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    passado adiante

    Entenda como período estável terminou em impeachment

    VINICIUS TORRES FREIRE
    COLUNISTA DA FOLHA

    12/05/2016 11h33

    Por que Dilma Rousseff caiu? Nas redes sociais e fora delas, quase todas as partes do debate se insultam e muitas parecem ter alguma razão.

    Não é trivial entender como os 20 anos de paz relativa de 1994 a 2013 terminaram de modo tão traumático.

    Do período de maior estabilidade econômica e política da República passou-se ao transbordamento de ódio sociopolítico, à maior recessão registrada da história, a degradação e contorcionismos institucionais e, enfim, a
    uma campanha de deposição de uma presidente recém-empossada.

    Apenas para relembrar, seguem algumas das teses sobre o desastre, nem todas excludentes ou coerentes.

    ESPECIAL IMPEACHMENT

    Houve crise econômica profunda. Campanhas conservadoras contra os governos do PT. Evidências maciças de corrupção do governismo. Revolta com o estelionato eleitoral; com a inépcia geral do governo.

    Houve intolerância odienta com a ascensão social e fricções de status, apesar de ganhos de renda gerais até 2013: o "Grande Ódio", que teve parte na origem de Junho de 2013, quando se abriu de vez a porteira do extremismo e do tumulto políticos.

    Houve incapacidade presidencial de lidar com o sistema político. Golpe político de derrotados em 2014. Anos de impopularidade recorde e de apodrecimento do sistema político fisiológico.

    Talvez um cidadão de humores políticos menos quentes pusesse mais ou menos de cada um desses ingredientes no seu bolo de causas, causas que, porém, têm significados confusos. Além do mais, como se combinaram para produzir a desgraça?

    Considere-se aqui apenas a "causa econômica".

    Evolução da economia

    ESTELIONATO

    As grandes manifestações contra o governo e as campanhas sistemáticas do impeachment começam em março do ano passado.

    Não parece razoável acreditar que os efeitos cotidianos da recessão tenham se tornado maciços entre o fim de 2014 e março de 2015, nem então houve indignação extra com a corrupção. No entanto, foi aí que o prestígio presidencial desabou (de 42% de notas ótimo/bom para 13%, segundo o Datafolha).

    As campanhas contra o governo foram, claro, estimuladas pela baixa rápida do prestígio presidencial.

    Enquanto a população tomava ciência do estelionato eleitoral, ocorria um colapso raro dos índices econômicos de confiança do consumidor, associado, como quase de costume, à ruína da avaliação do governante.

    Na média nacional, a renda do trabalho começara a ratear bem antes, em meados de 2014. O crescimento da renda passa a então a flutuar de modo errático, entre um pouco negativo e até bons 2% de alta, até setembro de 2015, quando entra em tendência de queda.

    Mas, até agosto de 2015, o número de pessoas empregadas ainda crescia, embora em ritmo cada vez mais lento.

    A situação nas maiores metrópoles, politicamente mais vocais, piorava mais rápido e havia mais tempo do que na média do país.

    Em suma, o mal-estar econômico real do início de 2015 não era muito diferente daquele que se sentia no ambiente que, enfim, permitiu a reeleição de Dilma Rousseff.

    É provável que o afundamento econômico de 2015 tenha contribuído para que a maré de rejeição à presidente tenha se tornado irreversível. Ainda assim, a rapidez do colapso da economia surpreendeu economistas.

    É provável que, sem o imenso e raro choque de confiança no início de 2015, o desabamento econômico não fosse tão súbito e tremendo.

    Em suma, a crise que vinha borbulhando, cozinhada pelo menos desde 2013, levantou fervura no início de 2015 devido ao colapso da confiança provocado pelo estelionato eleitoral, que logo ofereceu oportunidades para o tumulto político que se seguiu a partir de março.

    Por que o estelionato?

    PT no poder

    O DIABO DE 2014

    Para o o grosso dos economistas, a crise que transbordou em 2014-2015 estava marcada para acontecer fazia tempo, desde quando as despesas do governo aumentam sistemática ou estruturalmente além do crescimento do tamanho da economia, do PIB.

    Desde quando? Desde 2009, 2006, 1994 ou do 1988 da Constituição, a depender do gosto e do argumento do freguês.

    No entanto, os governos de 1999 a 2011 conseguiam manter as contas e a dívida pública doméstica sob algum controle; 2012 e 2013 ainda estão sub judice. Em 2014, há uma redução a zero do superavit primário (receitas menos despesas, afora gastos com juros), para nem mencionar pedaladas.

    O superavit primário fora de cerca de 2% do PIB nos anos Lula, em média. Baixou a 1,4% do PIB em 2013. Mesmo com a receita de impostos crescendo 4% reais até outubro, o governo entrou no vermelho, -0,3% do PIB, em 2014, marca inédita desde 1997. Houve aumento deliberado do deficit.

    O ano também seria de estagnação do PIB, de recessão do PIB per capita. A crise borbulhava desde antes. O investimento em novos equipamentos e instalações produtivas caía desde meados de 2013. A indústria praticamente estagnara desde 2010, flutuando em torno do nível de produção daquele ano.

    VIRADA À DIREITA

    Não cabe aqui discutir se Dilma poderia ter evitado a "virada para a direita" de sua política econômica, como ainda argumentam os adeptos ou certos críticos de esquerda da presidente.

    Mas decerto a decisão de implantar um programa de controle de gastos, talvez de mudanças ditas ortodoxas, foi explicitamente tomada devido à penúria do caixa do governo e à piora aguda de outros indicadores financeiros, dado o descrédito das contas públicas e da economia.

    Os motivos da baixa econômica a partir de 2012 renderão algumas décadas de teses. Houve endividamento excessivo de governo e estatais, intervenção no sistema de preços, investimentos maciços em empreendimentos de retorno negativo, descaso com contratos, alta de custos para empresas, inflação geral etc.

    Mas há evidências menos controversas. As taxas de juros subiram. A taxa de retorno das empresas caía, com custos em alta, salários inclusive. O baixo crescimento mundial contribuiu para a pasmaceira, mas países tão sujeitos quanto o Brasil ao tumulto externo cresceram muito mais entre 2011 e 2014. Os efeitos da ruína da Petrobras e da Lava Jato, foram enormes, mas na maior parte a partir do fim de 2014.

    Mesmo nesta versão da história, muito amena para o governo Dilma Rousseff, a crise foi gestada ou mal administrada pelo menos entre 2012 e 2014. Há fatores exóticos, exógenos: além de explicitar divisões sociais e políticas odientas, o tumulto iniciado em Junho de 2013 colaborou para derrubar a confiança econômica.

    A reação ao monturo de problemas criado nesse período foi o estelionato eleitoral da reeleição, na forma de um plano a princípio dito "ortodoxo" de reforma econômica. Afora reajustes de preços essenciais e contenção emergencial de gastos, o plano não seria implementado, o que
    ficou evidente entre julho e agosto de 2015, fracasso devido em boa parte à oposição de membros do governo e do PT.

    Entre julho e agosto, o PMDB também começaria a conspirar contra o governo. As decisões de abandonar o plano de controle de gastos e de mínimas reformas provocaram os quase colapsos financeiros de agosto e setembro, com altas agudas de juros e do dólar. Parte importante da elite econômica, que ainda apoiava a presidente, então abandona o governo ou lava as mãos.

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