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    o impeachment

    Opinião - Visões da Crise

    Protesto pode ser gigante, mas tende a ser estéril

    ANGELA ALONSO
    DE ESPECIAL PARA A FOLHA

    16/08/2015 02h00

    Todo mundo levou um susto em junho de 2013 –esquerda e direita, governo e oposição, mídia e opinião pública. Logo se abraçou interpretação auspiciosa, na linha do renascimento do civismo, do retorno de pautas emancipatórias e de uma nova esquerda. Falou-se também de violência, a do Estado, via polícia, e a de parte dos manifestantes, com a tática black bloc. Apontaram-se demandas por mais e melhor Estado, por políticas públicas universais e eficientes.

    Menos se falou do lado oculto da lua: os clamores por Estado mínimo, contra a política e os políticos. Esta onda de 2013 virou maremoto em março de 2015 e agora sonha ascender a tsunami.

    Os principais grupos convocadores do protesto têm extração de classe e preferência política dominantes: gente afluente, branca, individualista, liberal, antipetista. O Vem pra Rua é o mais moderno. Esbanja recursos midiáticos, cibernéticos e financeiros. Com rede nacional de apoiadores e conexões no exterior, marcou manifestações em 240 cidades, de Divinópolis a Miami. O Movimento Brasil Livre repete o perfil, radicalizando a pauta.

    Editoria de arte/Folhapress

    Os Revoltados On Line se situam à direita: moralistas (defendem a família tradicional), militaristas (elogiam os policiais do Bope) e anticomunistas (acusam excesso redistributivista do PT). Formam um grupo menor, mas comungam com os dois outros a demanda, que está na trilha sonora do evento deste domingo: "Por um país diferente". Embora não se esclareça o que viria a ser a diferença, o nome da banda dá pista: os Reaças.

    Já o foco é obscuro. Mobilização do contra: anti-Dilma, anti-PT, anticorrupção. Mas a favor do quê? O que fariam os manifestantes no day after se lograssem, com suas panelas e seu verde-amarelismo, depor a presidente?

    Pode ser que esta onda, como a de junho de 2013 e a de março de 2015, extravase para além do antipetismo, pois a característica transversal nos três protestos é a distância dos partidos. Quem vocalizará esta mobilização no sistema político?

    Não serão os partidos de esquerda, que lideraram os movimentos pela redemocratização e contra Collor. O PT dilapidou seu maior patrimônio, que Lula tenta em desespero recuperar: a capacidade de dirigir o anseio pró-igualdade social. E passou de pedra a vidraça em outra frente, a defesa da moralidade pública. Mas tampouco o PSDB, que namorou as manifestações de março, conseguiu se conectar organicamente à mobilização.

    O principal alcance do protesto é o de espetáculo político, demonstração do volume de insatisfeitos. O figurino é o do repertório patriota, cujos slogans e símbolos deram as caras em junho de 2013, dominaram março de 2015 e são a estética ostensiva agora.

    O patriotismo é clamor pela nação acima das diferenças, dos partidos. Sem vínculos com o sistema representativo, sem projeto de poder para o dia seguinte, o protesto pode até ser gigante, mas tende a ser estéril. Deste lazer cívico resultarão selfies para o Facebook. Melhor nem pensar o que mais pode vir de uma política que nega a própria política.

    ANGELA ALONSO é socióloga e presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento)

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