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    o impeachment

    Sem embasamento, impeachment é risco à reputação do Brasil, diz 'FT'

    JOE LEAHY
    DO "FINANCIAL TIMES"

    30/09/2015 15h47

    O jornal britânico "Financial Times" afirmou que um possível impeachment da presidente Dilma Rousseff, caso seja feito sem embasamento forte pode colocar em risco a reputação do Brasil, uma democracia jovem, de construir instituições fortes.

    "A questão para os políticos brasileiros é se eles deveriam prejudicar o país ao remover uma presidente eleita simplesmente por ser impopular, ou mesmo incompetente, sem que exista prova de que ela cometeu um crime", diz a publicação.

    O "FT" afirma que a maioria dos analistas acha a oposição precisa provar que Dilma manipulou o Orçamento para esconder um crescente deficit fiscal —as chamadas pedaladas fiscais— para demovê-la do poder ou apontar seu envolvimento direto com a corrupção.

    No entanto, aponta o jornal, o debate no Congresso envolverá determinar até que ponto o impeachment será orientado por fatores legais e até que ponto pela política.

    Leia, abaixo, a íntegra do texto.

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    Pouco menos de um ano atrás, o voto de Luiz Lima nas eleições ajudou a já então presidente do Brasil, Dilma Rousseff, a conquistar um segundo mandato de quatro anos. Agora, ele acredita que a antiga guerrilheira marxista deva sofrer impeachment.

    Lima votou em Dilma e em seu Partido dos Trabalhadores por causa de sua ênfase em programas sociais. Mas desde que ela foi reeleita, a maior economia latino-americana foi arremessada a uma recessão, o sistema previdenciário está sob ameaça devido ao aperto fiscal e o PT e seus parceiros de coalizão estão envolvidos em um esquema de corrupção na Petrobras que é visto como o maior da história brasileira.

    Para Lima, que acaba de deixar um emprego no setor de construção civil, paralisado pela crise, a única maneira de restaurar a confiança é mudar quem está ao leme.

    "Temos de fazer alguma coisa quanto a isso, e precisa ser já", diz Lima, formado pela USP.

    Com as pesquisas de opinião apontando que dois terços dos brasileiros, a exemplo de Lima, apoiam a abertura de um processo de impeachment contra Dilma, uma das mais maiores, porém mais jovens, democracias do planeta enfrenta um teste crucial.

    Os problemas do país estão perturbando os mercados, não só no Brasil mas em outras economias emergentes. O real despencou a um recorde de baixa ante o dólar, tendo atingido R$ 4,2479 reais por dólar em dado momento da semana passada, devido a preocupações quanto à gestão fiscal de Dilma e às incertezas políticas.

    "A movimentação nos mercados de câmbio emergentes em todo o mundo demonstra que houve contágio significativo causado pelo Brasil", afirmou o Société Générale na semana passada.

    A questão para os políticos brasileiros é se eles deveriam prejudicar o país ao remover uma presidente eleita simplesmente por ser impopular, ou mesmo incompetente, sem que exista prova de que ela cometeu um crime. A maioria dos analistas acredita que para derrubar a petista por meio de um impeachment, seus oponentes precisam provar que ela manipulou o orçamento nacional a fim de esconder um crescente deficit fiscal, com o objetivo de manter seu partido no poder, ou que teve envolvimento direto com a corrupção.

    Com boa parte do Congresso maculada pelo escândalo na Petrobras, também há dúvida de que um eventual substituto teria legitimidade para aplicar o amargo remédio —por exemplo, aumentos de impostos a fim de equilibrar um orçamento distendido— de que a problemática economia brasileira precisa.

    "Trata-se de uma decisão muito grave em um sistema democrático, é uma intervenção na vontade do eleitor", diz Joaquim Falcão, professor da FGV Direito Rio, sobre o processo de impeachment.

    O risco é que, sem embasamento forte, um impeachment possa colocar em risco a reputação brasileira de construir instituições fortes.

    "Temos de enviar aos investidores externos a mensagem de tudo está sendo resolvido de acordo com a lei", disse Falcão.

    CONSPIRAÇÃO

    A sede do Congresso nacional em Brasília é conhecida pela arquitetura modernista, com duas estruturas semelhantes a tigelas em seu topo, uma de cabeça para cima e a outra de cabeça para baixo, diante das torres duplas do Senado.

    Menos conhecido é o fato de que sob o edifício existe um vasto complexo subterrâneo. É lá que centenas de funcionários correm por corredores estreitos entre os escritórios de deputados e 81 senadores, que representam 28 partidos.

    Quando o PT era forte, a maioria desses partidos estava satisfeita com a posição de parceiros do governo. Agora, com Dilma sob ataque, eles estão abandonando o navio que começa a afundar, afirmam líderes oposicionistas.

    Em seu escritório, Carlos Sampaio, líder do PSDB na Câmara, faz contas freneticamente para garantir o impeachment. No começo de setembro, ele e outros líderes oposicionistas apoiaram a manobra do ex-petista e hoje dissidente Hélio Bicudo, que apresentou uma petição à Câmara pedindo o impeachment da presidente.

    A petição a acusa de manipular as contas públicas a fim de produzir números aceitáveis quanto ao Orçamento. O TCU, que fiscaliza as contas do governo, criticou o que define como truques contábeis, e deve votar a possível rejeição das contas, talvez já no mês que vem. Dilma nega qualquer delito.

    Sampaio acredita que conte com os 257 votos necessários para iniciar um processo de impeachment. O próximo obstáculo a superar seria que a Câmara solicite ao Senado o início de um "julgamento" formal da presidente. Sampaio e seus aliados precisariam de maioria de dois terços, ou 342 votos, para aprovar essa ação.

    "As manchetes dos jornais e da televisão serão 'começa o processo de impeachment contra Dilma'. Depois disso, ninguém será capaz de detê-lo; considerando a pressão da população e a situação política, acreditamos que será viável", diz Sampaio.

    O processo pode estar concluído até o final do ano, ele diz, embora seu cronograma pareça ambicioso.

    Um debate crucial no Congresso, porém, envolverá determinar até que ponto o impeachment será orientado por fatores legais e até que ponto pela política. Sampaio argumenta que ele é 90% político. O fato de que o TCU já tenha identificado irregularidades nas contas públicas basta, ele diz, mesmo que acusações formais não tenham sido apresentadas contra a presidente.

    Os especialistas em direito constitucional concordam. Se o Congresso deseja depor a presidente por impeachment, tem o poder de fazê-lo. Fernando Collor, o único presidente a enfrentar impeachment desde que o Brasil retornou à democracia depois do regime militar, foi alvo de um processo de impeachment mas não condenado.

    "A lei é muito aberta", diz Oscar Vilhena Vieira, diretor da FGV Direito São Paulo. "Se o Congresso desejar usá-la politicamente, o fará".

    ACUSAÇÕES

    Muitos legisladores acreditam que a presidente tenha cometido erros suficientes para justificar uma contestação à sua liderança. Ela culpa fatores externos como o fim do superciclo das commodities pelos problemas da economia. Mas os críticos dizem que seu governo tropeçou ao impor controles de preços e um programa tosco de estímulo em seu primeiro mandato, que causaram desordem nas finanças públicas.

    Desde que conquistou a reeleição, em outubro, ela vem mudando constantemente de ideia sobre o programa de austeridade, o que valeu ao Brasil um rebaixamento de sua classificação de crédito pela Standard & Poor's, para abaixo do grau investimento.

    "O Brasil terá três anos consecutivos de crescimento econômico negativo –é algo que não vemos desde o final da década de 20", disse o senador Aécio Neves, presidente do PSDB, em seu gabinete no Senado.

    E Dilma também errou politicamente, dizem os críticos. No início de seu segundo mandato ela alienou o parceiro de coalizão PMDB, um grupo de políticos regionais frouxamente integrados e mais inspirado por distribuição de verbas do que pela ideologia, ao não conceder mais cargos ao partido. Isso causou a hostilidade de parte de seus membros, entre os quais Eduardo Cunha, um dos principais líderes do PMDB e presidente da Câmara.

    Igualmente prejudicial foi a perda da imagem "limpa" da presidente, que foi maculada pela suposta corrupção na Petrobras, com diversos políticos da coalizão acusados de colaborar com antigos executivos da companhia e com prestadores de serviços para extrair propinas e comissões.

    Dilma era presidente do conselho da empresa quando boa parte da suposta corrupção aconteceu. Este mês, João Vaccari Neto, tesoureiro do PT, foi sentenciado a 15 anos de prisão por envolvimento no escândalo, o que desperta novas questões sobre o possível comprometimento das finanças do partido pelo escândalo. O assunto está sob investigação.

    "Se isso ocorresse, o mandato da presidente e de seu vice poderia ser anulado", diz Aécio, desfecho que levaria a uma nova eleição presidencial. O PT nega quaisquer irregularidades.

    O problema para os interessados no impeachment de Dilma é como unir o país depois que o processo for concluído. Cunha, que rompeu com o governo, diz que um processo de impeachment não deveria ser tratado como "terceiro turno" da eleição do ano passado. Sua função é punir desvios de conduta presidencial e não impopularidade, ele diz.

    "Se as condições legais existirem, ele será realizado", acrescenta.

    Os partidários do impeachment prefeririam evitar uma batalha prolongada que poderia paralisar o processo decisório e se voltar contra eles, em um período de tamanha fraqueza econômica. Aécio diz que, em caso de impeachment, seu partido estaria disposto a permitir que o rival PMDB assuma a primazia e o apoiaria no Congresso.

    "Em um governo do PMDB, eu defenderia o retorno do crescimento... sem qualquer promessa de participar do governo", ele diz.

    INIMIGO INTERNO

    De sua parte, a presidente está contra-atacando. A expectativa é que talvez já nesta quinta-feira (1º) ela anuncie um novo ministério no qual o PMDB teria mais poder, com a redução da influência de seu próprio partido. Os defensores de Dilma esperam que isso sirva para conter o ímpeto do impeachment.

    "Não existe base legal para um impeachment", insiste o ministro Edinho Silva (Comunicações). Ele acrescenta que, com uma nova coalizão, o lobby pelo impeachment "não terá clima para prosperar".

    Os defensores da presidente apontam para uma primeira vitória na semana passada, quando, supostamente graças aos esforços da presidente para montar uma nova coalizão, o Congresso optou por não votar uma série de medidas que teriam causado um rombo no orçamento.

    Alguns analistas dizem que a verdadeira ameaça à posição da petista vem de bem mais perto de casa —ou seja, de seu partido. Os proponentes de teorias da conspiração dizem que a maior esperança de reconduzir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva –que também enfrenta questões quanto ao escândalo da Petrobras— ao poder nas eleições de 2018 seria que Dilma renunciasse e transferisse à oposição a culpa pelo estado deteriorado da economia.

    Mas os legisladores do PT dizem que embora exista desacordo no partido quanto às medidas de austeridade, com os elementos mais esquerdistas se opondo a cortes nos programas sociais, eles continuarão lutando para manter a presidente no poder. "O partido está unido em torno da ideia de reconstruir suas bases políticas na Câmara e Senado, a fim de evitar o impeachment", diz o deputado Marco Maia (PT-RS).

    Não há como ter certeza que isso bastará para evitar o impeachment. Muitos analistas dão mais de 50% de chance de sobrevivência a Dilma, embora reconheçam que um processo de impeachment poderia se cristalizar rapidamente e engolfar sua presidência.

    JOAQUIM LEVY

    A incoerência da política econômica do governo, particularmente quanto aos esforços para restaurar as finanças públicas, pode resultar na saída de seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy, formado pela Universidade de Chicago. Respeitado pelos mercados, sua demissão poderia causar nova e dispendiosa onda de vendas do real, prejudicando as empresas brasileiras com dívidas denominadas em moeda estrangeira, causando inflação mais alta e enraivecendo os cidadãos comuns.

    Do lado positivo, ela poderia promover reforma mais agressivas a fim de restaurar as finanças do país e assim aliviar parte das pressões de mercado por um impeachment. O que quer que venha a acontecer, no entanto, a maioria dos analistas considera que a trégua inquieta que existe hoje seja insustentável.

    "Nas próximas semanas, algo vai ter que ceder", diz João Augusto de Castro Neves, do Eurasia Group.

    Ele diz que o impeachment continua a ser a opção mais dispendiosa para o país em termos de instabilidade política. Mas com a confiança em Dilma tendo caído ao seu ponto mais baixo, impeachment é o que alguns eleitores comuns, como Lima, favorecem.

    "Quem quer que chegue ao poder não poderá fazer milagres porque estamos em crise", ele diz. "Mas para restaurar a imagem da presidência, aumentar o investimento internacional, ajudar as companhias a se recuperar e reduzir a inflação, creio que seja importante remover o PT e Dilma".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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