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    Brasileiros na Flórida relatam alívio com distância da crise

    THAIS BILENKY
    ENVIADA ESPECIAL À FLÓRIDA

    28/03/2016 02h00

    Naquele domingo, 13 de março, o maior protesto já registrado no Brasil era transmitido ao vivo em uma pastelaria em Pompano, a 55 km de Miami, no Estado americano da Flórida. A clientela, toda brasileira, conversava distraída sem quase olhar para a TV, enquanto pedia empadas, pamonha e guaraná.

    "Sinto alívio de não estar no Brasil", desabafou a gerente, Camila, 27. "A coisa lá está feia."

    A vida na Flórida lembra o Brasil. Além de semelhanças climáticas, pode-se ter acesso a quase todo tipo de serviço e produto nacional sem falar uma só palavra em inglês. Há, porém, uma diferença. A crise, ali, passa ao largo.

    Enquanto o país vive uma montanha-russa sem fim, brasileiros nos EUA toleram qualquer sufoco, desde que não tenham que regressar à terra natal.

    A partir de 2014, com a crise, 100 mil se mudaram para a Flórida e hoje mais de 350 mil moram no Estado americano, segundo o consulado em Miami, que não computa os imigrantes sem visto. Com isso, formou-se um emaranhado que replica a divisão socioeconômica do país.

    Fora a aversão ao cotidiano no Brasil, esses imigrantes se sentem "valorizados" nos EUA, na palavra repetida por mais de dez pessoas à Folha. A garçonete Amanda Santana, 26, é uma delas.

    Mudou-se para Miami há quatro anos com visto de turista, que expirou em seis meses. Por três anos, privou-se de ver a família. Se visitasse o Rio, seria vetada na volta. "O que eu mais amo na vida é morar aqui", sorri.
    Suportou assédio moral, abriu mão da faculdade e vive com US$ 1.500 por mês, contados.

    LUXO DA LIBERDADE

    O advogado tributarista Julio Barbosa, baseado em Miami, diz que as consultas para mudança de residência fiscal dispararam.

    Um exemplo ilustra o desespero de alguns. Uma família carioca pôs à venda uma empresa de logística, disposta a aceitar ofertas inferiores ao valor de mercado, avaliado em alguns milhões de reais. A ideia é abrir qualquer negócio nos EUA, desde que viabilize a mudança o mais rápido possível. "Isso mostra que tem alguma coisa errada", diz Barbosa.

    No fim do ano passado, o paulistano Wilton Colle, 48, demitiu 400 funcionários de sua fábrica de suplementos alimentares em Anápolis (GO) e se mudou para Boca Raton (70 km de Miami).

    Na Flórida, ele tem duas casas, cinco carros e gasta US$ 50 mil por mês para viver com a mulher, três filhos e a babá que trouxe do Brasil. "E avisa aí a Receita Federal que comprei tudo com dinheiro feito aqui", ressalta.

    Colle transferiu a sede depois de 25 anos no Brasil, indignado com o que considera um sistema tributário "injusto e burro", que "estupra e mata" as empresas.

    "Desculpa o termo, mas é verdade. Prefiro pagar imposto aqui. É muito mais justo", diz. "Claro que a gente sofre de ver a nossa nação nesse estado calamitoso, mas recomendo a quem puder, rico ou pobre, se dentro da lei, que venha."

    Sua mulher, Jelly, 34, mudou o estilo de vida. Passou a cuidar da casa, fazer comida para o filho de três anos. O filho de 13 anos agora arruma o quarto. "A gente tinha mais mordomias. Três empregados, motorista, babá, faziam tudo para a gente", lembra. As casas onde moraram eram confortáveis, mas a família tinha medo de sair. "Aqui temos o luxo da liberdade", afirma o empresário.

    GENTE QUALIFICADA

    O medo da violência e a falta de perspectivas motivaram o ex-reitor da USP Roberto Lobo e a mulher, a psicóloga Beatriz, a deixarem o Brasil em 2016.

    A documentação não foi empecilho para eles, uma vez que o visto para pessoas de "habilidade extraordinária" chegou em meses.

    O casal fechou sua consultoria de gestão universitária depois de 15 anos, vendo os clientes rarearem. Trocou o reconhecimento e uma casa espaçosa em Mogi (SP) por um apartamento alugado mobiliado em frente à praia e um futuro em aberto.

    "O Brasil não consegue mais atrair gente qualificada a longo prazo", disse Lobo. "É uma tristeza."

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