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    Lava Jato

    Rumor de que telefone de Dilma foi grampeado não faz sentido, dizem peritos

    DA BBC BRASIL

    21/03/2016 01h16

    Especialistas em escutas telefônicas ouvidos pela BBC Brasil afirmam não fazer sentido os rumores que circularam nas redes sociais afirmando que a presidente Dilma Rousseff –e não só o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva– teria sido grampeada pela Polícia Federal.

    Segundo eles, o fato de a primeira voz a ser ouvida na gravação da conversa entre os dois ser do gabinete da Presidência da República, antes mesmo da ligação ter sido atendida do outro lado da linha, não significa que Dilma tenha tido seus telefones grampeados.

    Esse era o principal argumento de quem sustentava a tese de que a presidente estava sob escuta –entre eles apoiadores do governo, como a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Para essas pessoas, o juiz federal Sérgio Moro, responsável pela divulgação das gravações, teria violado a lei ao monitorar o telefone da petista.

    Segundo a Constituição, em caso de pessoas com foro privilegiado, a autorização para a interceptação telefônica deve ser concedida antes pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Este é o caso do presidente da República, ministros, deputados e senadores. Moro é juiz federal de 1ª instância.

    GRAMPO

    O grampo telefônico, tornado público pela Justiça e divulgado pela imprensa na quarta-feira, mostra uma conversa na qual Dilma e Lula tratam da entrega do termo de posse como ministro da Casa Civil ao ex-presidente.

    A primeira voz a ser ouvida na gravação é de Maria Alice, funcionária do gabinete da Presidência. Ela conversa ao fundo com outra pessoa, enquanto espera a ligação ser completada. Quem atende o telefonema é Moraes, auxiliar de Lula. Maria Alice se apresenta e pede para falar com o ex-presidente antes de passar a ligação a Dilma.

    "Ouvir primeiro a voz do gabinete da Presidência não quer dizer necessariamente que o telefone de Dilma estaria grampeado. É preciso lembrar que o grampo já passa a valer a partir do momento em que o último dígito do telefone do grampeado é discado", diz o perito Ricardo Molina, um dos principais especialistas brasileiros em escutas.

    "Além disso, se o telefone de Dilma estivesse sendo grampeado, a partir do momento em que ela (Maria Alice) tirasse o telefone do gancho, passaria a ser gravada. Mas isso não acontece. Não ouvimos os números sendo discados, por exemplo. Apenas a funcionária aguardando a ligação ser atendida, conversando com alguém ao fundo", acrescenta.

    O perito ressalva que não teve acesso à gravação original, apenas à divulgada publicamente por Moro. Ele explica ainda que, mesmo que o interlocutor não atenda o telefone, o grampo será registrado.

    "Em outras palavras, se você ligar para alguém que esteja grampeado, você será gravado, mesmo que o interlocutor não atenda o telefone. E, nesse caso, se você falar qualquer coisa com quem esteja ao seu lado, a conversa de vocês também será gravada", explica o perito.

    "Dessa forma, não me parece que tenha havido nenhuma ilegalidade", acrescenta.

    João Carlos Lopes Fernandes, professor do Instituto Mauá de Tecnologia e da Faculdade de Tecnologia de São Caetano do Sul (Faetec), corrobora a explicação.

    "O grampo funciona como uma espécie de secretária eletrônica", exemplifica. "A partir do momento em que você faz a chamada, ele já começa a gravar. Mesmo que o interceptado não atenda o telefonema."

    Fernandes diz achar "muito difícil" que o telefone de Dilma tenha sido grampeado –a menos que isso tenha sido feito ilegalmente.

    "Essa hipótese tampouco me parece plausível, uma vez que grampos ilegais não podem ser feitos por operadoras de telefonias de celular. E foram as operadoras de celular que fizeram os grampos", avalia.

    Molina afirma ser contrário à forma como geralmente os grampos são realizados no Brasil:

    "Já me pronunciei na CPI dos grampos sobre isso. Apesar de não haver qualquer aparente ilegalidade, me oponho à forma como esse tipo de interceptação telefônica é feita, pois, na hipótese de o grampeado não atender o telefone, toda interação ambiental de quem fez o telefonema será gravada e pode ser usada como prova no processo."

    ASPECTO JURÍDICO

    A polêmica não se restringe, contudo, à parte técnica dos grampos.

    No aspecto legal, juristas ouvidos pela BBC Brasil divergem quanto à liberação dos áudios.

    Em nota, o Palácio do Planalto criticou a divulgação das interceptações telefônicas, descrevendo-a como uma "afronta aos direitos e garantias" da Presidência da República, e disse que deve entrar na Justiça contra Moro por violações à Constituição –o que foi repetido por Dilma durante a posse de Lula.

    Questionado pela BBC Brasil, o jurista Dalmo Dallari, professor emérito da USP e autor de pareceres de defesa da presidente Dilma Rousseff sobre o pedido de impeachment em tramitação no Congresso, não vê tentativas de obstrução da Justiça na conversa e diz que tanto o grampo telefônico quanto a divulgação das ligações constituem "ilegalidades cometidas pelo juiz federal Sergio Moro".

    Já Miguel Reale Jr., ex-ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e um dos autores do pedido de afastamento da presidente, diz acreditar que a retirada do sigilo das gravações é "totalmente legal", e que o teor das conversas mostra "claras intenções de obstruir a Justiça".

    A OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Rio de Janeiro) emitiu nota de repúdio às escutas. Nela, diz que o procedimento é "típico de estados policiais".

    Para os investigadores, as conversas sugerem que a nomeação de Lula como ministro-chefe da Casa Civil teria como objetivo conceder-lhe foro privilegiado e evitar que o ex-presidente seja alvo de ações da vara comandada por Moro. O governo nega e afirma que o termo de posse fora enviado ao ex-presidente para o caso de ele não poder comparecer à cerimônia de posse em Brasília.

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