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    novo governo

    Degradada e com dívida, moradia de Temer estudante busca sobreviver

    CAROLINA LINHARES
    DE SÃO PAULO

    27/05/2016 02h00 - Atualizado às 15h05

    Luiz Carlos Murauskas/Folhapress
    SAO PAULO, SP, BRASIL, 24-05-2016 09h22: * Pedro Joao Barbosa, 52, porteiro. O predio da Av. Sao Joao, 2044, que abriga estudantes da Sao Francisco. Temer morou ali quando era estudante. O predio esta precisando de reformas e deve ir a leilao por dividas. ( Foto: Luiz Carlos Murauskas/Folhapress, PODER ) ***RESTRICAO***
    Pedro João Barbosa, 52, porteiro da Casa do Estudante, onde Temer morou quando estudava na USP

    Outrora lar do presidente interino Michel Temer e hoje residência de cerca de 65 alunos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, além de agregados, a histórica Casa do Estudante, inaugurada em 1947, correu pela primeira vez o risco de extinguir-se.

    Desde que perdeu a isenção do IPTU, na década de 1980, a casa nunca mais pagou o tributo, gerando uma dívida de R$ 370 mil, que é cobrada pela Prefeitura de São Paulo em 16 processos distintos. Um deles, referente ao ano de 2001, levou o edifício de 11 andares, na avenida São João, centro de São Paulo, a ser penhorado. O leilão estava marcado para segunda-feira (30).

    A propriedade da residência é do Centro Acadêmico 11 de Agosto, que a financia com um repasse de R$ 4.000 por mês para pagar contas de água e luz. Além disso, a casa aluga a parte térrea a duas lojas de conserto de eletrodomésticos.

    Para impedir a venda do prédio, a entidade concordou em depositar cerca de R$ 8.000 como garantia. Na terça (24), o leilão foi suspenso.

    Quando Temer morou ali, de 1959 a 1964, a casa não tinha o caráter social de hoje e hospedava estudantes de classe média vindos de outras cidades. Atualmente, os moradores também são de fora da capital, mas, sem renda suficiente, se abrigam no edifício ao custo de R$ 50 por mês.

    A elegância dos alunos que saem do prédio vestidos com roupa social contrasta com as paredes e tetos corroídos à espera de uma reforma. A mais recente, da parte elétrica, começou em 2008 e ainda depende do pagamento de uma última parcela para ser concluída.

    "É lamentável que a casa tenha chegado a essa situação. Eu acho que deveríamos até lançar uma campanha para que todos aqueles que por ali passamos pudéssemos de alguma forma colaborar para que ela ressurgisse", diz o advogado Homar Cais, ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que dividiu apartamento com Temer durante toda a graduação e também depois, quando ambos deixaram a residência estudantil e foram morar na rua Antônio Carlos.

    Além de Cais e Temer, o apartamento 82 era lar do criminalista Ralph Tórtima e do advogado Luiz Chinaglia. Morasse ali hoje, o presidente interino se depararia todos os dias com os adesivos de "Fora, Temer" e de apoio à presidente afastada Dilma Rousseff que enfeitam a porta do vizinho 81.

    Quem atende é a estudante de geografia Suelen Cristina, 22, que divide o quarto com o namorado, ele sim aluno da São Francisco. "Consideramos que foi um golpe", diz.

    Na residência, a corrente majoritária é contrária ao impeachment ou prega a renovação de toda a classe política. Apoio ao governo Temer só em casos isolados.

    De fato, na porta da cozinha comunitária, acima das regras para o uso do local, se vê outro adesivo "Fora, Temer". Já no décimo andar, na porta de um dos dois elevadores, resiste riscado de caneta azul um "Vá embora PT".

    Foi justo na residência, e também no pátio da faculdade, que Temer voltou-se para a política. "Fazíamos política na Casa do Estudante. Mais política do que aula", lembra Tórtima, que foi vice de Temer na corrida pela presidência do centro acadêmico em 1962.

    Temer, que era do Partido Acadêmico Independente, de tendência de centro, acabou perdendo a disputa. Ainda quando calouro, porém, foi eleito segundo tesoureiro da entidade.

    "Ele não se despontava entre os melhores alunos. Gostava mesmo era de fazer política, de frequentar os ambientes intelectuais, cinema, teatro", afirma Cais.

    Luiz Carlos Murauskas/Folhapress
    Suelen Cristina, 22, mostra adesivos de apoio a Dilma em apartamento vizinho ao que fora de Temer
    Suelen Cristina, 22, mostra adesivos de apoio a Dilma em apartamento vizinho ao que fora de Temer

    LENDA URBANA

    Antes de Temer, três de seus sete irmãos passaram pela São Francisco e pela Casa do Estudante —Elias (turma de 1961), Adib (1959) e Fued (1951). "Adib e Elias eram mais alegres. E tinha o Fued, que era o grande exemplo do Michel. O Fued era elegante, delicado nos gestos, no falar", diz Cais.

    Segundo ele, Elias foi diretor da Casa do Estudante na época em que moraram lá. Hoje o cargo é de Richard Souza, 20, para quem Temer é quase uma lenda urbana da residência.

    "Na verdade, os moradores não ligam muito, não há um orgulho especial por ele ter morado aqui. Para as pessoas, a importância da casa é agora. Para muitos, é a única oportunidade de fazer a graduação", afirma.
    Há mais de dez anos, o centro tenta recuperar a isenção do IPTU por meio de um processo administrativo na prefeitura.

    Em 2014, o pedido foi rejeitado pela prefeitura, que também não aceitou o recurso contra a decisão no ano seguinte. O órgão afirma que o centro "não se enquadra nas atividades assistenciais ou educacionais" previstas na Constituição Federal, "bem como não demonstrou o cumprimento dos requisitos previstos no artigo 14 do Código Tributário Nacional".

    O código exige, por exemplo, que a entidade isenta mantenha "escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão". Boa parte da contabilidade do 11 de Agosto, porém, perdeu-se no tempo.

    "Estamos tomando todas as medidas cabíveis para anular qualquer tentativa de atingir o já frágil acesso à permanência estudantil em nossa faculdade", afirma Carlos Herculano, 18, um dos tesoureiros do centro acadêmico.

    A prefeitura, no entanto, ressalta que os tributos devem ser cobrados de acordo com a lei "não havendo qualquer possibilidade em, extrapolando o mandamento constitucional e legal, adotar interpretações extensivas de forma pontual".

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