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    Máfia da merenda em SP vai chegar a agentes públicos, afirma promotor

    MARCELO TOLEDO
    ENVIADO ESPECIAL A BEBEDOURO

    29/03/2016 14h54

    A investigação que apura fraudes na merenda escolar no Estado de São Paulo vai chegar a agentes públicos. A afirmação é de integrantes da Operação Alba Branca, que apura o pagamento de propina em contratos superfaturados de merenda com o governo paulista e ao menos 22 prefeituras.

    Nesta terça-feira (29), em sua segunda etapa, sete suspeitos de envolvimento com o caso foram presos –entre eles, está Leonel Julio, ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo.

    "Nada teria havido, [nada teria sido] viabilizado, sem que no final da ponta houvesse um agente público para arredondar, ou seja, garantir a contratação da Coaf e receber o dinheiro da propina", afirmou o promotor Leonardo Romanelli.

    A Coaf (Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar) é apontada como a responsável pelo esquema conhecido como máfia da merenda. As prisões desta terça fazem parte da 2ª fase da Alba Branca, que apura o pagamento de propina em contratos superfaturados de merenda escolar com o governo do Estado e prefeituras de São Paulo.

    Segundo o promotor, a fase atual vai se concentrar nas pessoas presas, mas numa fase posterior os agentes públicos envolvidos na contratação da Coaf podem ser ouvidos.

    Delegado seccional de Bebedouro, José Eduardo Vasconcellos disse que será proposta delação premiada aos presos nesta terça-feira. "É uma ferramenta que já está sendo utilizada neste caso e pretendemos usá-la novamente. Caberá a essas pessoas usar ou não."

    Segundo ele, a segunda fase da operação ainda envolve pessoas ligadas à Coaf e intermediários. "Ainda não avançamos sobre os agentes públicos que figuravam ali na ponta, nas prefeituras. Isso poderá ocorrer com o desdobramento das investigações", disse.

    Os sete presos desta terça são suspeitos de formação de organização criminosa, fraudes em procedimentos públicos, falsidades ideológicas documentais, corrupções passiva e ativa e peculato.

    Além de Leonel Julio, a Justiça também mandou prender o presidente da Uvesp (União dos Vereadores do Estado de São Paulo), Sebastião Misiara, além de Carlos Eduardo da Silva, Aluísio Girardi, Emerson Girardi, Luiz Carlos da Silva Santos e Joaquim Geraldo.

    As provas foram obtidas, segundo o Ministério Público, por meio de interceptações telefônicas, análise de documentos apreendidos na primeira fase e depoimentos.

    Carlos Eduardo da Silva, um dos detidos, era sócio-diretor da cooperativa e funcionário da Casa da Agricultura de Monte Azul Paulista, ligada à Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento. A ele, ainda conforme a Promotoria, cabia montar e aprovar a documentação para disputar as concorrências públicas. Eram usadas indevidamente 1.070 DAPs (Declarações de Aptidão ao Pronaf) de pequenos agricultores.

    Divulgação/Alesp
    15/08/2013Preparativos para lançamento da Frente Parlamentar Ambientalista da Grande São PauloTeresinha Pedroso, Sebastião Misiara, Beto Trícoli.O lançamento será durante a 12ª Conferência de Produção Mais Limpa e Mudanças Climáticas de São Paulo.
    Sebastião Misiara, presidente da Univesp (União dos Vereadores do Estado de São Paulo)

    Filiado ao antigo MDB, Julio presidiu a Assembleia de São Paulo entre 1975 e 1976, durante o regime militar (1964-85), mas teve seu mandato cassado e perdeu seus direitos políticos por dez anos após se envolver em um escândalo.

    Ele é pai de Marcel Ferreira Julio, apontado como lobista do esquema e o elo da Coaf com a Assembleia e o governo de São Paulo. Marcel está foragido desde 19 de janeiro.

    ELO COM A LAVA JATO

    Em entrevista coletiva dada em Bebedouro, Romanelli fez uma relação sobre procedimentos da operação no interior paulista à Lava Jato.

    "Segue a mesma lógica de qualquer procedimento envolvendo o poder público. Você começa da ponta, dos vendedores, chega aos lobistas e, depois, você vai chegar aos agentes públicos, exatamente como foi feito na Lava Jato."

    Até agora, foram identificados pelo promotor 20 prefeituras com contratos efetivamente liquidados com a Coaf, envolvendo um total de R$ 7 milhões. A Secretaria de Estado da Segurança Pública informou que há contratos sob investigação nas prefeituras de Americana, Araras, Assis, Bauru, Caieiras, Campinas, Colômbia, Cotia, Mairinque, Mairiporã, Mogi das Cruzes, Novaes, Paraíso, Paulínia, Pitangueiras, Ribeirão Pires, São Bernardo do Campo, Santa Rosa de Viterbo, Santos e Valinhos.

    As propinas variavam de 5% a 30% sobre os valores dos contratos. No caso dessas 20 prefeituras, ele calcula que pelo menos R$ 700 mil foram desviados, numa estimativa conservadora.

    O valor deve crescer, pois há cerca de 70 administrações envolvidas, conforme o promotor.

    Fraude da Merenda

    PRISÕES

    Segundo o delegado-seccional de Bebedouro, Leonel Julio atuava como uma espécie de lobista, fazendo ponte entre a Coaf, seus vendedores e prefeituras.

    Questionado sobre o suposto envolvimento de políticos com foro privilegiado, como o presidente da Assembleia Legislativa, Fernando Capez (PSDB), o delegado disse que não poderia falar sobre isso, pois o caso corre em segredo de Justiça.

    De acordo com ele, eventuais citações a deputados e prefeitos serão remetidas diretamente à Procuradoria-Geral de Justiça. Todos os sete presos serão ouvidos em Bebedouro e deverão permanecer detidos em prisões de cidades da região.

    Com autorização judicial, foram quebrados sigilos bancários e fiscais de envolvidos, cujos dados ainda não chegaram aos integrantes da operação. A estimativa é que a Alba Branca tenha atingido até aqui apenas um terço de sua duração.

    OUTRO LADO

    Pedro Menin, advogado de Leonel Julio, disse que o ex-deputado "não tem nada para esconder". "Ele vai prestar os esclarecimentos necessários."

    Ele disse que negociava a apresentação de Marcel, filho de Leonel, mas as prisões adiaram a decisão.

    Misiara, vereador em Barretos por 25 anos pelo PFL (atual DEM) e hoje sem partido, foi "pego de surpresa", segundo sua advogada, Cláudia Seixas, pois já havia se colocado à disposição para prestar depoimento.

    Advogado de Santos, Cesar Andrade Correia disse crer que seu cliente seja libertado na quarta (30).

    Capez disse repudiar a citação de seu nome e que está à disposição para colaborar. A reportagem não conseguiu ouvir as defesas dos outros presos entre a tarde e noite desta terça.

    A sede da Uvesp, em São Paulo, também foi alvo de um mandado de busca e apreensão nesta manhã.

    A OPERAÇÃO

    A primeira fase da Operação Alba Branca foi deflagrada em 19 de janeiro, em uma ação conjunta da Polícia Civil e o Ministério Público de São Paulo. Dirigentes da Coaf apontaram, além de Capez, os deputados federais Baleia Rossi (PMDB) e Nelson Marquezelli (PTB) e o deputado estadual Luiz Carlos Godim (SD) como beneficiários do esquema. Todos negam.

    De acordo com as investigações, o esquema era alimentado por um sobrepreço que variava de 10% a 30% de cada contrato de fornecimento de suco de laranja para a merenda escolar.

    O caso também lança suspeita sobre a Casa Civil, núcleo da articulação política do governo Geraldo Alckmin (PSDB), e secretaria de Educação de São Paulo.

    Um grampo da Polícia Civil, feito em 4 de dezembro, dia da demissão do ex-secretário de Educação, Herman Voorwald, revela que integrantes do esquema que fraudava merenda escolar em São Paulo ficaram preocupados com as mudanças na pasta.

    Eles foram avisados da queda de Voorwald pelo ex-chefe de gabinete da Casa Civil, Luiz Roberto dos Santos, o Moita, que também os instruiu sobre como aumentar os ganhos em um contrato vigente com o Estado desde março.

    Tal contrato, segundo confessaram dirigentes da Coaf à polícia e ao Ministério Público, já havia rendido propina de 10% a políticos. Pelos depoimentos, um dos beneficiados foi o presidente da Assembleia Legislativa, Fernando Capez (PSDB).

    Feitas com autorização judicial, as interceptações, segundo o entendimento da polícia, revelam que a preocupação do grupo era agir rápido, diante da possibilidade de o chefe de gabinete de Voorwald, Fernando Padula, também sair da pasta.

    Presos na 2ª fase da operação alba branca - A Justiça de Bebedouro (SP) emitiu na terça (29) 17 mandados de busca ou prisão de envolvidos no esquema

    máfia da merenda - Outros nomes citados na investigação

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