partidária.

    Fabio Braga - 17.jun.2015/Folhapress
    Renato Meirelles, na sede do instituto Data Popular
    Renato Meirelles, na sede do instituto Data Popular

    *

    Folha - Li que o senhor teve conversas com a presidente Dilma.
    Meirelles - Eu estive com a presidente, assim como estive com o Aécio, assim como estive com o Fernando Henrique, assim como estive com o Lula. Eu lancei um livro no ano passado, "Um país chamado favela", a Folha até fez a resenha e tudo. Eu consegui levar no lançamento do livro a Marina, a Dilma e o Aécio. A gente conseguiu apresentar os resultados da pesquisa e entregar o livro para o Lula e para o Fernando Henrique. Então eu tento, de verdade, conversar com o maior número possível de pessoas. E quando um presidente ou um ex-presidente ou um candidato a presidente te convida para conversar, você conversa. Acho que o Brasil está tão polarizado, tem tanto fla-flu...

    Calma, não estou te cobrando por ter falado com um ou outro.
    Não, não, relaxa. Só estou te explicando.

    Foi uma conversa avulsa, então? Não tem algo mais institucional?
    Imagina. Foi [uma conversa].

    Quando?
    Tem um mês, um mês e pouquinho...

    E o que levou para ela?
    Disse que eu acho que o Brasil está... A gente está falando muito de crise econômica, que de fato existe, e tem uma discussão ética e moral muito grande. Mas o que tem aparecido em toda pesquisa nossa é que a maior crise do Brasil é a crise de perspectiva. O "para onde eu vou?". A população não está vendo perspectiva no governo, mas também não está vendo na oposição. O mau humor do brasileiro está muito grande porque ele não sabe para onde ir. Ele vê políticos disputando o poder, com temáticas que só têm a ver com quem vai ser o presidente, se derruba presidente ou se não derruba. As pessoas leem isso como os políticos defendendo os interesses dos próprios políticos, não defendendo os interesses da população. E isso não é de agora. Começou em 2013, acentuou-se na Copa do Mundo e no processo eleitoral. O que a gente vê agora é que o brasileiro está ficando de saco cheio do flá-flu da política. É como se dissessem "nem a situação nem a oposição me representam hoje".

    Falou assim para a presidente, "os brasileiros estão de saco cheio do flá-flu"?
    (risos). Do flá-flu eu falei assim, desse jeito.

    Mas como é que vocês detectaram isso? Tem uma pesquisa específica?
    O Data Popular produz, ao longo do ano, algumas pesquisas que são para consumo interno nosso. Para conseguir entender o que está acontecendo no país. Qual é o grande erro das pesquisas? As pessoas pesquisam um tema e acham que a realidade dos brasileiros está restrita a aquele tema. Então se você pesquisa automóvel, parece que o cara dorme e acorda pensando em automóvel. Se você fala de eleição, parece que o cara dorme e acorda falando de eleição. E o que a gente tem visto é que ou você entende de gente, dos brasileiros, ou você não vai entender o que os números significam. A gente faz todas as pesquisas quantitativas, tem todas as estatísticas, faz grupos de pesquisas, mas os "insights" do Data saem do que a gente chama de pesquisa etnográfica. Bebe um pouco da antropologia -claro que não tem a mesma profundidade-, mas a gente vai conviver com as pessoas. A gente vai, morando na casa das pessoas, descobrir a diferença entre o que a pessoa diz que faz daquilo que ela pensa que ela faz para aquilo que ela realmente faz.

    E?
    Nessas pesquisas a gente começa a descobrir que tem o lado da torcida, "isso é bom", "isso está ruim" e aquele negócio de procurar responsável pelo que está acontecendo. Mas aí tem um segundo momento de elas falarem: "tudo bem, mas esses caras estão preocupados comigo ou estão preocupados em poder?" E é isso que as pessoas falam. Existe uma compreensão de que os políticos estão todos na mesma vala. Exemplo: Por que o debate sobre corrupção na eleição não tem o mesmo peso que tem agora? Porque na eleição é um político falando do outro político. E eles acham que os políticos são todos iguais. Hoje, não. Você tem uma discussão da sociedade, da imprensa. Que ganhou uma proporção tão grande, que parece que o grande problema da sociedade brasileira agora é a corrupção.

    Em 2006, quando Lula foi reeleito logo após o mensalão com uma votação muito forte entre os mais pobres, alguns rivais levantaram a hipótese de que os pobres são mais condescendentes com a corrupção. Vocês estudaram isso?
    Estudamos bastante isso, e a gente tem acompanhado o debate de corrupção há muito tempo no Brasil. O que a gente vê? Primeiro, que isso é uma mentira. Tem um preconceito por trás disso: a ideia de que só quem fez universidade, só quem é dessa elite mais tradicional que vê os valores da corrupção. O que a gente vê é que a discussão sobre corrupção tem de ser feita do ponto de vista moral. Moral e ética de coisas básicas. Desde quem suborna o guarda, faz um gato na internet ou na conta de água. É uma discussão sobre o tipo de sociedade que a gente quer, de verdade. As pessoas elegeram o Lula no primeiro mandato porque elas, pela primeira vez, passaram a enxergar que alguém que estava no poder os representava. Falava a linguagem que eles entendiam. Não estou entrando no mérito se o governo era bom ou ruim. Mas efetivamente, depois de muito e muito tempo, é que se elegia alguém que tinha identificação com o povo. O Collor foi eleito como o grande salvador da pátria. O Fernando Henrique foi eleito como alguém sábio para tirar o Brasil da crise que veio depois do fora-Collor. O Lula foi eleito como "alguém de nós que está chegando lá". Essas diferenças sobre o que levou a eleição de cada um é fundamental para entender o Brasil de hoje.

    Mas vocês viram todas essas coisas em alguma pesquisa específica ou é uma impressão sua?
    Não, imagina. É claro que isso tudo é análise nossa sobre pesquisa. Então é evidente que tem opinião nisso. Mas a gente vai a fundo nas pesquisas enográficas e nas pesquisas qualitativas. Isso é o tipo de coisa que você não pega numa pesquisa quantitativa. Não adianta você perguntar quanto por cento pensam isso ou aquilo porque aí não pega. Vou dar um exemplo: que cor você mais gosta?

    Cor? Não sei. Azul, vermelho.
    Ok, vamos dizer, azul. Aí eu pergunto para você: que cor você mais gosta, amarelo, verde ou preto? Você vai responder amarelo, verde ou preto. Mas o que você gosta mesmo é azul. Então qual é o risco de pesquisa quantitativa? Se você não sabe qual é o universo de referência das pessoas, você vai errar na pergunta.

    Sei...
    Então é por isso que, de fato, o que a gente tenta fazer, por mais que a gente tenha estatísticas e números para tudo, é entender a história das pessoas que estão por trás das estatísticas, a história das pessoas que estão por trás dos números.

    Mas como é exatamente? Você disse que vai morar com as pessoas.
    Já aconteceu várias vezes. Eu e meu time. A gente tem um time grande de antropólogos aqui no Data, tem o estatístico, o economista. Eu tenho o pessoal de administração de empresa e a gente tem cientistas sociais e antropólogos no Data. Então a gente tem uma visão muito multidisciplinar sobre o que está acontecendo. Você não sabe o que é fechar relatório aqui. A gente se mata porque eu tenho que fechar a opinião do antropólogo com a opinião do economista.

    É esse o papel do Data Popular?
    Eu estava conversando com um cliente, uma financeira, estava falando com o diretor de marketing, que é muito meu amigo, e ele foi me apresentar para o presidente. Aí quando ele estava me apresentando, ele disse "mas o que acontece é que o Renato é a tecla SAP da opinião pública" (risos). Eu estou longe, não tenho essa pretensão. Mas achei engraçado isso.

    E tem o assédio dos políticos?
    No debate eleitoral do segundo turno, fui no do SBT e também no da Record. A convite das emissoras. A gente já atendeu todas as emissoras, então acaba sendo cliente, amigo, fonte e tal. E eles me convidaram para ir ao debate. E foi uma coisa impressionante, né? Porque chegavam os intervalos, e depois mais forte no final do debate, vinha um cara de um falava: "e aí, ganhamos?". Depois vinha alguém do outro lado e perguntava: "e aí, o que você achou?" E assim, primeiro que a gente não estava fazendo esse monitoramento, não na hora, online. Mas, assim, eu não tinha lado. E as pessoas têm dificuldade de entender, nesse Brasil de fla-flu, alguém que tenha compromisso com o que a gente estuda.

    O que mais foi dito para Dilma?
    Foi uma pesquisa muito de diagnóstico, né? Quem sou eu para dar sugestão, seja para ela, seja para Lula, Fernando Henrique ou Aécio? O que a gente fez foi apresentar um diagnóstico nosso sobre o que está acontecendo na sociedade brasileira, as sequelas que vieram do processo eleitoral e o quanto que os brasileiros não acreditam que a classe política está preocupada em ver o interesse deles, situação e oposição. E mostrar que esse fla-flu cria polarizações que não precisavam existir. Para mim o maior exemplo é a falsa polêmica entre meritocracia e direito de oportunidades. E isso divide direita e esquerda no Brasil. Por que falsa polêmica? Primeiro porque meritocracia é um valor consagrado na sociedade brasileira. O brasileiro quer saber que se ele suar, se arregaçar as mangas, ele vai mais longe. Mas qual é o mérito de alguém que venceu uma corrida porque largou 50 metros na frente? Então só existe meritocracia se existe igualdade de oportunidade. Da mesma forma que o brasileiro acredita em meritocracia, ele acredita que é papel do Estado garantir igualdade de oportunidade. É uma questão de Justiça isso. E quando você está num debate partidário tão polarizado, como está hoje no Brasil, você não consegue unir o Brasil para discutir o que é necessário ser feito para ter igualdade de oportunidade.

    E como é que ela reagiu?
    A presidente é sempre muito educada comigo. As experiências que eu tive com ela... Ela foi no lançamento do meu livro, em 2013 a gente fez uma apresentação sobre as manifestações de junho. Ela reagiu como os políticos experientes reagem: ouvindo e perguntando, ela é muito criteriosa, com muita atenção. Não omitiu opinião.

    Dilma foi reeleita em outubro. Em março, 210 mil pessoas foram à Paulista protestar e pedir impeachment. O que explica?
    O Brasil saiu de uma eleição muito polarizada. Se a primeira eleição da Dilma foi pelo legado do Lula e também porque ela foi apresentada com atributos que Lula não tinha –não era política, era uma técnica–, a reeleição teve mais a ver com o projeto de país. O tipo de sociedade que a gente quer. E num cenário em que muitos queriam mudança. O que fez com que ela ganhasse foi dizer que ela estava lá e a questão da educação, principalmente. Pronatec, Fies, tudo. Fazer com que as pessoas tenham mais oportunidades de vencer na vida. Isso elegeu a presidente Dilma. Depois do excesso de exposição, a presidente se recolheu. E a gente ficou com um governo sem dar boas notícias e sem mostrar para onde o brasileiro iria. Foi assim do segundo turno até o plano safra e o plano de concessões, agora. Quer dizer: do segundo turno até a divulgação do plano safra não se deu boas notícias.

    E a questão da economia?
    Deram uma importância tão grande para a economia, mas esqueceram que a população brasileira não é formada por economistas. Falou-se muito de economia, do ajuste fiscal, mas não se falou para quê serviria isso. Um dos grandes exemplos disso é o Fies. O que foi falado é "acabou o dinheiro do Fies, não vamos fazer Fies". Faltou explicar, antes disso, que várias universidades privadas estavam fazendo anúncios falando coisas como "se você tem dinheiro para pagar a faculdade, deixa guardado na poupança, faça o Fies, que é muito mais econômico". Faltou falar que para o Fies não tinha nota mínima, você poderia escrever uma receita de bolo na redação e ser financiado pelo governo. Eu pergunto: é justo que o governo financie alguém que não quer estudar? Então, ao invés de levar a discussão para mostrar o que as universidades estavam fazendo ou para a questão dos pontos, colocaram tudo na conta do ajuste fiscal. Na questão do seguro desemprego, a mesma coisa: a quantidade de fraudes que existia, isso não foi dito para a sociedade brasileira.

    Colocou isso para ela?
    Eu falei que poderia ter sido apresentado essas questão a trazer para a vida real das pessoas. Porque se fala de ajuste fiscal na economia, mas se esquece que o ajuste fiscal começa em casa. Dentro de cada casa brasileira da classe C existe um pequeno Joaquim Levy, que é a dona de casa que administra o orçamento familiar. É ela que está trocando marcas caras por marcas baratas, que está procurando saber onde fazer economia. Então quando você não dá notícias positivas e não lembra a população de seu projeto, você começa a sentir um processo de frustração. E aí teve um grande erro nas passeatas de março, que foi confundir as pessoas que estavam decepcionadas com as pessoas que estavam nas ruas se manifestando. Um grupo reflete a insatisfação com um determinado projeto de sociedade e de país que está no poder há 12 anos e que ganhou a eleição. E existe ou outro grupo de pessoas que estão insatisfeitas com o governo, não estão vendo luz no fim do túnel, estão frustrados, mas esses defendem um país que tenha distribuição de renda, que busca igualdade de oportunidades. Tanto é assim que quando se radicalizou, eles começaram a perder força. Aí começa a ter uma desconexão entre a vontade de ter um Brasil melhor com uma disputa de poder partidário e político.

    O que vocês consideram classe C?
    A primeira confusão é confundir classe social com classe econômica. Classe social é concento que vem da sociologia, capital cultural, o nível educacional, as profissões e as histórias de cada um. Eu falo de classe econômica. E classe econômica é renda. Então eu falo de famílias da classe C, as que têm renda per capita que varia de pouco mais de R$ 340 para pouco mais de R$ 1.300. Por família, dá pouco mais de R$ 1.200 para pouco mais de R$ 4.500. Aí e gente divide em C menos, C e C mais. Classe média baixa, média e média alta. Metade das famílias brasileiras têm uma renda per capita menor que R$ 500. Se a renda familiar for maior de R$ 10 mil, a pessoa está entre os 5% mais ricos. O Brasil é muito desigual, então esse cara, R$ 2.500 per capita, é o rico.

    A classe C bate penela?
    No processo eleitoral, a classe C saiu muito dividida. Os mais velhos foram em peso para Dilma, os mais novos da classe C votando mais no Aécio. Os mais velhos com uma gratidão, os mais novos querendo saber o que vem no futuro. Então teve panelaço em todas as classes. Na favela também. Mas teve ainda muita preocupação com essa radicalização.

    Voltando à questão do livro das favelas que vocês entregaram aos políticos, eu li e não achei as referências metodológicas da pesquisa. Não diz se as entrevistas foram em domicílios, a margem de erro, não mostra o questionário.
    É que eu queria que o livro fosse mais sobre história de pessoas do que sobre pesquisa.

    Mas está na capa. Diz "a maior pesquisa já feita sobre favela no Brasil".
    Claro, a gente fala muito disso. Mas isso [a redação da capa] é muito uma coisa da editora também. Eu queria que fosse a história das pessoas. Muito mais as narrativas do que os números. Poderia ter feito [as explicações metodológicas]... Talvez na próxima edição a gente faça isso. Mas os dados da pesquisa em si foram muito divulgados. Nós ouvimos 2.000 pessoas em 63 favelas. Com amostra probabilística, tudo bonitinho. Eu poderia ter colocado. Na verdade, não foi um ponto para mim porque eu estava com foco nas narrativas. É que de vez em quando eu fico muito mais preocupado em mostrar mais o significado do que a estatística. Estatística é commodity. Todo mundo faz.

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