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    Sistema brasileiro fracassou, diz editor de revista sobre política externa

    RAUL JUSTE LORES
    DE SÃO PAULO

    22/05/2016 02h00

    Na continuação da entrevista à Folha sobre o governo interino de Michel Temer (PMDB) e o recente afastamento da presidente Dilma Rousseff (PT), David Rothkopf, editor-chefe e publisher da revista americana Foreign Policy, de Washington, diz que recuperação econômica sozinha, sem um combate à corrupção em todos os níveis, não trará a estabilidade "que o Brasil e Temer precisam".

    Folha - O sr. escreveu que o sistema político brasileiro sofre um "enorme fracasso". Como reconstruí-lo?
    David Rothkopf - Veja quantos membros da elite política brasileira estão sob suspeita ou algo pior. É um fracasso do sistema inteiro. Quem se preocupa com o Brasil vai demandar que juízes e promotores independentes apurem e que novos mecanismos e leis anticorrupção sejam estabelecidas.

    É um momento crucial na história brasileira. É uma encruzilhada. De um lado, vocês fazem uma reforma para valer. Do outro, um declínio acentuado, uma reputação destruída e um status de república bananeira.*

    Divulgação
    Entrevista David Rothkopf
    David Rothkopf, publisher e editor-chefe da revista norte-americana de geopolítica "Foreign Policy"

    Se a economia melhorar de fato, o sr. acha que Temer fará mesmo alguma grande reforma política? Ou vai adiá-la?
    A recuperação econômica sozinha não trará a estabilidade que Temer ou o Brasil precisam. Até a corrupção ser debelada do sistema político, o Brasil correrá riscos de mais retrocessos por culpa de novos escândalos.

    O sr. já se manifestou pessimista também com o governo Temer.
    Não só ele está sob uma nuvem de suspeitas, mas tantos membros do Congresso estão que parece que mais caos, batalhas políticas e paralisia absoluta são muito prováveis.

    Se ele é culpado de quaisquer dos crimes que ele é acusado, ele deveria renunciar. Porque se ele não faz isso e também é removido do cargo, seria uma catástrofe para o Brasil e para a democracia brasileira.

    Se ele não é culpado, então ele deveria seguir uma agenda simples focada na recuperação econômica e particularmente no bem estar dos mais pobres, que são os que mais sofrem com a recessão, enquanto permite a atores independentes a combater a corrupção em todos os níveis. Investigações, leis e reformas que combatam de fato esse mal. Só com um esforço intensivo ele pode ganhar alguma credibilidade real.

    O sr. criticou a ausência de mulheres no ministério.
    Estamos em 2016! Dizer que convidou duas mulheres e elas recusaram não pode ser desculpa em um país de 200 milhões de habitantes. Ele podia escolher entre 100 milhões. Um ministério só de homens não sinaliza falta de sensibilidade. É um sinal de machismo excludente e de desrespeito à maioria da população. É um começo muito pobre.

    Muito se fala nos EUA sobre o combate aos monopólios e à corrupção de grandes grupos econômicos no governo de Theodore Roosevelt. Alguma lição para o Brasil?
    Theodore Roosevelt implementou reformas muito significativas contra monopólios que ajudaram a lutar contra um tipo de corrupção americana. Hoje, o dinheiro na política americana é igualmente uma forma perniciosa de corrupção e muito pouco tem sido feito para corrigir isso efetivamente, ainda que [o candidato democrata] Bernie Sanders tenha falado disso durante a campanha. Eu não diria que os EUA estejam acima de críticas.

    Mas temos princípios básicos de prestação de contas, transparência, independência jurídica, entre outros, que precisam ser aderidos. Como alguém de fora, quero notar que sou de um país com muita corrupção também, os Estados Unidos. Corrupção é um enorme problema no mundo inteiro. Mas não é desculpa para o que aconteceu no Brasil. O povo foi ludibriado, a recuperação do Brasil descarrilou, é uma tragédia para um país com tanto potencial e orgulho.

    Quem for culpado aí precisa ser punido em toda a extensão da lei, um recado de que todas as outras leis precisam ser respeitadas.

    -

    Raio-x - David Rothkopf

    • Idade: 60 anos
    • Formação: graduou-se em Jornalismo na Universidade Columbia
    • Especialidade: política externa, tendo publicado livros sobre o tema
    • Cargo: é publisher e editor-chefe da revista norte-americana "Foreign Policy"
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