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    Brasil faz com que a campanha nos EUA pareça boa, diz cientista político

    MARCELO NINIO
    DE WASHINGTON

    31/05/2016 02h00 - Atualizado às 22h40

    Divulgação
    Ian Bremmer, da Eurasia. Foto: Divulgação
    O cientista político Ian Bremmer, fundador da Eurasia

    Embora a tese do golpe não tenha colado aos olhos do mundo, ainda levará um tempo até que a estabilidade seja restaurada no Brasil e os investidores estrangeiros voltem a se sentir confortáveis em aplicar no país.

    Essa é a previsão do cientista político Ian Bremmer, fundador e presidente da Eurasia, principal consultoria de risco político dos EUA. No início do ano, a Eurasia incluiu o Brasil entre os dez maiores riscos geopolíticos do mundo em 2016, e Bremmer acha que a avaliação se sustenta depois do afastamento da presidente Dilma Rousseff.

    A estranheza causada no mundo pela política brasileira faz o extravagante Donald Trump parecer um "presbiteriano", diz ele. Em entrevista à Folha, ele explicou porque só dá 25% de chances de Trump chegar à Casa Branca e nota 7 ao legado do presidente Barack Obama em política externa. Leia trechos da entrevista.

    *

    Folha - Por que o Brasil foi incluído entre os riscos de 2016, numa lista que também tem ameaças como o grupo terrorista Estado Islâmico?
    Ian Bremmer - Quando fizemos a lista estava claro que a Lava Jato iria continuar, que seria o maior escândalo político no Brasil desde o regime militar e que ele se desenrolava num ambiente econômico cada vez mais desafiador. Se soubéssemos do vírus da zika teríamos aumentado o risco Brasil. É bom lembrar que o Brasil não estava entre os maiores riscos [número 8]. Mas teria sido irresponsável não incluir o Brasil na lista.

    O afastamento da presidente altera a avaliação?
    Bem, um dos principais ministros [do gabinete interino] foi afastado depois de pouco mais de dez dias no cargo. Ainda não saímos da floresta. O maior risco para Temer sem dúvida é a Lava Jato. Mas acredito que depois de se livrar de Dilma Rousseff e com um novo regime, muita gente vai apoiar Temer e sua agenda de reformas macroeconômicas e fiscais, inclusive no Congresso. Há uma chance de melhora na trajetória nos próximos meses.

    A crise gerou uma guerra de narrativas. De um lado a presidente insiste que foi vítima de um golpe, enquanto os defensores do impeachment afirmam que o processo é legítimo. Qual das duas venceu no exterior?
    A narrativa do golpe não colou. Alguns dos pronunciamentos feitos contra Dilma Rousseff na votação do impeachment foram obviamente meio farsescos. Mas muitas afirmações de legisladores ao redor do mundo devem ser encarados com um grão de sal e nos EUA temos a nossa parcela de constrangimento. Uma das grandes façanhas do Brasil foi fazer com que as eleições americanas pareçam boas.

    Até a mulher de Temer faz Trump parecer um presbiteriano. Melania [Trump] não tem o nome do marido tatuado na nuca. O americano e o europeu médios olham para o Brasil e veem um grande escândalo, mas também que o país está trabalhando para superá-lo. Ninguém acredita seriamente que houve um golpe.

    O afastamento da presidente restaura a confiança dos investidores estrangeiros no Brasil?
    A crise é muito feia, são dois anos de uma recessão severa. Mas acredito que com o tempo o sentimento dos investidores vai mudar. É muito cedo para dizer que isso ocorrerá agora, não sei se já chegamos ao ponto de inflexão para que as pessoas realmente se sintam confortáveis, porque o escândalo de corrupção tem efeitos imprevisíveis.

    A confiança poderia voltar com a permanência da presidente Dilma?
    Se ela não saísse, levaria mais tempo para que os escândalos se resolvessem e que a economia do Brasil se normalizasse. Nesse ponto seu afastamento ajudou, em termos de mercado. Não é por isso que era preciso se livrar dela, mas porque ela foi incapaz de administrar a derrocada política a partir de um escândalo extraordinário. Francamente, acho que teria sido melhor para todos se ela tivesse renunciado, mas é uma prerrogativa dela passar por esse período da forma como quiser.

    O governo Obama negou a tese de golpe contra a presidente Dilma. Como ficam as relações entre os dois países?
    Obama quer se concentrar mais em política externa enquanto caminha para o fim de seu mandato, sobretudo nos lugares onde pode deixar um legado. Não acho que ele realmente possa fazer algo nesse sentido com o Brasil. Ainda há muita incerteza no país e o governo [interino] está cercado demais de questionamentos, por isso não acho que haverá qualquer avanço significativo do Brasil com os EUA. E a América Latina não é uma prioridade para o governo americano.

    Qual o seu balanço do legado de Obama em política externa?
    As maiores conquistas: número um, o TPP [Parceria Transpacífico], que é transformador para o comércio multilateral. Não apenas solidifica as relações com os aliados americanos. É claro que o TPP não é um fao consumado. Se Trump vencer, acho que o acordo está morto.

    Número dois, o acordo com o Irã, que certamente é um sucesso, tanto no aspecto nuclear como para baixar os preços do petróleo e permitir que os americanos saiam de um dos conflitos mais complicados na região.

    Número três, a abertura com Cuba. Também acho que as relações com a América Latina e com a Ásia estão num lugar melhor do que quando ele assumiu.

    E no lado negativo?
    Em primeiro lugar Rússia e Ucrânia. O governo Obama errou a mão desesperadamente. Puniu a Rússia e não ajudou efetivamente a Ucrânia e isso acabou tendo um resultado de perda para todos, com exceção da China. A política de Obama para o Estado Islâmico, especificamente ao lidar com a Síria e não cumprir o ultimato [de agir em caso de uso de armas químicas], revelou uma estratégia ruim e desestabilizou as relações dos EUA com aliados na região, que está numa situação bem pior da que estava antes. A relação transatlântica é a mais fraca dos últimos 75 anos. Em parte é um problema interno da Europa, mas também se dá porque os europeus não veem os EUA como um aliado comprometido.

    Vemos isso com os britânicos se aproximando da China, os franceses se aproximando da Rússia, os alemães indo em direção da Turquia, porque sentem que não tem outra escolha. Houve uma falta de direção. A maioria dos americanos não sabe o que os EUA defendem e o mesmo ocorre com os aliados americanos. O presidente dos EUA deveria articular essa visão, algo que Obama não quis fazer. Em geral, eu diria que o legado será misto. Parte disso é culpa dele. Mas também se deve ao fato de estarmos entrando num mundo G-Zero [em que nenhuma potência ou bloco pode direcionar a agenda global]. Está mais difícil para os EUA liderarem. Mesmo um presidente nota 10 em politica externa teria problemas. E Obama é um presidente nota 7.

    No Top 10 de riscos vocês incluíram "líderes imprevisíveis", como o russo Vladimir Putin e o turco Recep Erdogan. Se fosse hoje, Trump estaria na lista?
    Essa é difícil. Ele não é um líder imprevisível da mesma forma que um Putin ou um Erdogan. Seria um erro colocar Trump na mesma categoria desses líderes do mundo emergente, que não tem mecanismos de freios e contrapesos como os EUA, e agem em estruturas democráticas frágeis ou autoritárias.

    Para começar, algumas de suas ideias são inconstitucionais, como barrar a entrada de muçulmanos. Mas se Obama como presidente enervou os aliados americanos porque eles não sabem o que os EUA defendem, com Trump presidente o nervosismo será maior, porque eles acharão que sabem o que os EUA defendem, que seria o unilateralismo, essa ideia da "América Primeiro", que na verdade foi um termo que eu criei para descrever a política do Trump. A ironia é que ele gostou e o adotou em sua campanha.

    Qual a previsão da Eurasia sobre as chances de Trump ser eleito?
    No momento damos 25%, o que é bastante baixo, em parte porque achamos que quando acontecer a Convenção Democrata a Hillary terá uma plataforma que colocará Bernie Sanders [senador que disputa com ela a candidatura do partido] a bordo e ele se tornará um grande advogado dela, especialmente entre os jovens que de outra forma não votariam nela. Embora os fatores negativos da Hillary sejam alarmantes, os do Trump são históricos.

    Continuo achando que é bastante improvável que Trump se torne presidente, mas ainda temos cinco meses até as eleições e isso pode mudar. Serão meses bem interessantes.

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