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    Índios levam caixão ao Planalto e ao STF em protesto contra assassinato

    RUBENS VALENTE
    DE BRASÍLIA

    01/09/2015 18h21

    Um grupo de índios guaranis levou um caixão para a frente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do Palácio do Planalto na tarde desta terça-feira (1º) em protesto pelo assassinato do guarani-kaiowá Simão Vilhalva, 24, no último sábado (30) em uma fazenda no município de Antônio João (MS), na fronteira com o Paraguai.

    O crime ocorreu quando um grupo de fazendeiros da região decidiu retomar à força e por conta própria uma das propriedades ocupadas pelos índios desde agosto. Vilhalva recebeu pelo menos um tiro na cabeça. De acordo com os líderes guaranis, outros dez índios, incluindo crianças, ficaram feridos durante a ação dos fazendeiros –a Polícia Federal investiga a autoria dos crimes.

    A invasão foi precedida de reuniões e pedido de mobilização entre os fazendeiros, como uma convocação em redes sociais dizendo que "o sul do MS vai tremer", segundo documento entregue pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário) ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.

    No mesmo dia em que foi desencadeada a ação dos fazendeiros, segundo o Cimi, ocorreu uma reunião de fazendeiros em Antonio João com a participação dos deputados federais Luiz Mandetta (DEM-MS) e Tereza Cristina (PSB-MS) e do senador Waldemir Moka (PMDB-MS), apoiadores dos fazendeiros. O Cimi diz que o deputado Mandetta seguiu o comboio de camionetes dos fazendeiros até a fazenda Barra, onde houve o ataque aos indígenas.

    Os índios reivindicam pelo menos desde 1998 a posse da terra indígena Nhanderu Marangatu, que incide sobre fazendas.

    HISTÓRICO

    Em março de 2005, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto de homologação da terra indígena, com base em trabalho de identificação da Funai (Fundação Nacional do Índio) e do Ministério da Justiça.

    Porém, os fazendeiros recorreram ao STF para sustar os efeitos do decreto. Em julho de 2005, o então ministro e presidente do STF Nelson Jobim determinou a suspensão do decreto, situação que persiste há mais de dez anos, sem que o STF realize o julgamento do processo.

    Em agosto de 2012, o advogado-geral da União, Luís Adams, a secretária-geral de Contencioso Grace Maria Fernandes Mendonça, e a advogada da União Raquel Barbosa de Albuquerque enviaram ofício ao atual relator do mandado de segurança no STF, Gilmar Mendes, para solicitar "prioridade na inclusão para julgamento" no Supremo, "dada a relevância da matéria e a necessidade de pacificação dos conflitos sociais no local, que tem sido palco de violência de grande repercussão no Estado". O mandado não havia sido julgado até a tarde desta terça.

    Após a decisão liminar do STF, em 2005, os índios foram deslocados para uma área provisória a fim de aguardar o julgamento final do STF. Em agosto, dez anos depois, sem a decisão judicial, eles decidiram invadir as propriedades.

    Em frente ao STF, Anastácio Peralta, um dos principais líderes guaranis no Estado, disse que no Mato Grosso do Sul "está o maior faroeste, o país perdeu a soberania. Quem manda lá é pistoleiro e fazendeiro". "Um boi vale mais que uma criança. Eles matam nós como animais", disse Peralta.

    O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), disse que nos últimos meses fez "inúmeras advertências" ao STF, ao Planalto e a diversos órgãos do Executivo federal, como o Ministério da Justiça, sobre o agravamento da crise fundiária na região de Antônio João. Segundo ele, era "uma crônica de morte anunciada" e há "conivência das autoridades que assistem a tudo isso sem agir com a determinação necessária para que a violência cesse".

    Pimenta disse que a Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul decidiu nesta semana criar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que "na verdade tem como foco os defensores dos indígenas no Estado".

    "A informação que temos é que eles pretendem fazer um trabalho de investigação sobre lideranças indígenas, funcionários da Funai, Cimi e CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil], a partir de uma visão absurda, reacionária, de que perseguindo as lideranças indígenas ou da sociedade eles podem desestimular a luta dos indígenas pela demarcação. O que é uma loucura completa", disse o parlamentar.

    OUTRO LADO

    Segundo a Folha apurou, o ministro Cardozo deverá ir ao Mato Grosso do Sul nesta quarta-feira (2) para tratar do assunto. O ministério chegou a programar uma entrevista coletiva nesta segunda (31), mas o evento foi cancelado. O ministério não havia se manifestado até o fechamento deste texto.

    Procurada às 15h10, a assessoria de imprensa do STF não havia se manifestado até o fechamento deste texto.

    Procurado pela Folha, o deputado Mandetta afirmou que resolveu seguir o comboio dos fazendeiros porque procurou "mediar" o conflito e "evitar o pior" e que "mediou até onde foi possível".

    Ele disse que na manhã do sábado (29) presenciou "uma verdadeira batalha campal, uma cena surreal", o confronto entre cerca de 15 índios, armados de arcos e flechas, e pelo menos uma espingarda, e cerca de "50 ou 60" fazendeiros, "alguns com armas de fogo".

    Segundo o deputado, o conflito durou entre cinco e dez minutos e houve feridos em ambos os lados. Depois, houve outro enfrentamento em uma segunda propriedade, que o deputado não presenciou. Quando os ânimos pareciam arrefecer, segundo o deputado, ele escutou um tiro e depois viu o corpo de um índio sendo carregado por outros índios em outro ponto da fazenda.

    "Foi uma total ausência do Estado. Tudo isso que ocorreu foi a crônica da tragédia anunciada. Fui informado pelo chefe da Casa Civil que o governo do Estado havia pedido ajuda ao Ministério da Defesa um dia antes do confronto. O Ministério da Justiça também sabia. Houve uma hesitação", disse o parlamentar.

    O senador Moka informou, por meio de sua assessoria, que não participou do comboio nem discursou no encontro com os proprietários rurais na manhã do sábado, ao qual compareceu porque havia um convite para que falasse sobre a tramitação de uma PEC no Congresso "que poderia pôr fim aos conflitos".

    Ainda segundo a assessoria, a dona de uma das propriedades fez um discurso e convocou os fazendeiros presentes a se dirigirem à sua propriedade invadida pelos índios. Nesse instante, disse a assessoria, Moka ficou no sindicato e "passou a fazer contatos com o ministro Cardozo e com o governador Rerinaldo Azambuja (PSDB), pedindo apoio da polícia, do Exército e da força nacional porque temia pelo pior".

    A deputada Tereza Cristina não foi localizada pela reportagem.

    No processo que levou à suspensão do decreto presidencial, os fazendeiros afirmaram que o presidente da República não tem legitimidade, e sim o Congresso Nacional, para demarcar e homologar área indígena localizada no limite do território nacional. Afirmaram ainda que estavam na região "há mais de 140 anos", muito antes das primeiras invasões dos indígenas, nos anos 90.

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