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    passado adiante

    Com cortes de gastos e cargos, Temer vai pedir voto de confiança

    DANIELA LIMA
    VALDO CRUZ
    DE BRASÍLIA

    13/05/2016 02h00

    Talvez Eduardo Cunha não saiba, mas foi ele o principal motor da decisão de Michel Temer de colocar um freio nas negociações de cargos com partidos aliados e retomar o plano de implementar um corte no número de ministérios de seu futuro governo.

    Já era noite quando, naquela quarta-feira (4), o ainda presidente da Câmara entrou no Palácio do Jaburu.

    Cunha queria convencer Temer a entregar o Ministério da Previdência a um bloco de partidos nanicos em troca do apoio ao novo governo na Câmara. O vice não gostou do tom do aliado, pediu que ele não falasse alto dentro de sua casa e disse que não topava aquela negociação.

    ESPECIAL IMPEACHMENT

    Cunha rebateu. Ressaltou que ele próprio havia garantido o acerto. Temer fez uma tréplica: em tom duro, disse que acordo, ali, só chancelado por ele. Fim de papo.

    Cunha nega que tenha tido qualquer discussão. No dia seguinte, amanheceu com um oficial de Justiça à porta de casa e a notícia de que havia sido afastado do cargo e do mandato. Temer, por sua vez, despertou incomodado. Já antevia as críticas da imprensa e de aliados ao "toma lá, dá cá" que havia se instaurado no Jaburu.

    Permitiu-se uma confidência a um aliado: se fosse para ser presidente daquele jeito, melhor não ser.

    O resultado do impasse com Cunha colocou fim a um processo errático, no qual Temer titubeou diversas vezes entre manter o aceno público de austeridade que havia feito inicialmente ou dar vazão à negociação em troca de uma base parlamentar folgada no Congresso.

    A dificuldade do vice em decidir, garantem seus melhores amigos e principais aliados, é um traço de sua personalidade. Temer não é dado a arroubos. Sua experiência no Parlamento e à frente do PMDB acabou deixando-o talhado a ouvir.

    A preferência histórica pela negociação ao confronto sempre foi vista como uma qualidade, mas é hoje o cartão de visitas do que é visto como o seu maior desafio no Palácio do Planalto: conviver com a solidão do poder.

    É consenso que a dificuldade em manter posição sem ceder à contemporização acabou levando o peemedebista a cometer o seu primeiro tropeço antes mesmo de assumir o governo.

    Nas últimas semanas, Temer protagonizou um verdadeiro vaivém. Primeiro, prometeu uma redução drástica na máquina pública e a nomeação de notáveis.

    Com a aprovação do impeachment de Dilma Rousseff na Câmara, começou a rever sua posição, negociando espaços com partidos que abandonaram a petista às vésperas da votação para viabilizar o afastamento.

    Dias depois, já admitia que o corte não seria o imaginado –poderia se restringir a três pastas. Por fim, decidiu que nem sequer anunciaria o enxugamento quando tomasse posse. A profusão de nomes para os mais variados espaços ampliou o clima de decepção e despertou críticas mesmo entre os aliados mais antigos de Temer.

    O sinal de alerta tocou quando Temer acenou com a indicação do bispo licenciado da Universal e presidente do PRB, Marcos Pereira, para o Ministério da Ciência e Tecnologia.

    Ali começou a se cristalizar a sensação de que ele corria o risco de "ser mais do mesmo" e gerar uma grande decepção na largada.

    Na visão de um amigo, um caminho perigoso para quem chega sem votos e precisa atender a voz das ruas.

    AMARGURA E IRRITAÇÃO

    Amargurado com as críticas e irritado com Cunha, Temer decidiu se isolar em sua casa, em São Paulo, no último fim de semana, para reavaliar todo o quadro.

    Recebeu pesquisas e relatos de que estava, de saída, se mostrando aquém das expectativas. Fez a ponderação de que seria impossível acenar para o Congresso e para a sociedade ao mesmo tempo. No sábado avisou que iria cancelar parte das negociações feitas até ali.

    "Está me custando muito caro. Se não der para fazer do melhor jeito, não vamos fazer", afirmou o peemedebista. Temer concluiu que, se apostasse todas as fichas no Congresso sem popularidade e lastro social, se tornaria um refém permanente dos deputados e senadores.
    Mudou de estratégia e optou por arriscar-se a desagradar a parte dos neoaliados agora em vez de enfrentar a insatisfação social já de saída.

    "Há uma diferença grande entre o impeachment de Fernando Collor [em 1992] e o de Dilma", reflete Moreira Franco, amigo e aliado de Temer. "No de Collor, as pessoas tinham uma só demanda, que era tirá-lo. Agora, querem o 'fora Dilma', o combate à corrupção e a eficiência da máquina pública."

    Moreira defende Temer das críticas sobre seu processo decisório. "Poder não é mandar. Poder é ser obedecido. Ninguém segue arrogância, segue decisões sábias. Ele é uma pessoa prudente, cautelosa. Não é impulsivo."

    Na tentativa de ganhar um voto de confiança, Temer pretende, uma vez no Planalto, anunciar toda sua equipe de ministros, com dez pastas a menos do que a estrutura deixada por Dilma.

    Para além do impeachment

    DISCURSO AO PAÍS

    Pretende fazer um pronunciamento, defender a Operação Lava Jato, prometer mudança de rumos e um voto de confiança do povo. Acenará com o corte de cargos e gastos para dizer que a população não será a única a fazer sacrifícios.

    O peemedebista inicia a gestão, no entanto, expondo as fragilidades de seu discurso.

    A que mais preocupa seu entorno é a aposta em nomes da Esplanada dos Ministérios que estão envolvidos na Lava Jato, como Romero Jucá, titular do Planejamento, e Henrique Eduardo Alves, que chefiará o Turismo.

    Seus aliados já anteveem uma investida da imprensa e dos investigadores sobre o novo ministério. Esperam que, mesmo pressionado, Temer banque as suas opções.

    Em resumo, afirmam: Temer precisa entender que agora é presidente da República e atingiu um novo estágio na sua carreira política.

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