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    Lava Jato

    Ex-corretor de imóveis, Argello chegou a ser cotado como ministro do TCU

    RUBENS VALENTE
    DE BRASÍLIA

    12/04/2016 13h41 Erramos: esse conteúdo foi alterado

    Diego Padgurschi/Folhapress
    O ex-senador Gim Argello (PTB) é detido por agentes da PF, na 28ª fase da Operação Lava Jato, em Brasília (DF), nesta terça-feira
    O ex-senador Gim Argello (PTB) é detido na 28ª fase da Operação Lava Jato, em Brasília

    Em agosto passado, quando a Folha divulgou que o dinheiro entregue pela UTC Engenharia havia sido distribuído entre partidos e candidatos da sua derrotada campanha ao Senado em 2014, o ex-senador Gim Argello se disse ao telefone estar pronto para "tirar todas as dúvidas" do assunto, mas desde que antes lesse os termos de depoimento do empreiteiro Ricardo Pessoa. A citação ao seu nome havia sido antecipada pela revista "Veja".

    "Mas você tem a cópia do depoimento do Ricardo Pessoa?", indagou Argello sobre o documento àquela altura sigiloso. Com a resposta negativa, o ex-senador desconversou, prometendo que receberia a Folha assim que soubesse "do que se tratava".

    Meses depois, com a decisão do ministro do STF Teori Zavascki que cancelou o sigilo sobre a delação de Pessoa, Gim foi de novo procurado. Agora a Folha tinha os depoimentos em mãos. O ex-parlamentar, porém, nunca mais ligou de volta.

    Pelo menos desde o início do segundo semestre do ano passado Argello sabia que estava enrolado na teia da Operação Lava Jato. Além de relatar o pagamento de pelo menos R$ 5 milhões ao então vice-presidente da CPI da Petrobras, Ricardo Pessoa também mencionou o nome do marqueteiro Paulo Roxo como o operador de Gim e responsável por distribuir o dinheiro entre os partidos aliados. Ele é um colaborador muito próximo de Gim. Ambos foram presos nesta terça-feira (12) na nova fase da Lava Jato.

    É o pior momento da vida política de Jorge Afonso Argello, que completou 54 anos na semana passada, no dia 5. Natural de São Vicente (SP), Argello começou a vida como corretor de imóveis no Distrito Federal, vivendo na cidade-satélite de Taguatinga (DF).

    No Distrito Federal dos longos espaços não ocupados que são alvo de cobiça imobiliária, não são raros os casos de corretores e empreendedores imobiliários que se envolvem com a política. O caso mais notório é o de Paulo Octavio, casado com uma neta do ex-presidente Juscelino Kubitscheck, que se tornou dono de um conglomerado que envolve incorporadoras, shoppings centers, emissoras de rádio e TV e hotéis e foi sucessivamente deputado federal, senador e vice-governador do DF na chapa de José Roberto Arruda (ex-DEM).

    Assim como Argello, Octavio foi alvo de uma investigação policial de grande vulto, a Operação Caixa de Pandora.

    FORTUNA

    Argello também construiu uma fortuna. Declarou à Justiça Eleitoral em 2014 um total de R$ 4,5 milhões em bens, incluindo R$ 800 mil que disse guardar em espécie para alguma eventualidade. Mas há desconfiança sobre o valor real de seu patrimônio. Em dezembro de 2009, a revista "IstoÉ" divulgou que "poucos entendem" como um corretor de imóveis havia atingido R$ 1 bilhão em patrimônio após 25 anos de trabalho. A revista relatou que a cifra fora comunicada, em tom de vitória, pelo próprio Argello a dois senadores do PMDB, um dos quais Renan Calheiros (AL). Argello negou ter essa fortuna.

    O corretor de imóveis chegou à política nos braços do então PFL (Partido da Frente Liberal), elegendo-se deputado distrital do DF em 1998. No ano seguinte, tornou-se o presidente da Câmara Legislativa do DF. No segundo mandato migrou para o PMDB, partido com o qual tem grandes afinidades.

    Após dois mandatos consecutivos como deputado distrital, Argello teve um salto político notável: sem se eleger antes deputado federal ou ocupar qualquer cargo relevante no Executivo, tornou-se senador da República, já filiado ao PTB. Isso foi possível porque ele era suplente do senador Joaquim Roriz. O ex-governador e cacique político do DF havia renunciado para evitar a cassação de seu mandato, em meio a um escândalo sobre uso de verbas do banco público BRB.

    Empossado no Senado em 2007, Argello se aproximou de líderes do PMDB como Renan Calheiros e Romero Jucá (RR), o que lhe valeu a condição de relator da poderosa Comissão de Orçamento do Congresso. Era ligado também ao senador Vital do Rêgo (PMDB-PB).

    Ambos fizeram a dobradinha de presidente e vice-presidente da CPI da Petrobras de 2014 - a mesma comissão que, segundo as investigações da Lava Jato, está na origem do pagamento de pelo menos R$ 5 milhões das empreiteiras a Argello. Os empreiteiros disseram que não queriam ser convocados pela CPI, por isso pagaram Argello. E de fato escaparam das convocações.

    Na época do Senado, Argello também costumava dizer aos jornalistas que conseguira se aproximar da então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff ao compartilhar suas rotas de cooper matinal. Embora houvesse dúvida sobre a alegada proximidade, ele de fato foi apoiado pelo Palácio do Planalto no final do primeiro mandato de Dilma em uma frustrada tentativa de torná-lo ministro do TCU (Tribunal de Contas da União). Uma forte reação dos servidores do TCU, que lembravam a todo momento que Argello já era alvo, àquela altura, de seis investigações em tramitação no STF (Supremo Tribunal Federal), ajudou a impedir a escolha.

    Na época o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) atacou o candidato: "Eu, que o conheço há mais tempo do que muitos, não sei se ele tem a menor vocação, o menor preparo, o menor gosto pelo trabalho árduo de ministro do TCU".

    MÃOS VAZIAS

    As investigações no STF eram diversas - como a suspeita de que repassou, por meio de emenda parlamentar, R$ 500 mil para uma emissora de rádio arrendada pelo seu filho, Argello Júnior. Outro inquérito apurava movimentação suspeita em contas correntes, como um saque de R$ 800 mil feito pela sua mulher.

    A Folha também revelou que Argello havia feito lobby na AGU (Advocacia-Geral da União) para diminuir uma multa imposta pelo TCU contra o senador cassado Luiz Estevão por supostos desvios na construção do fórum trabalhista de São Paulo, um dos maiores escândalos do Judiciário nos anos 90. Na época, Argello negou todas as irregularidades. Por fim, anunciou sua recusa em aceitar uma indicação formal do Planalto.

    Argello sofreu um novo baque em 2014, quando se lançou e foi derrotado ao Senado em uma coligação do PTB com PR, DEM, PRTB e PMN. Foi nessa campanha eleitoral que, segundo as investigações da Lava Jato, Argello aceitou receber R$ 5 milhões de empreiteiras e repassar o dinheiro para os candidatos e partidos que o apoiavam.

    O político acabou o ano de 2014 sem se tornar senador e sem a vaga no TCU - que foi assumida exatamente pelo seu colega na CPI da Petrobras, Vital do Rêgo.

    Em nota divulgada à imprensa nesta terça-feira (12), a assessoria de Argello afirmou que sua família "manifesta sua indignação com a prisão preventiva" do ex-senador.

    Segundo a nota, Argello "vive em Brasília há mais de 50 anos, onde tem residência fixa e conhecida". "Ao longo de toda a investigação, sempre colaborou com a Polícia Federal sem nunca se opor a prestar esclarecimentos ou informações. Sua prisão, baseada apenas em denúncias não confirmadas, é injustificada sob qualquer ótica."

    28ª fase da Lava Jato - Operação Vitoria de Pirro

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