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    Grupo contra crime organizado não atrai promotores, diz procurador de SP

    THAIS ARBEX
    REYNALDO TUROLLO JR.
    DE SÃO PAULO

    09/04/2016 02h00

    Adriano Vizoni-7.abr.2014/Folhapress
    O procurador-geral de Justiça de SP, Márcio Elias Rosa, que deixa o cargo
    O procurador-geral de Justiça de SP, Márcio Elias Rosa, que deixa o cargo

    Após quatro anos à frente do Ministério Público do Estado de São Paulo, o mandato do procurador-geral de Justiça, Márcio Fernando Elias Rosa, termina neste sábado (9).

    Em entrevista à Folha, o procurador faz um balanço de sua gestão, que, em sua avaliação, buscou avanços na consolidação dos direitos sociais –com a criação, por exemplo, de promotorias especializadas, como a de combate à violência de gênero.

    Por outro lado, os Gaecos, grupos especializados de combate ao crime organizado, sofreram um esvaziamento nos últimos anos –segundo Rosa, por desinteresse dos promotores em atuar neles.

    Leia abaixo a entrevista.

    *

    Folha - Vamos começar com um balanço de seu mandato, com os desafios enfrentados.
    Márcio Elias Rosa - Foram quatro anos de obstáculos, a começar pela PEC 37 [proposta que tirava poder de investigação do Ministério Público, rejeitada no Congresso em junho de 2013, após virar pauta dos protestos de rua].

    Em entrevista à Folha, em maio de 2012, eu disse que a única saída para derrubar a proposta era mobilizar a sociedade civil. É óbvio que eu não sabia como, mas fizemos. Comecei a percorrer as faculdades de direito, todos os veículos de comunicação. Se tivéssemos sido derrotados, a história seria outra.

    Não existiria a Lava Jato...
    Pois é. Fico satisfeito com o desempenho do Ministério Público de São Paulo porque nossa proposta era investigar em comunhão [com polícia e outros órgãos], não exclusivamente.

    E quanto aos avanços de sua gestão?
    Conseguimos finalmente aprovar a criação de promotorias regionais. Hoje, só existem promotorias especializadas na capital, de meio ambiente, urbanismo, consumidor. Aprovamos a criação de promotorias regionais no interior. Agora estamos na fase da implantação. No meu projeto, elegi como prioritárias as áreas da saúde pública, da educação e do meio ambiente.

    O sr. pode dar um exemplo de funcionamento na prática?
    Problemas que não são estritamente locais poderão ser tratados por uma promotoria regional. A poluição sonora continua sendo do promotor de Justiça local, mas a escassez de recursos hídricos pode ser tratada pelo promotor de Justiça regional. A questão de vagas em creches é um problema local, mas a política de reorganização da rede de ensino é regional. É isso.

    Desafoga o promotor local?
    Desafoga e cria promotores capazes de fazer interlocução com todos os envolvidos, porque esse tipo de política pública, como a educação, não é prestada por um só [nível de governo].

    Eu costumo dizer que é preciso ir em busca do artigo 6º da Constituição. O artigo 5º, que trata de direitos e garantias fundamentais, de algum modo já está consolidado. O artigo 6º é o que trata de direitos sociais, direito à maternidade, à infância. No campo dos direitos sociais o Brasil tem que avançar muito e é nesse campo que o Ministério Público precisava começar a atuar.

    O que foi feito nesse sentido?
    Conseguimos criar na capital a primeira promotoria especializada em violência de gênero, atual e necessária. Desenvolvemos alguns programas transformadores, como o Guardião Maria da Penha, de capacitação de guardas-civis metropolitanos para a fiscalização de medidas protetivas concedidas a mulheres vítimas de violência doméstica na capital.

    E a estrutura da instituição?
    Crescemos em termos de instalação física. Hoje temos áreas para 112 promotorias no interior do Estado. Aumentamos também o nosso quadro de pessoal. Tínhamos 2.500 servidores, hoje temos 5.400.

    O número de promotores também aumentou?
    Aumentou. Foram 30 cargos a mais, que vieram junto com a Promotoria de Violência Doméstica.

    Promotores têm criticado o 'desmantelamento' dos Gaecos, os grupos de combate ao crime organizado. A que o sr. atribui isso?
    É cíclico o interesse dos colegas em atuar nesses grupos, porque só atua em Gaeco o promotor que deseja. Não é o procurador-geral que escolhe. Na capital, por exemplo, não tem tido interessados, exceto promotores de Justiça da Grande SP, quase sempre em promotoria única. [Nesses casos] Não é razoável tirar o promotor de lá, deixar sem, para trazer para cá.

    O que tínhamos no passado era grande interesse de muitos promotores em ir para os grupos. Diminuiu muito. Hoje, são três promotores no Gaeco em São Paulo [no início deste ano havia apenas um]. Na região de Franca, os colegas raramente se interessam. Não temos nenhum colega de Piracicaba disposto.

    Como melhorar isso?
    Acredito que o modelo dos Gaecos precisa ser repensado. Precisamos investir nos grupos de apoio às investigações –o concurso, aliás, está em andamento. Cria 120 cargos de analistas técnicos científicos, para que haja uma descentralização desse apoio. Para que se tenha a possibilidade de que o promotor de Justiça faça a investigação, ele mesmo. Tenho como regra o seguinte: só entra no Gaeco quem quer e só sai quem quer. Nunca tirei ninguém, mas isso não está na lei. Já houve casos em que procurador-geral escolhia. Incentivo bastante que o promotor [fora do grupo] faça a investigação. Os grupos ficam para quando necessário.

    Setores ligados ao próprio Ministério Público dizem que o deputado Fernando Capez, investigado pela merenda, tem muita ligação com a instituição. Como garantir uma investigação isenta?
    Só há uma forma de mostrar isenção: alcançando resultado, além de garantir publicidade no tempo certo. O presidente da Assembleia é, de fato, um membro do Ministério Público. O procurador-geral conhece o presidente da Assembleia e, mais do que isso, tem uma relação de convivência fraternal há décadas. Isso gera nas pessoas um preconceito de que não haja isenção.

    A desconfiança da imprensa e da sociedade civil é salutar. Como respondo a isso? Cumprindo meu trabalho e apresentando resultado, seja de denúncia ou arquivamento. Essa investigação especificamente vem caminhando no rumo da elucidação e apuração com absoluta neutralidade em relação aos fatos e às pessoas.

    Ao longo da sua trajetória como procurador-geral, o sr. recebeu alguma tentativa de pressão vinda do governo do Estado?
    Nesses quatro anos não tive nenhuma sinalização, nenhum contato ou recado. Foi uma relação de absoluta indiferença. Nem eu tive que prestar contas, nem me foi cobrada prestação de contas. A relação é formal. Não me parece que no Estado de São Paulo exista ambiente político para isso, independentemente do procurador-geral.

    O que o sr. pretende fazer a partir de agora? Há uma articulação para que o sr. assuma a Secretaria de Justiça de Alckmin.
    Está brincando! Não tem liberdade para isso, nem do governador para formular um pedido nem do procurador-geral para sinalizar.

    E pensando no futuro?
    Não recebi nenhum convite, nem seria razoável. Se vier a ocorrer [o convite], do jeito que tenho tido dificuldades, é capaz de sobrar a Secretaria de Recursos Hídricos [risos].

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