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    Feudo do PMDB, porto de Santos contrata advogado próximo à sigla

    CATIA SEABRA
    REYNALDO TUROLLO JR.
    RICARDO GALLO
    DE SÃO PAULO

    04/06/2016 02h00

    Ricardo Nogueira - 1º.dez.2010/Folhapress
    430901_1.tif. SANTOS, BRASIL, DINHEIRO, 01.12.2010 û Movimenta¸Òo de contineres no Porto de Santos û Pßtio da empresa Libra Terminais lotado de conteineres, em Santos, litoral sul de SÒo Paulo. (Foto: Ricardo Nogueira/Folhapress).###especial###
    Contêineres no porto de Santos, patio da empresa Libra

    Feudo do PMDB desde a década de 1990 e antiga área de influência do presidente interino, Michel Temer, a diretoria do porto de Santos selecionou sem licitação um escritório de advocacia com ligações próximas com o partido para arbitrar uma disputa com uma empresa privada.

    A comissão prevista para o escritório, de propriedade do advogado Nelson Wilians, é de ao menos R$ 23 milhões, ou 1% do valor da dívida, de R$ 2,3 bilhões.

    A empresa é a Libra, arrendatária de uma área do porto para operação de contêineres. Seus sócios doaram R$ 1 milhão diretamente para Temer na sua campanha para vice-presidente em 2014.

    Selecionado pela Codesp, administradora do porto, o escritório Nelson Wilians e Advogados Associados tem entre seus sócios militantes pró-impeachment da presidente Dilma Rousseff.

    Um avião do escritório chegou a ser usado para transportar o ator Alexandre Frota a Brasília no dia da votação do impeachment na Câmara. Dois advogados foram os autores de um pedido de impeachment protocolado por Frota na Câmara.

    Wilians esteve com Temer pelo menos duas vezes no Palácio do Jaburu em jantares. Também circula entre dirigentes nacionais do PMDB e tem parceria, no Rio Grande do Sul, com o advogado Robinson Eliseu Padilha, filho do ministro da Casa Civil de Temer, Eliseu Padilha.

    A seleção do escritório foi feita em março pela diretoria da Codesp. A efetivação do contrato depende agora de aval do Conselho Administrativo da companhia.

    O presidente da Codesp, José Alex de Oliva, foi indicado ao cargo em novembro pelo deputado peemedebista José Priante (PA). A nomeação aconteceu em um momento em que Dilma acomodava peemedebistas numa tentativa de deter seu impeachment. Priante, porém, votou pelo seu afastamento.

    O QUE DIZ A LEI

    A contratação do escritório sem licitação é controversa. A lei 8.666/93 admite que isso aconteça em casos de serviços especializados.

    Para o especialista em direito administrativo e professor da PUC-SP Rafael Valim, a inexigibilidade de licitação se aplica a casos de grande complexidade técnica –o que é polêmico, pois é difícil estabelecer parâmetros objetivos para isso. Falando genericamente, Valim disse que o processo de escolha precisa ser transparente. A direção da Codesp não quis informar quais outros escritórios também foram analisados.

    "O valor [pago pela causa] tem que ser razoável. O que me parece que pode acontecer é questionar a proporcionalidade e a razoabilidade do valor", disse Rodrigo Pironti, outro especialista no tema.

    A arbitragem de dívidas no setor portuário passou a ser prevista em lei em 2013. Temer empenhou-se pessoalmente pela mudança.

    A modalidade autoriza a União a abrir mão da cobrança de dívidas na Justiça e buscar na negociação uma saída.

    A mudança na lei, regulamentada em 2015 por decreto, beneficiou particularmente a Libra. Pela área no porto, a firma deveria pagar um valor mensal à União, mas há mais de 15 anos contesta a quantia e só paga uma parte.

    Isso gerou um passivo estimado por funcionários da Codesp em R$ 2,3 bilhões –a maior dívida portuária do país. Com um termo de compromisso arbitral firmado entre a Libra e a Codesp em setembro, a empresa pôde prorrogar seus contratos para explorar a área no porto até 2035.

    O ex-ministro dos Portos Edinho Araújo (PMDB), amigo de Temer, foi quem autorizou, em 2015, a arbitragem da Libra.

    OUTRO LADO

    O presidente da Codesp, José Alex de Oliva, afirmou que o escritório Nelson Wilians e Advogados Associados foi regularmente escolhido para o processo de arbitragem, sem licitação, obedecendo os trâmites internos da companhia.

    "Como é que você faz uma concorrência de escritório? Tem 200 mil escritórios de advocacia. Houve uma seleção de escritório que tenha estatura, postura, notório conhecimento para se contrapor ao escritório que já foi contratado pela Libra", disse.

    Oliva disse ainda que outros quatro escritórios foram analisados, mas acabaram preteridos. Ele não quis informar quais foram.

    "Eu não posso divulgar isso, é de foro interno, de gestão da empresa. Se não, daqui a pouco eu saio da cadeira e boto vocês [jornalistas] aqui para administrar. Não é concorrência, é escolha", declarou o presidente.

    A assessoria do presidente interino, Michel Temer, afirmou que ele não é amigo do advogado Nelson Wilians e que nem se recorda dele.

    Ainda segundo a assessoria, Temer não tem ligações com a Libra. As doações feitas por sócios da empresa à campanha do vice em 2014 acabaram transferidas para outros candidatos, informou.

    Wilians disse que seu escritório é apolítico e que repreendeu um de seus sócios por ter usado seu avião para levar o ator Alexandre Frota a um protesto em Brasília.

    Segundo ele, uma advogada de seu escritório especialista em arbitragens cuidou do processo junto à Codesp, sem a participação dele.

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