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    Lava Jato

    Mulher de Eduardo Cunha omitiu ativos no exterior do BC e da Receita

    GRACILIANO ROCHA
    DE SÃO PAULO

    09/11/2015 02h00

    Mulher de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a jornalista Cláudia Cordeiro Cruz sonegou, por três anos consecutivos, a existência de ativos no exterior que deveriam ter sido declarados ao Banco Central e à Receita Federal.

    Extratos bancários da conta Kopek, em nome da mulher do presidente da Câmara dos Deputados, demonstram que em 31 de dezembro de 2014 estavam depositados US$ 278 mil. Na mesma data de 2013, o saldo era de US$ 148 mil e, no último dia de 2012, era de US$ 287 mil.

    O Banco Central exige uma declaração de todo contribuinte de contas no exterior cujo saldo seja superior a US$ 100 mil em 31 de dezembro do ano anterior. A omissão da declaração pode ser punida com multa de R$ 250 mil. A declaração da existência da conta, independentemente do valor, também é obrigatória no imposto de renda.

    Os recursos da conta Kopek e da Netherton Investments (cujo beneficiário final é Cunha) estão bloqueados desde abril, quando o Ministério Público da Suíça instaurou inquérito contra Cunha por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro.

    A versão de Cunha sobre as contas –cuja existência ele negou perante à CPI da Petrobras– começou a mudar após 29 de outubro, quando o Tribunal Federal Suíço rejeitou recurso dos advogados do peemedebista contra a transferência da investigação da procuradoria suíça para as autoridades brasileiras.

    A decisão enterrou a possibilidade do deputado obter, pela via judicial suíça, a invalidação das provas enviadas ao Brasil.

    A partir dali, o presidente da Câmara começou a dizer a aliados e depois em público que era beneficiário de dois trusts (estrutura que administra bens de terceiros) e que os recursos em nome de Cláudia não precisavam ser declarados por manter saldo inferior ao mínimo que torna a declaração obrigatória.

    Em entrevista ao "Jornal Nacional" no sábado (7), Cunha admitiu, porém, que a conta de Cláudia deveria ter sido declarada e pagar impostos.

    Cunha disse que a conta da mulher só recebia dinheiro de uma das contas do trust em que ele próprio era beneficiário, a Triumph SP, para reembolsar despesas com educação dos filhos.

    Os extratos enviados pelo banco Julius Bär, contudo, mostram o contrário: a Triumph SP sempre depositou antes e em quantidade superior aos gastos pagos por Cláudia através da Kopek.

    Ao todo, a Trumph transferiu US$ 1 milhão para a conta da mulher do deputado entre 2008 e janeiro de 2014.

    Especialistas em tributação ouvidos pela Folha afirmam que o deputado deveria ter declarado a origem do dinheiro usado para montar os trusts no momento em que eles fossem criados.

    MORTO BOM PAGADOR

    Um dos pontos considerados menos consistentes por investigadores e até aliados da narrativa de Cunha é a série de depósitos feita pelo lobista João Augusto Henriques, preso na Lava Jato.

    Entre 30 de maio e 26 de junho de 2011, o lobista transferiu 1,3 milhão de francos suíços (R$ 9,6 milhões) na conta Orion SP, que tem Cunha como beneficiário.

    O dinheiro veio de uma empresa que vendeu um campo de petróleo por US$ 34 milhões à Petrobras no Benin (África Ocidental). Henriques diz que fez o pagamento na conta de Cunha a pedido do economista Felipe Diniz, filho do deputado Fernando Diniz (morto em 2009).

    Cunha diz que não sabia a identidade de quem havia feito os depósitos em 2011 e que só recentemente tomou conhecimento que a origem era João Henriques.

    O presidente da Câmara dos Deputados contou que o dinheiro se referia ao pagamento de um empréstimo que fizera, no exterior, ao deputado Fernando Diniz, morto dois anos antes do dinheiro começar a entrar na conta.

    Segundo relatou a aliados próximos, Fernando Diniz teria pedido ajuda após ter perdas em investimentos com Bernard Madoff, investidor americano condenado por uma das maiores fraudes da história de Wall Street.

    O empréstimo que Cunha diz ter feito a Diniz não foi formalizado com qualquer tipo de documento.

    A suposta perda de Diniz com o esquema de pirâmide financeira de Madoff é difícil de ser verificada.

    Fundos que puseram dinheiro de investidores brasileiros e latino-americanos começaram a ressarci-los no ano seguinte. Diniz não consta entre as vítimas, o que pode ser explicado através de um investimento em nome de uma offshore ou de terceiros.

    Um dos detalhes que aumentaram a desconfiança dos investigadores suíços sobre Cunha foi o súbito fechamento de duas contas bancárias logo após a deflagração da Operação Lava Jato.

    A Orion SP, que recebeu os depósitos cuja origem foi o negócio da Petrobras na África, foi encerrada em 23 de abril de 2014. A Triumph SP, que abasteceu a conta de Cláudia, foi fechada menos de um mês depois.

    Editoria de arte/Folhapress
    FALTOU DECLARAR Documentos mostram que valores das contas deveriam ser informados à Receita

    OUTRO LADO

    A Folha não conseguiu falar com o advogado Antonio Fernando de Souza, que defende o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), neste domingo (8). Ele não deu retorno aos recados.

    Desde que admitiu o elo com as quatro contas na Suíça, o peemedebista diz que a origem dos recursos que alimentaram os trusts foram operações de comércio internacional, como a venda de carne para a África nos anos 80, e no mercado financeiro, na década seguinte.

    O deputado nega que tenha recebido propina da Petrobras e diz que não movimentou os recursos depositados que seriam pagamento do suposto empréstimo a Fernando Diniz.

    Na sexta-feira (6), o deputado também negou que o recurso impetrado no tribunal suíço tenha sido uma tentativa de atrapalhar as investigações no Brasil.

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