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    o impeachment

    Amigos fazem churrascos e celebram votos como gols em Copa do Mundo

    DE SÃO PAULO
    DA EDITORIA DE TREINAMENTO

    18/04/2016 02h00

    Raquel Cunha/Folhapress
    Estudantes da FGV e da Usp se reúnem em casa para acompanhar a votação na Câmara dos Deputados
    Estudantes da FGV e da Usp se reúnem em casa para acompanhar a votação na Câmara dos Deputados

    "Se o deputado cita a família, vai votar 'sim' ao impeachment", observa Marcelo Bueno, 19, estudante de administração pública, enquanto assiste à votação da Câmara num churrasco com amigos.

    A partir dos discursos repletos de homenagens a pais, filhos e netos, eles tentam adivinhar o voto dos parlamentares. Neste domingo (17), 367 deles apoiaram o impedimento da presidente Dilma Rousseff (PT), enviando o processo ao Senado, que definirá se ela será afastada do cargo.

    Aos deputados que evocavam a democracia em suas falas, os amigos favoráveis ao impeachment reagiam: "Pode chamar o próximo!".

    Dez quilos de carne e nove fardos de cerveja foram comprados para acompanhar a votação na casa de Gustavo Peres, 19, estudante de gestão de políticas públicas na USP e morador do Brooklin, bairro nobre da zona sul de SP.

    No início da votação, os 11 amigos fazem um bolão. O palpite mais modesto aposta em 350 votos a favor da continuidade do processo.

    Só uma "intrusa" no grupo, Gabriela Zaina, 26, engenheira eletricista, é contrária ao impeachment. "Acho que não teve crime de responsabilidade. Dilma fez algo que outros governantes fizeram."

    Com o 342º voto decisivo para o impeachment, os estudantes cantam "chora petista, bolivariano, a roubalheira do PT tá acabando" em frente à TV de 42 polegadas.

    Enquanto isso, em uma república no Butantã (zona oeste de São Paulo), seis amigos contrários ao afastamento lamentam a decisão. "Estou assustada", diz a professora Isabel Furlan Jorge, 26, uma das convidadas do churrasco promovido pelo antropólogo Diogo Maciel, 26, e pelo sociólogo Max Gimenes, 28.

    Na TV, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pede "respeito ao Brasil" no início da votação. "Ele pedindo isso é ridículo", diz, indignado, Danilo Lucena, 29, professor de ensino médio.

    À medida que os votos são computados, as fotos dos deputados na Folha, onde sua intenção de voto está registrada, são riscadas das páginas do jornal, que passa de mão em mão. Os amigos acompanham enquanto conversam sobre o historiador Sérgio Buarque de Holanda e a série "Game of Thrones".

    "Será que o Lula é o Ned Stark?", pergunta Thiago Sereno, 27, mestrando em sociologia, referindo-se a um personagem acusado de traição.

    Os amigos se abraçam e comemoram "nãos" e abstenções, como se celebrando um gol do Brasil. Já imaginavam, porém, que o placar repetiria outra derrota por 7 a 1.

    Raquel Cunha/Folhapress
    O consultor Joao Antonio Calixto, 57 (camisa cinza) conversa com o filho Arthur Calixto, 24, advogado, antes do início da votação na Câmara dos Deputados
    O consultor Joao Antonio Calixto, 57 (camisa cinza) conversa com o filho Arthur Calixto, 24, advogado, antes do início da votação na Câmara dos Deputados

    VARANDA GOURMET

    Na casa da família Calixto, na Mooca (zona leste), são "todos contra o golpe". "Menos o churrasqueiro e meu cunhado", diz Elisa Andreoni, 52, juíza do Trabalho, referindo-se ao marido, João Antônio Calixto, 57, consultor em TI, e a seu irmão.

    São 11 parentes reunidos para o churrasco na varanda gourmet do apartamento –desde Alcindo Andreoni, 80, "o petista mais roxo da família" e pai de Elisa, até Bruno Sarmento, 12, sobrinho do casal. As discussões são acirradas, mas não fora da normalidade, segundo o advogado Arthur Calixto, 24, filho de Elisa e João Antônio. "A gente já vem discutindo o impeachment há muitos churrascos."

    Diante do resultado, Elisa lamenta –"desrespeitaram a população e isso é muito perigoso"–, enquanto João Antonio diz ficar satisfeito com o resultado, mas não comemora. "Vai resolver a situação do país? Não vai. Mas não podíamos ficar parados."

    Num boteco de esquina no Itaim, na zona sul, fogos de artifício são lançados ao céu em duas ocasiões: quando o pleito começa, às 17h46, e quando o Vasco vence o Fluminense, pouco depois.

    O carioca que dispara os explosivos é o empresário Manuel Fernando Gomez, 68. No bar, uma TV está ligada no jogo; outra mostra a figura de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara. "Ele não está nem aí quando chamam ele de ladrão. Faz cara de 'já escutei isso antes'", brinca Gomez.

    Ele e os amigos, frequentadores do bar há "40 anos", se reuniam lá para torcer pelo impeachment de Dilma.

    "Vai ser de lavada", previa no início da tarde o administrador José Moraes, 65, recém-chegado da av. Paulista, onde havia ido se manifestar. Ele mostra foto da neta na avenida segurando um boneco de um ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva presidiário: "Tá mocinha, né?".

    Votos favoráveis são recebidos como gols– "abrimos vantagem", diz Gomez. E logo: "é duro, é muito voto".

    "Tem deputado que eu nunca vi na vida", observa o médico Edouard Tannous, 66, que, nervoso, assistia ao processo no balcão do bar.

    (ANA LUIZA ALBUQUERQUE, ANTONIO C. DOMINGUEZ, CAROLINA MUNIZ, GUILHERME ZOCCHIO, JULIANA GRAGNANI, RODRIGO MENEGAT)

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