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    Controle de rádios e TVs por religiosos é distorção de decreto, diz FHC

    PAULA REVERBEL
    DE SÃO PAULO

    27/11/2015 18h01

    Alex Falcão/Futura Press/Folhapress
    O ex-presidente FHC durante debate ao lado de Eduardo Jorge (esq.), Drauzio Varella e Jean Willys (dir.)
    O ex-presidente FHC durante debate ao lado de Eduardo Jorge (esq.), Drauzio Varella e Jean Willys (dir.)

    O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que o controle de grupos religiosos sobre meios de comunicação é "distorção enorme" de decreto que ele editou em 1995 para introduzir editais e licitações na área.

    A afirmação foi feita durante debate sobre o avanço da pauta conservadora no Brasil, realizado na terça-feira (24) pelos produtores do longa "Quebrando o Tabu" (2011).

    "A distribuição dos canais de rádio e de televisão era uma faculdade do presidente da República. E era usado como moeda de troca. O ministro das comunicações dava, especialmente aos parlamentares. Ganhavam rádios, ganhavam televisão a troco de apoio político. Então eu resolvi acabar com isso", explicou o ex-presidente, sobre a intenção do seu decreto. "Fiz um decreto dizendo que tem que haver licitação", acrescentou.

    A partir daí, ele disse ter havido uma distorção.

    "Foram criadas as chamadas rádios comunitárias para fugir dos critérios de licitação. Rádios comunitárias que o ministro pode facultativamente doar. E depois teve interesses –não meus, mas de outros governos– de doar para setores especiais para poder ter apoio de segmentos da população", sobre a proliferação de meios de comunicação que disseminam interesses religiosos.

    Fernando Henrique afirmou ainda que alguns grupos religiosos usam indevidamente a imunidade de culto das igrejas como se fosse imunidade para tudo.

    "Então não têm que pagar imposto e têm dinheiro e vão lá e compram [emissoras ou espaços nas emissoras]. Há uma distorção enorme", completou.

    "Obviamente você não pode voltar ao sistema anterior, o sistema anterior era feudal. Tem que ter um critério objetivo, mas esse critério está sendo distorcido porque você não impõe as regras necessárias para poder controlar", concluiu.

    A mediadora do encontro, a colunista da Folha Mônica Bergamo, havia perguntado se os "currais eletrônicos", controle de rádios e TVs por grupos religiosos que fazem propaganda de seus valores, era um efeito indesejado do decreto.

    Além de FHC, participaram da mesa o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), o criador do portal de humor Porta dos Fundos e colunista da Folha Gregorio Duvivier, o médico e colunista da Folha Drauzio Varella e o ex-deputado Eduardo Jorge, que concorreu à Presidência em 2014 pelo PV.

    O encontro tratou de diversos temas que são tabu no Brasil, como regulamentação das drogas, aborto e planejamento familiar, maioridade penal e Estado laico.

    PIOR CONGRESSO

    Uma parte do avanço da pauta conservadora foi atribuída, por Fernando Henrique e por Eduardo Jorge, ao regime presidencialista, que fragmenta o poder no Congresso.

    Eduardo Jorge citou como argumento uma frase de Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Constituinte: "O dr. Ulysses até dizia para a gente: 'Com essa história do presidencialismo, vocês vão ver: cada Congresso vai vir pior'."

    "Não era isso, não", corrigiu FHC. "Era: 'Você acha esse Congresso ruim? Espere o próximo'."

    Logo em seguida, após ouvir de Jorge que a atual composição do Congresso Nacional é a "pior que tem", o ex-presidente repetiu a citação –"Espere o próximo"–, diante de risadas da plateia.

    TEMAS TABUS

    Drauzio Varella dedicou a maior parte da sua fala para fazer a defesa do planejamento familiar da mulher pobre. "A gente fica chocado quando aos 14, 15 anos, a gente vai encontrar essas meninas [da periferia] grávidas. Só que, aos 17, ela tem o segundo filho; aos 19, o terceiro", afirmou.

    De acordo com o médico, cada criança que nasce nessas condições empobrece a família. "Os pais [da garota que engravidou] ficam com a filha e a criança", explicou. "A mãe para de estudar porque ela não tem dinheiro para colocar uma babá para tomar conta. Compromete o futuro dela e o da criança também."

    Varella também fez a defesa do aborto, cuja proibição, segundo ele, prejudica as mulheres pobres. "Na verdade, muitas fazem aborto, nas piores condições imagináveis. São elas que são as grandes vítimas", argumentou. "Esse tipo de proibição vai punir a mulher mais pobre, porque é ela que vai correr risco de vida, risco de morte quando fizer o abortamento", concluiu.

    Gregorio Duvivier seguiu uma linha parecida, apontando que as leis prejudicam os mais pobres.

    "A criminalização é da pobreza. Não é da maconha, nem do aborto", disse. Ele afirmou que, apesar de ter anunciado publicamente que tem pés de maconha em casa, a polícia não foi bater em sua porta.

    "É [do tipo] lemon haze, não é Purple Haze [variedade citada na famosa música de Jimi Hendrix]: é uma cruza [um cruzamento de variedades]. São fêmeas os dois [só as fêmeas dão brotos], com camarões [a parte que se colhe e fuma] grandes", disse.

    "Por que não estão me prendendo?", indagou, após descrever os pés de maconha. "É porque sou branco, moro no Rio de Janeiro, no Sudeste..."

    Sobre o tema das drogas ilícitas, Jean Wyllys argumenta que, por serem criminalizadas, elas encontram-se liberadas na prática. O deputado argumenta que, por não ser permitida e regulamentada como demais produtos de consumo, não seguem leis de taxação, distribuição, regras de comércio. Isso contribui, segundo ele, para a solução de conflitos comerciais de maneira violenta.

    Alternativas à criminalização já foram adotadas em outros países. Na América Latina, é o caso da Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Costa Rica, Honduras, Jamaica e México.

    Wyllys defende o tratamento multidisciplinar para quem abusa de drogas. Mas faz a ressalva de que "a maioria dos consumidores de drogas lícitas ou ilícitas –álcool, cocaína, maconha– são os usuários recreativos, não fazem uso abusivo."

    Drauzio também se posicionou pela regulamentação: "Eu não acho que seja função do Estado proteger o cidadão do mal que ele quer fazer contra si mesmo. A função do Estado é proteger o cidadão do mal que terceiros podem cometer contra ele", resumiu. "Se você quiser sair daqui e encher a cara, o que o Estado pode fazer? Não tem que se meter na história."

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