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    Lava Jato

    Dono da UTC admite propina e reuniões para 'reduzir concorrência'

    MARIO CESAR CARVALHO
    GRACILIANO ROCHA
    DE SÃO PAULO

    03/09/2015 14h14

    Zanone Fraissat - 14.nov.2014/Folhapress
    Ricardo Pessoa, presidente da UTC, ao se entregar na sede da Polícia Federal em São Paulo
    Ricardo Pessoa, presidente da UTC, ao se entregar na sede da Polícia Federal em São Paulo

    Apontado como organizador do cartel das empreiteiras, o dono da UTC e da Constran, Ricardo Pessoa, admitiu a realização de reuniões para "reduzir a concorrência" e pagamento de propina em contratos de três das dez maiores obras em curso no país: Comperj (Complexo Petroquímico do Rio) e das refinarias Getúlio Vargas (Repar, PR) e de Abreu e Lima (Rnest, PE).

    Ele também admitiu o pagamento de propina a ex-diretores da Petrobras e ao PT.

    "[Houve] obras que nós fizemos entendimento de redução da concorrência, que nós ganhamos, e obras ajudamos a não ganhar, isto é, fizemos proposta que não foi vencedora", disse o empreiteiro baiano, em depoimento à Justiça Federal do Paraná.

    Foi o primeiro depoimento de Pessoa depois de ele ter feito um acordo de delação premiada, já homologado pelo Supremo Tribunal Federal. Ele falou como testemunha de acusação na ação penal contra o presidente Marcelo Odebrecht e ex-executivos do conglomerado.

    O acerto prévio, segundo ele, fez a UTC ganhar, junto com a Odebrecht, contratos de R$ 7,5 bilhões no Comperj e na Repar.

    Já em Abreu Lima, onde a Odebrecht liderou consórcios que ficaram com contratos de R$ 4,67 bilhões, a UTC entrou para perder. "Nós não ganhamos mas também não fizemos esforço para ganhar".

    O empresário relativizou a noção de cartel entre as empresas que tinham contratos com a Petrobras e estão sob investigação da Operação Lava Jato.

    Segundo ele, havia "um pacto de não agressão" entre as empresas, mas esse acordo não garantia que elas seriam vencedoras de 100% das obras que disputavam na estatal.

    "Nós tínhamos a segurança de 70%, 80%. Eu tive duas ou três grandes surpresas", relatou em depoimento.

    O empresário disse que não havia garantia de que as empresas que fizeram o acordo ganhariam determinadas obras porque havia "aventureiros", ou seja, empresários que não participavam dos acordos.

    De acordo com Pessoa, só os maiores contratos da Petrobras eram objeto de acerto prévio. "No pacote do Comperj, por exemplo, dos 60 contratos que a Petrobras lançou, só 8 ou 10 fizeram parte desses entendimentos. Só nos grandes pacotes onde os grandes consórcios foram lançados. No restante, não", disse.

    Segundo o empresário, as reuniões para o acerto de quem ganharia as obras começaram por volta de 2005, 2006. Nessa época, a Petrobras aumentou muito suas contratações.

    Pessoa admitiu que a UTC pagou propina em todos os contratos que participou, mas foi vago sobre a participação da Odebrecht, sua sócia nos consórcios do Comperj e da Repar, nos atos de corrupção.

    "Ninguém pagava 1% de cada fatura, pelo menos eu não pratiquei isso. Parcelava em valores absolutos no meio do contrato, inclusive para reduzir o valor do percentual. Depois aumentava mais duas, mais três parcelas, pelo menos eu fazia assim", disse Pessoa.

    "Como é que os outros faziam, eu não tenho a menor ideia, porque esse é um assunto que não se falava, não se conversava", relatou.

    PROPINA

    Pessoa citou os ex-diretores da Petrobras Paulo Roberto Costa e Renato Duque, o ex-gerente Pedro Barusco e o tesoureiro afastado do PT João Vaccari Neto como destinatários da propina. Se não pagasse, disse, havia risco de interrupção dos contratos com a estatal.

    "Não era a minha opção. Era a regra do jogo".

    Pessoa explicou que, no caso de consórcios, cada empresa ficava encarregada de pagar a uma das diretorias da Petrobras contratantes da obra. O dono da UTC isentou Marcelo Odebrecht, dizendo que jamais discutiu pagamento de suborno com ele. Odebrecht foi preso em junho junto com outros executivos do grupo.

    Segundo Pessoa, todas as questões empresariais ou mesmo o pagamento de propina das obras eram acertadas com o agora ex-executivo da Odebrecht Marcio Faria - "que tinha autonomia total".

    "No caso da Repar, nós ficamos encarregados da Diretoria de Abastecimento e a Odebrecht ficou de resolver o problema da Diretoria de Serviços. Como um depois não falava com o outro, não tenho como afirmar [se a Odebrecht pagou a propina]. O que eu sei é que nós pagamos o que tínhamos de pagar", contou.

    Na obra do Comperj, Pessoa disse que primeiro foi procurado pelo ex-gerente de Serviços Pedro Barusco e depois por Vaccari para o acerto da comissão.

    "Ali também houve o pagamento de propina. Nós ficamos encarregados de pagar a Diretoria de Serviços e o sr. João Vaccari. Já [o pagamento de propina] na Diretoria de Abastecimento não ficou com a gente. Ficou do Márcio [Faria] resolver", contou.

    Indagado pelo juiz Sergio Moro, Ricardo Pessoa disse que parte da propina devida à diretoria de Serviços era paga diretamente em contas do PT, por meio de doações oficiais.

    FORO PRIVILEGIADO

    Defensor de Renato Duque, o advogado Roberto Brzezinski Neto perguntou ao delator o nome dos políticos que ele citou na Procuradoria-Geral da República. O juiz interrompeu e disse que Pessoa não deveria mencionar nomes de investigados com foro privilegiado.

    Quando o advogado insistiu no tema, Sergio Moro cortou-o: "É uma questão de ordem colocada pelo juiz aqui. Não sei se o sr. entendeu que eu coloquei no começo [da audiência] que ele não seria indagado sobre esse tema".

    Alegando cerceamento de defesa por não terem tido acesso à íntegra de todos os depoimentos de Pessoa, em Brasília, os advogados de Marcelo Odebrecht e de outros executivos do grupo recusaram-se a fazer perguntas ao delator.

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