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    ANÁLISE

    Semipresidencialismo proposto no Senado é saída à francesa de crise

    RODRIGO VIZEU
    EDITOR-ADJUNTO DE "PODER"

    09/03/2016 18h18

    Fora a enorme dificuldade de que avance e os ganhos em poder pessoal que seus autores teriam se colocada em prática a ideia de instalar no país um regime semipresidencialista, a proposta que tem sido discutida por senadores de PMDB e PSDB tem algum sentido.

    Conforme a Folha revelou nesta quarta-feira (9), o Senado aprovou a criação de uma comissão especial para debater a instalação do semipresidencialismo como saída para a crise política. Gestado por Renan Calheiros (PMDB) e José Serra (PSDB), o plano conta com apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

    No modelo, não seríamos nem presidencialistas como hoje, onde o presidente da República detém amplos poderes e acumula a chefia do Estado e do governo, nem exatamente parlamentaristas, onde, em sua forma mais típica, um Parlamento eleito pelo povo escolhe um primeiro-ministro para governar. O presidente, muitas vezes eleito indiretamente, torna-se mais ou menos decorativo.

    Meio termo, o semipresidencialismo tem na França seu exemplo mais célebre. Lá, o presidente é o chefe de Estado e é escolhido por voto direto. Ele escolhe um primeiro-ministro, que precisa ter o aval da maioria do Parlamento. É o primeiro-ministro que chefia o governo e os ministros, tratando da relação com o Legislativo e demais temas cotidianos do país.

    Ao presidente, cabe sobretudo a política externa e o comando das Forças Armadas, embora, com a legitimidade do voto popular, ele acabe por se envolver nas questões internas –até porque troca o primeiro-ministro se quiser.

    Em vários pontos, a presidência do francês François Hollande guarda semelhanças com a de Dilma Rousseff. Ambos enfrentam problemas econômicos e políticos e despertam raiva ou deboche em boa parte da opinião pública.

    Segundo pesquisa divulgada neste mês, só 16% dos franceses confiam em Hollande –Dilma registrou 11% de aprovação no último Datafolha.

    No entanto, ninguém sério defende abreviar o mandato de Hollande. Certo, o socialista francês não tem pedaladas fiscais ou uma Lava Jato para chamar de suas, embora sua Presidência tenha tido seus escândalos.

    Por enquanto, a tendência é que os franceses punam sua administração, iniciada em 2012, simplesmente não o reelegendo em 2017.

    VÁLVULAS DE ESCAPE

    O semipresidencialismo ajuda a conter a crise na França. A troca do primeiro-ministro é uma das válvulas de escape quando o presidente se vê emparedado. Hollande já fez isso uma vez e hoje está em seu segundo primeiro-ministro, Manuel Valls. É ele que absorve muitas das cobranças feitas à administração e atura os parlamentares. Seu índice de confiança é melhor: 27%.

    Outra válvula de escape do modelo francês é a dissolução da Assembleia Nacional seguida de novas eleições parlamentares. Em tempos de crise, torna-se uma solução para a formação de uma nova maioria parlamentar que, se contrária ao presidente, força-o a escolher um primeiro-ministro de oposição.

    A coabitação, como é chamada, faz com que o presidente fique verdadeiramente restrito às funções externas e de defesa. Ocorreu pela última vez na França durante parte da presidência de Jacques Chirac, entre 1997 e 2002.

    Sabe Deus que semipresidencialismo exatamente os senadores pensam em importar para o Brasil. É improvável que apenas se repita o que existe na França –ou em Portugal, que também tem modelo do tipo.

    Mas reproduzir mecanismos semelhantes por aqui teria o mérito de não insistir no parlamentarismo, rejeitado pela população em dois plebiscitos, em 1963 e 1993.

    Vale lembrar que, com 8% de aprovação, o Congresso é hoje ainda menos querido que a presidente da República.

    Além de respeitar a tradição presidencialista do país, o semipresidencialismo manteria a palavra final nas mãos do Palácio do Planalto e talvez fosse menos difícil de engolir por quem perderia parte de seu poder, Dilma Rousseff.

    Agora, na remota hipótese do Congresso conseguir operar uma mudança institucional dessas no atual contexto de caos político, fica a pergunta: o que Dilma acharia de se ver recolhida à política externa, uma das funções que menos estima?

    Talvez PMDB e PSDB tenham encontrado a fórmula para levar à renúncia da presidente da República.

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