• Poder

    Tuesday, 30-Apr-2024 11:38:18 -03

    Lava Jato

    Americano especialista em corrupção chama Lava Jato de 'sucesso notável'

    MARCELO NINIO
    DE WASHINGTON

    25/08/2015 17h00

    Reprodução/Twitter
    O professor americano especialista em corrupção Robert Klitgaard
    O professor americano especialista em corrupção Robert Klitgaard

    Aos brasileiros que não veem nada de positivo na realidade atual do país, o economista americano Robert Klitgaard dá um alento: há motivo de sobra para se orgulhar.

    Considerado um dos maiores especialistas no estudo da corrupção, ele diz que a operação Lava Jato aplicou o tratamento de choque necessário para enfrentar o problema, ao fisgar "peixes graúdos" da política e do empresariado. "É um sucesso notável", elogia.

    Agora, afirma, é preciso aproveitar o momento para reformar o sistema. Conhecido por criar uma fórmula que descreve a corrupção como resultado de monopólio econômico e decisório aliado a déficit de transparência, ele diz que ela se aplica à perfeição ao escândalo na Petrobras. Leia trechos da entrevista concedida à Folha por telefone da Califórnia, onde Klitgaard vive.

    Leia a entrevista abaixo

    *

    Folha - Qual a raiz da corrupção?

    Robert Klitgaard - Costumo dizer a meus alunos que a ganância é como a gravidade. Pode-se direcioná-la, não mudá-la. Mas é possível mudar sistemas, como o de licitações que funcionou tão mal no caso da Petrobras, para assegurar que as metas de competitividade e preços sejam atingidas. Corrupção não é crime passional, é um crime econômico. O fator moral importa, mas se os riscos são muito baixos há mais tentação de praticá-la.

    Não cabe ao governo dar lição de moral, mas estabelecer estruturas para que os incentivos, as recompensas e as punições estejam alinhados de forma que o resultado seja satisfatório. As pessoas gostam de achar que o problema são pessoas terríveis, malignas e amorais. Ou então generalizam e dizem coisas como "o Brasil inteiro é corrupto". Em vez de pensar em pessoas, prefiro focar nas estruturas e nos incentivos que levam à corrupção.

    Há países ou culturas com maior inclinação que outros para a corrupção?

    Estudos indicam que há mais corrupção em culturas coletivistas do que nas individualistas. Mas isso é só parte da explicação. A verdadeira questão é como podemos reduzir os monopólios, tornar transparente o poder discricionário dos governos e aumentar a responsabilização para que as pessoas não tenham incentivos para ser corruptas.

    O caso das Filipinas é incrível. Era um país provavelmente mais corrupto que o Brasil e fez um trabalho notável desde 2010, atacando o problema com definição de metas, coleta de dados e aprendizado de outros países. Há muitos outros exemplos no mundo. O mais importante é que, ao atacar a corrupção, esses países obtiveram avanços no crescimento econômico e no combate à pobreza. Uma medida útil é aplicar um choque no sistema. O Brasil é um bom exemplo disso, com as prisões de peixes graúdos no escândalo na Petrobras. É um sucesso notável.

    Espero que os brasileiros se dêem conta de que estão dando um grande passo, que mostra que o combate à corrupção no país é coisa séria. Este é o momento de implementar reformas estruturais que reduzam o monopólio. É preciso subverter o sistema, entender como ele funciona, reunir governantes, empresários e especialistas internacionais para diagnosticar como esse esquema de suborno foi possível, a fim de evitar que ele se repita. É inteiramente viável e o Brasil está num ótimo momento para fazer issso.

    Há relação entre combate à corrupção e desenvolvimento?

    A resposta curta é que não existe uma correlação direta. Nos estágios iniciais de desenvolvimento, há casos como a da China, com altos índices de corrupção e de desenvolvimento. Agora o governo chinês se deu conta de que para avançar ao próximo estágio precisa combater a corrupção sistêmica, por isso esta tornou-se uma prioridade.

    A corrupção sistêmica é fatal, ela afeta a estrutura e a credibilidade de um país. Para ser justo, esse não é o caso do escândalo da Petrobras. Ele cobrou um custo financeiro e político, mas não paralisou o sistema. Prova disso é a excelente resposta de seus procuradores e investigadores. O Brasil merece muito crédito por isso.

    Em que medida a corrupção afeta o crescimento econômico?

    É verdade que em geral os países ricos tem baixa corrupção e os países pobres tem alta corrupção. Se olharmos os exemplos de reformas bem sucedidas, deixando a econometria de lado, vemos imediatamente o aumento do investimento, a reducao da pobreza e a melhoria dos servicos publicos quando há queda na corrupção, portanto aí esta um relacao direta. O que não é surpresa, porque certos tipos de corrupcao desencorajam os investimentos.

    O sr. estudou casos de corrupção em muitos países. O escândalo da Petrobras tem alguma particularidade?

    É um caso clássico de sistema paralelo de contratos surgido por falta de transparência. Corrupção = Monopólio + Discricionariedade - Responsabilização. O Brasil tem o agravante de praticar o capitalismo do compadrio, que alimenta um oligopólio.

    A vantagem, como já mencionei, é que o Brasil teve grande sucesso ao fisgar grandes peixes. É importante que os brasileiros reconheçam as coisas que estão funcionando. Há cidades com administrações de sucesso, como Curitiba, processos de licitação que dão certo e procuradores que fazem o seu trabalho.

    Se eu fosse brasileiro eu pensaria: ok, temos uma falha sistêmica, mas não acharia que tenho uma predisposição cultural [para a corrupção]. Há um sistema de monopólio econômico e decisório com pouca prestação de contas dos governos. É essa equação que precisa ser corrigida. Existem duas formas de fazê-lo: uma é fritando os peixes graúdos. É bom, mas não basta. Falta diagnosticar os sistemas corruptos e trabalhar com o setor privado para repará-los. E, finalmente, parar de só reclamar do que está errado e reconhecer o que está dando certo, para que vire exemplo.

    -

    RAIO-X

    ROBERT KLITGAARD

    Origem EUA

    Profissão Professor de economia da Universidade Claremont, na Califórnia, e consultor de governos em reforma institucional

    Obra Autor da célebre fórmula C=M+D-T, que descreve a corrupção como resultado de monopólio econômico e decisório aliado a pouca transparência. Publicou nove livros e dezenas de artigos

    Principais livros "Controlling Corruption" (controlando a corrupção, 1988) e "Tropical Gangsters" (gangsters tropicais, 1991)

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024