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    Lava Jato

    Lula assumir ministério após protestos é insulto, diz diretor de ONG

    ISABEL FLECK
    DE SÃO PAULO

    17/03/2016 02h00

    A Transparência Internacional, organização responsável pelo principal indicador global de corrupção, diz ver como um "insulto" a decisão de colocar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro da Casa Civil, dois dias após mais de 1,5 milhão de manifestantes saírem às ruas pedindo o impeachment da presidente Dilma Rousseff e em apoio às investigações da suposta participação de Lula no esquema de corrupção da Petrobras.

    "Isso é um insulto à população. (...) É como se fosse uma resposta dizendo: 'eu não estou nem aí para o que vocês estão dizendo'", disse o diretor da Transparência Internacional para a América Latina, Alejandro Salas, em entrevista à Folha, de Berlim.

    Com a decisão, Lula estaria "tornando o processo [das investigações] mais difícil", "levantando mais suspeitas" e "alimentando a polarização". No ranking da organização neste ano, o Brasil caiu sete posições –da 69ª para a 76ª—, a maior queda entre todas as 168 nações pesquisadas.

    Cris Faga/Fox Press Photo/Folhapress
    Protesto contra o governo da presidente Dilma Rousseff (PT) na av. Paulista, região central de São Paulo, neste domingo
    Protesto contra o governo da presidente Dilma Rousseff (PT) na av. Paulista, no domingo (13)

    Folha - Como sua organização vê o fato de Lula assumir um ministério neste momento?

    Alejandro Salas - Lula é um líder importante no país, é um ex-chefe de Estado, ele tem o poder de ajudar seu partido sem ser ministro. Ele pode ajudar no diálogo nacional, fazer o que sabe fazer sem se tornar um ministro, porque, ao fazer isso, só está gerando mais raiva, mais politização do processo. Ele não está ajudando o país.

    Faltou transparência em sua nomeação para a Casa Civil?

    O país tem se tornado muito polarizado. Simplificando, há quem acredite que Lula, Dilma e o PT são vítimas da direita, e do outro lado, os que acreditam que o PT roubou. A transparência ajudaria a desfazer essas dúvidas e a construir confiança. Quando as decisões são tomadas em salas secretas, a portas fechadas, quando não estão claras as intenções por trás delas, você cria um ambiente ainda mais polarizado.

    Esta decisão da presidente Dilma acende um alerta?

    É uma situação ímpar. Eu não consigo pensar em outros exemplos na história recente da América Latina em que um presidente sob investigação se torna ministro de uma hora para outra.

    Como vocês vêem o fato de a decisão ter vindo dois dias após as manifestações críticas ao governo e em apoio a Moro?

    Isso é um insulto à população. Você teve uma multidão nas ruas dizendo que queria o fim da corrupção, que apoiava o juiz Moro. Tomar essa decisão dois dias depois é como dizer: 'eu não estou nem aí para o que vocês estão dizendo'. E isso provavelmente fará com que as pessoas fiquem com mais raiva e que mais pessoas saiam às ruas.

    E é extremamente importante que as pessoas continuem nas ruas porque se elas pararem de levantar sua voz, será um sinal de derrota. Devemos lembrar daquele pensamento: pode-se perder a batalha, mas não a guerra. E a guerra é contra a corrupção.

    Precisamos ser muito cuidadosos, não estou dizendo que Lula é culpado, mas que precisa responder à Justiça. Se estiver limpo, será respeitado. Mas ele está fazendo de tudo para tornar isso muito difícil. Ele está tornando o processo mais difícil, levantando suspeitas, e alimentando a polarização.

    Como isso afeta a imagem do país no exterior?

    Passa a impressão de que o Brasil ainda é um país muito fraco, com instituições que estão muito frágeis. E de que indivíduos são mais importantes que as instituições.

    Como vocês avaliam o trabalho da Lava Jato para o país?

    Corrupção não é algo novo, e no Brasil é algo que vem acontecendo por cinco, dez, 20 anos. Não é algo que foi criado pelo PT, é parte do sistema político no Brasil. Estamos convencidos que o que a Lava Jato e outras investigações estão mostrando é que, agora, temos as instituições, as pessoas, o interesse da mídia.

    Qual deve ser o próximo passo?

    A cultura política precisa mudar. Se ela continuar, pessoas influentes podem ser presas, mas depois haverá outros grupos que farão o mesmo. O que aconteceu nesta quarta [nomeação de Lula para o ministério] é o exemplo do que não pode ser feito se quiserem mudar isso.

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