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    'Aqui a gente brinca de fazer televisão', afirma proprietário

    ELVIRA LOBATO
    DE COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    31/01/2016 02h00

    Elvira Lobato/Folhapress
    Coroata,Maranhao Concessao de antena de TV Estudio de TV em Coroata no Maranhao Foto: Elvira Lobato/Folhapress ****EXCLUSIVO FOLHA**** ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Estúdio de televisão na cidade de Coroatá, no Maranhão

    O apresentador se aproxima da câmera e em tom de suspense pergunta:

    "Você conhece o criminoso Tripa? Tão inteligente, tão liso que colocou dois urubus no cofo [cesto de palha] e foi para a feira. A dona de casa se interessou e quis ver as galinhas. Ele não deixou. Esperto, falou que as galinhas eram ariscas e pediu R$ 80 pela mercadoria. A mulher regateou, regateou e levou o produto por R$ 50. Quando chegou em casa e abriu o cofo, deu com os urubus."

    Estamos no estúdio do Canal Aberto, programa de maior audiência em Coroatá, no Maranhão. O apresentador é Marcílio Gonçalves, 44.

    O programa vai ao ar de segunda a sexta, em um horário arrendado pelo ex-prefeito Luiz da Amovelar (PDT), na retransmissora local da TV Nazaré, da Igreja Católica.

    A cidade, de 64 mil habitantes, tem cinco retransmissoras de televisão. A competição entre as emissoras é acirrada no horário do almoço, quando entram no ar os jornais locais do SBT, da Record e da TV Nazaré. A Globo fica de fora da guerra por não ter programação local. No duelo, o que importa é o carisma do apresentador.

    Nas pequenas TVs da Amazônia predominam os assunto policiais. O homem que vendia urubus como galinhas é conhecido na cidade por aplicar pequenos golpes, e a história, narrada em tom novelesco pelo apresentador, ficou vários dias em evidência.

    Em Canaã dos Carajás, no sul do Pará, o jovem Patrick "Chocolate" Siqueira, 22, é uma estrela da televisão local, a TV Serra Azul, que retransmite a Record.

    Chocolate estudou até o ensino médio e começou em uma rádio pirata, aos 16 anos. Ele define seu perfil profissional com duas frases curtas: "Amigo da polícia. Bandido não gosta de mim".

    Em Conceição do Araguaia (PA), Nildo Monteiro retransmite o SBT pelo canal 10, um dos três pertencentes à prefeitura que estavam ociosos. Ele obteve autorização da Câmara Municipal para isso.

    Sem dinheiro para montar o estúdio, bolou o jornal "Cidade em Movimento", que é transmitido das ruas. O jornalista tem dois auxiliares: um cinegrafista e um aprendiz, que deixou o emprego de ajudante de pedreiro para trabalhar na TV.

    Algumas emissoras são tão pequenas que fica difícil, à primeira vista, acreditar que sejam televisão de verdade. Funcionam em casas simples, sem identificação na fachada. Mas, quando se entra no estúdio, vê-se o entusiasmo dos jornalistas locais.

    A maioria dos apresentadores é oriunda do rádio. Os repórteres se formam na prática. A profissão é um trampolim para os que querem se aventurar na vida política, em razão da visibilidade.

    Trem da alegria amazônico

    AUTOESTIMA

    O diretor da TV Sinal Verde, de Caxias (MA), Ricardo Marques, defende as retransmissoras locais de TV da Amazônia Legal.

    "Mesmo as mais precárias ajudam a resgatar a autoestima dos cidadãos. As pessoas gostam de ver o que acontece em sua cidade".

    A sobrevivência financeira das pequenas retransmissoras é um desafio. "Aqui a gente brinca de fazer televisão" resume, bem-humorado, o empresário Júlio Cesar Pitombo, retransmissor do SBT em Xinguara, no sul do Pará.

    O anúncio com quatro inserções diárias custa apenas R$ 1.500 por mês na TV dele, que admite cobrar dos políticos por entrevistas. Não é exceção. Várias retransmissoras pequenas informaram adotar essa prática.

    Há pequenos empresários que implantam TVs para realização de um sonho pessoal e pagam parte das despesas do próprio bolso. É o caso do contador Nivaldo Carvalho, de Guaraí (TO). O filho dele, Nivaldo Júnior, comanda e apresenta o principal programa da TV Guará, retransmissora da Record News.

    Os pequenos canais locais enfrentam uma adversidade adicional: eles não estão no satélite e não podem ser captados pelas parabólicas que proliferam no interior do país. Só podem ser vistos com antenas comuns.

    Para tentar contornar a dificuldade, o contador de Guaraí comprou e mandou distribuir antenas para a população poder ver sua TV.

    Ele diz que a perspectiva de retorno financeiro de uma emissora com raio de atuação tão pequeno é incerto. "Mas não entrei nesse negócio para ganhar dinheiro. Entrei por paixão", acrescenta.

    No Acre, uma pequena TV chama a atenção: o canal 25, da cidade de Senador Guiomar. Foi aprovado pelo Ministério das Comunicações em nome da Rede Quinari de Comunicação, cujo proprietário é o ex-taxista Valcy de Souza Campos.

    Ele apareceu no noticiário nacional em 1997, no escândalo sobre a compra de votos para a aprovação da emenda da reeleição. Na época, foi divulgado telefonema em que o então deputado federal Ronivon Santiago afirmava ter recebido do canal 40, em Senador Aguiar, para votar pela reeleição. A outorga estava em nome de Valcy, que passou a empresa adiante tempos depois, mas afirma não se lembrar quem foi o comprador.

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