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    o impeachment

    Análise

    A batalha de Levy 'Mãos de Tesoura' contra o rombo fiscal

    GEOFF DYER
    DO "FINANCIAL TIMES"

    03/09/2015 11h43

    Pedro Ladeira - 18.ago.15/Folhapress
    O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, durante evento sobre o Pis/Cofins em Brasília
    O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, durante evento sobre o Pis/Cofins em Brasília

    Durante uma passagem anterior pelo governo, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ganhou o apelido de "Edward Mãos de Tesoura", inspirado por um filme dos anos 90, devido à sua capacidade de cortar os gastos públicos.

    Desde que a presidente Dilma Rousseff o levou de volta a Brasília, em janeiro, para desempenhar o papel de policial durão na ala econômica do governo, Levy vem repetindo um alerta brusco: ou o Brasil coloca sua casa fiscal em ordem ou verá seus títulos de dívida relegados à classificação de junk bonds.

    "O dinheiro acabou", declarou o antigo executivo financeiro em maio, se referindo aos anos recentes de gastos irrestritos.

    Mas oito meses depois de assumir o posto, Levy vem enfrentando dificuldades para avançar em sua missão, diante do enfraquecimento da economia e de uma crise política que reduziu a capacidade do governo para aprovar qualquer coisa no Congresso.

    A dimensão imensa do buraco fiscal que o Brasil precisa enfrentar ficou clara na segunda-feira (31) quando o governo anunciou que estava prevendo deficit fiscal no ano que vem mesmo que os pagamentos de juros sobre sua dívida sejam excluídos da conta.

    Em lugar de propor novos cortes de gastos ou aumentos de impostos, o governo também entregou ao Congresso o trabalho duro de encontrar maneiras de fechar o rombo fiscal.

    Muitos economistas acusaram Levy e sua equipe econômica de na prática abandonarem os esforços para restaurar a ordem fiscal.

    "O governo aparentemente está jogando a toalha, e agora entregou ao Congresso a tarefa de buscar fontes adicionais de arrecadação", afirmou Alberto Ramos, economista do Goldman Sachs, em nota de pesquisa. Siobhan Morden, da corretora Jefferies, em Nova York, disse que o governo estava "admitindo a derrota".

    NOTA DE CRÉDITO

    A Standard & Poor's e a Moody's, as duas principais agências mundiais de classificação de créditos, postergaram o rebaixamento dos papéis do Brasil para grau inferior ao de investimento, enquanto esperavam para ver os resultados dos esforços de Levy para cortar o orçamento.

    Mas com a alta na relação entre dívida pública e Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil de 53,4% em 2011 para 64,5%, e com algumas previsões sugerindo que ela em breve atingirá os 70%, alguns analistas antecipam que um rebaixamento virá, dentro de alguns meses.

    Desde os anos 90, os governos brasileiros vêm empregando um conceito de equilíbrio primário do orçamento –com a exclusão dos pagamentos de juros– a fim de medir seu desempenho fiscal. Mesmo que nem sempre tenham obtido sucesso, os líderes brasileiros ao menos se atribuíam a tarefa de conseguir um superávit primário a cada ano.

    Mas o governo reconheceu na segunda-feira que mesmo isso seria irrealista, e previu deficit primário de 0,5% do PIB em 2016. Foi a segunda vez que as autoridades divulgaram redução significativa em suas projeções orçamentárias nas últimas semanas. Se os pagamentos de juros forem incluídos, o deficit atual é de cerca de 8,8% do PIB.

    SEM MARGEM

    A dura realidade política é que Levy tem pouca margem de manobra. O Estado já elevou acentuadamente os impostos nas duas últimas décadas. O vice-presidente Michel Temer declarou na segunda-feira que "não há espaço para elevar tributos".

    No entanto, autoridades apontaram na terça-feira que mais de 90% dos gastos públicos são predeterminados, principalmente em forma de pensões, salários, saúde e educação, e que só seria possível reduzi-los depois de batalhas políticas desgastantes e complexas.

    Mansueto de Almeida, pesquisador no Ipea, diz que as medidas introduzidas até agora pelo governo representam apenas 10% do que precisa ser feito para colocar o deficit sob controle.

    A incapacidade de Levy de obter grande impacto quanto ao deficit é um reflexo da fraqueza mais ampla do governo –os índices de aprovação de Rousseff já caíram a apenas 7,7%.

    O ministro da Fazenda até agora não vem sendo culpado por esses tropeços, mas isso não impede especulações renovadas sobre sua permanência no posto por muito mais tempo. Desde que entrou no governo, em janeiro, ele vem sendo fortemente criticado pelo PT, o partido da presidente, por seus apelos à austeridade.

    Também vem sofrendo ataques da direita, com Paulo Skaf, o presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), o definindo como "ministro do desemprego".

    De 1995 ao final do ano passado, o Brasil teve apenas três ministros da Fazenda, enquanto a hiperinflação dava vez a um longo período de estabilidade. A presidente Dilma Rousseff, que enfrenta apelos por sua renúncia, continua a apoiar Levy.

    O fato de que o Ministério da Fazenda possa de novo se tornar um para-raios político é um sinal da força da crise.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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