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    ENTREVISTA

    Para advogado de Lula, Moro tornou-se um 'juiz acusador'

    FLÁVIO FERREIRA
    DE SÃO PAULO

    22/07/2016 02h00

    O criminalista Cristiano Zanin, advogado do ex-presidente Lula, diz em entrevista à Folha que o juiz Sergio Moro, responsável pela Lava Jato, passou a ser um "juiz acusador" e perdeu a imparcialidade para cuidar dos inquéritos sobre o petista.

    Segundo Zanin, Moro determinou um número excessivo de medidas contra o ex-presidente e já indicou nas apurações um "juízo de valor" desfavorável a Lula.

    Procurado, o juiz informou que não iria se manifestar.

    Folha - O ex-presidente Lula não ocupa cargo público no momento. Assim, as investigações em relação a ele na Lava Jato devem ser realizadas na primeira instância?

    Cristiano Zanin - Em princípio, qualquer assunto que diga respeito ao ex-presidente deve ser levado a um juiz de primeiro grau. Porém, isso não significa que deve ser levado ao juiz Sergio Moro. Nós não reconhecemos a competência de Moro, seja porque os assuntos que foram levados a ele sobre o ex-presidente não têm nenhuma relação com Curitiba, seja porque não há nenhum elemento concreto que possa vincular esses assuntos à Petrobras e, por consequência, à Lava Jato. Outro aspecto é que o procurador-geral da República pediu que o ex-presidente fosse incluído em uma investigação que está tramitando no Supremo Tribunal Federal. Entendemos que, se o procurador-geral fez esse pedido, não é possível que se tenha ao mesmo tempo uma investigação sobre o mesmo fato tramitando no Supremo e em primeiro grau.

    Mas a investigação pedida pelo procurador-geral não é sobre a questão de uma suposta tentativa de obstrução à Justiça, diferente das apurações sobre o sítio em Atibaia e o tríplex em Guarujá?

    Não, o procurador-geral também pediu que o ex-presidente fosse incluído no chamado "inquérito mãe" da Lava Jato [sobre a corrupção no sistema político brasileiro]. Então, a nosso ver, quando ele fez esse pedido, levou todas as questões ao Supremo.

    A defesa pediu ao STF que as escutas telefônicas que envolveram o ex-presidente Lula e pessoas com prerrogativa de foro, como senadores e deputados, não possam ser usadas pelo juiz Moro. Mas se a investigação tiver como alvo pessoas sem prerrogativa de foro essas escutas não podem ser usadas como prova?

    Não se está falando simplesmente de uma prova, mas de conversas que já sofreram juízo de valor por parte tanto do juiz de primeiro grau como dos procuradores da República, atribuindo a estas conversas uma valoração com relevância penal. Então, se elas fossem mera provas, aí seu raciocínio estaria correto.

    Mas, a partir do momento em que já houve esta valoração jurídica, para dela tentar extrair uma tentativa, em tese, de obstrução à Justiça, então esta valoração exclui o assunto da competência do juiz de primeiro grau.

    Em um ofício remetido pelo juiz Moro ao Supremo Tribunal Federal no dia 29 de março, o juiz fez 12 acusações contra o ex-presidente Lula e as pessoas que participaram das conversas telefônicas. Nesse momento, o juiz sai da figura do juiz imparcial e passa a ser um juiz acusador, figura incompatível com as garantias constitucionais do devido processo legal.

    Essas afirmações feitas pelo juiz Moro no ofício não se enquadram nas explicações que um juiz normalmente apresenta a um tribunal superior para justificar medidas?

    Muitos países adotam o critério da divisão entre o juiz instrutor [que cuida da fase de investigação] e o juiz que vai fazer o julgamento. No Brasil não temos isso, o que já é uma situação complicada. Quando um juiz defere um número excessivo de medidas cautelares, é evidente que ele fica contaminado com as decisões que tomou. O excesso de medidas cautelares injustificadas já é um indicativo de perda de imparcialidade. Isso ocorreu no curso do inquérito. O juiz fez um juízo de valor ao decidir as cautelares e ao prestar informações ao Supremo.

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