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    Lava Jato

    Propina não precisa ser regra, diz procurador sobre legado da Lava Jato

    JULIANA COISSI
    DE CURITIBA

    18/01/2016 11h52

    Gisele Pimenta - 14.mai.15/Frame/Folhapress
    O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato, durante coletiva de imprensa
    O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato, durante coletiva de imprensa

    Em fevereiro de 2015, o empresário Júlio de Almeida Camargo, consultor da Toyo Setal, externou ao juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato, um pensamento comum sobre a corrupção no Brasil: que fazia parte da "regra do jogo" ter de pagar propina a uma diretoria da Petrobras ou não conseguiria contratos com a estatal.

    O principal legado da Operação Lava Jato para o país deve ser o de desconstruir pensamentos como o de Camargo, na visão de procuradores que integram a força-tarefa.

    "Espero que empresários saibam que eles podem resistir a demandas ilícitas", disse Carlos Fernando dos Santos Lima.

    Veja trechos da entrevista que a Folha fez com Lima e com o coordenador da equipe, Deltan Dallagnol.
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    Folha - Em quase dois anos da operação, quais os principais fatores de sucesso da Lava Jato?
    Carlos Fernando dos Santos Lima - Existe uma evolução natural do caso Banestado [de lavagem de dinheiro, em 2004, no Paraná] para a Lava Jato. Não é uma novidade, é um aperfeiçoamento daquele processo. Houve aprendizado até na área internacional. Nós temos mais de oito bilhões de lançamentos fiscais baseado nos documentos que trouxemos da Banestado. Todos aprendemos e em dez anos o mundo mudou, a comunicação entre países está mais rápida.

    Deltan Dallagnol - Do ponto de vista de instrumentos, o que levou aos resultados relativamente bons são colaboração premiada, cooperação internacional, uso de big data e série de fatores imponderáveis até, como juízes bons da primeira à última instância, que não é um fator que depende da sua dedicação. De resultados são ressarcimento de cofres públicos, mais de 30 vezes superior a qualquer caso do Brasil, de alcançar provas consistentes em um caso de corrupção que são dificílimos de conseguir e a igualdade no tratamento de réus ricos e abastados, de terem um julgamento justo.

    O que a Lava Jato pode mudar no comportamento dos empresários, a partir de agora?
    Lima - Espero que empresários saibam que eles podem resistir a demandas ilícitas. O que acontece com a corrupção é que ela torna alguns melhores que outros. Quando combatemos a corrupção, aplainamos o campo de jogo, dizemos que você tem a mesma chance de concorrer com aquela empresa que você imaginava imbatível. E a Lava Jato está tentando introduzir um aspecto que não é comum no Brasil, da certeza da punição. Não precisamos de penas exageradas. Precisamos de mais certeza da punição.

    Dallagnol - O que a Lava Jato revelou é que a corrupção é generalizada. Já se acreditava que ela estava espalhada no Brasil mas havia dificuldade de acreditar algo que era uma regra. Sabia-se que existia em grande volume, mas não praticamente em todas as funções públicas indicadas. E as empresas passavam a funcionar no pagamento de propina, na qual uma empresa larga na frente de outra. E o que poderia vir a mudar esse comportamento é uma efetiva punição, de fazer com o que as pessoas queiram ficar longe deste comportamento errado. A Lava Jato entra nesse contexto. Mostra que a punição acontece.

    Qual contribuição da Lava Jato para o direito criminal?
    Lima - Existiu muita sorte e acaso nas coisas que deram certo, mas foi também um uso eficaz das técnicas de investigação que tínhamos e uma mente aberta por parte do Judiciário para aceitar essas fórmulas. Por exemplo, o acordo de leniência que está sendo homologado no caso Camargo Corrêa. São coisas absolutamente inéditas, um acordo que conseguiu R$ 700 milhões, boa parte voltando para os cofres da Petrobras, fora o montante que trouxemos do exterior. Isso nunca houve antes. Então fora um aspecto de sorte, houve uma aplicação eficaz das técnicas de investigação que tínhamos a mão. E a principal delas é a colaboração [delação premiada]. Às vezes você tem uma série de hipóteses, mas uma pessoa falando ela te dá um norte. A colaboração é um norte na investigação.

    Dallagnol - Na minha perspectiva, o que a Lava Jato mais impactou nos operadores do direito é de nos fazer, a todos, acreditar que é possível que a Justiça funcione. A impunidade e a disfuncionalidade do nosso sistema fazem com que, muitas vezes, com uma liberdade de linguagem, "o amor das pessoas pela profissão esfrie", porque você se dedica a casos concretos e o resultado era nulo. Gera uma acomodação. Por que investir energia trabalhando além do horário se aquilo não vai dar em nada? A Lava Jato contribui para uma mudança de perspectiva, de que pode, sim, funcionar a Justiça.

    A Procuradoria tem liderado a campanha das Dez Medidas contra a Corrupção. Alguma das dez é mais simples de ser imediatamente implantada?
    Dallagnol - Elas foram formatadas em 20 anteprojetos de lei e podem ser lidas como tendo três objetivos centrais: prevenção, punição e recuperação. Precisamos evitar que os crimes de corrupção aconteçam, depois punir conforme a gravidade do crime e que se recupere o dinheiro desviado de modo racional. Na minha perspectiva essas frentes contra a corrupção têm que caminhar juntas. Não é só com uma alteração muito simples na legislação. Precisamos dessa conjuntura mudada. São 20 anteprojetos. Não saberia dizer qual o mais simples de ser aprovado. Mas quando o Congresso quer, o Congresso aprova.

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