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    o impeachment

    Em clima de frustração e recomeço, militância se despede sem ver Dilma

    DIMMI AMORA
    DE BRASÍLIA

    31/08/2016 19h20

    Dimmi Amora
    Manifestantes em frente ao Palácio da Alvorada ouvem o discurso de Dilma
    Manifestantes em frente ao Palácio da Alvorada ouvem o discurso de Dilma

    Por volta das 15h, Dilma já era ex-presidente e o grupo de cerca de 200 militantes que foram apoiá-la cantava, sem apoio dos carros de som tão comuns nos protestos dos últimos anos, em frente ao Palácio da Alvorada: "Dilma, cadê você? Eu vim aqui pra te defender!".

    Quem saiu do Palácio para falar com os militantes foi o deputado Federal Paulo Pimenta (PT-RS). Em frente a entrada do edifício, ele subiu num banco improvisado e, sem microfone, gritou para os militantes que aguardavam Dilma: "Estávamos lá [com a presidente] e viemos aqui para dar um abraço dela em vocês e agradecer", disse Pimenta.

    Os principais líderes do partido, entre eles Lula e Dilma, não saíram do prédio modernista cujo jardim sem árvores permite uma visão ampla para quem está na rua, a cerca de 200 metros de distância.

    O que se viu em frente ao monumento erguido por Oscar Niemeyer foram militantes antigos do partido, alguns que já haviam desistido, e jovens beneficiados por políticas sociais, ambos com discurso comum: o PT precisa voltar a suas origens.

    Não é fácil para o povo chegar ao Palácio do Planalto. As linhas de transporte público de ônibus funcionam apenas uma parte do dia. O Metrô está há oito quilômetros de distância. Não há trem suburbano na Capital Federal.

    Os trabalhadores da residência oficial dependem de um ônibus fretado que sai da Rodoviária Central para ir ao trabalho. Para não perder esse transporte, os que moram mais distante têm que acordar à 4h, conta um deles.

    "Se não tivesse o ônibus, era um sufoco", conta a gari Cristiane Mineiro, 42 anos, designada para a limpeza na região.

    Os militantes chegaram em sua grande maioria de carro, muitos de carona. Ana Luiza, servidora pública, é das poucas que preferiu vir de bicicleta por oito quilômetros para se juntar ao grupo e "apoiar a democracia".

    Ela conta que na região central de Brasília, onde vive a população mais rica, há muitas ciclovias e é possível para ela usar o veículo como principal meio de transporte.

    "Nas outras cidades, já seria um problema", conta a ciclista.

    O vendedor de picolés João Victor Pires da Silva, 34 anos, não tem outra opção. Seu contrato de trabalho como autônomo prevê que ele pedale o dia inteiro para vender cerca de R$ 500 a R$ 600 por dia de produtos e devolva o equipamento.

    Ele conta que ao fim do mês tem sobrado menos dinheiro, cerca de R$ 1,2 mil a R$ 1,5 mil, porque o preço do picolé aumentou no início do ano e menos gente está comprando. Parar em frente aos protestos, que ele nem sabia que seriam ali, foi um alívio tanto financeiro, pelo aumento das vendas previstas no dia, como para sua consciência.

    "Eu penso igual a eles. Acho que foi um golpe. Acredito no que ela está falando", disse o vendedor, referindo-se à ex-presidente.

    Os picolés mais vendidos no dia, segundo ele, são os de chocolate. A influência pode ser pela predominância do público feminino nas manifestações contrárias ao impeachment desde o primeiro dia. Núbia Melo, 59 anos, não tem dúvida de que o que ela chama de "componente machista do golpe" influenciou na maior participação feminina na defesa de Dilma.

    "O patriarcalismo machista e coronelista que predomina no Congresso não engoliu uma mulher ampliando direitos para outras mulheres de baixa renda", afirmou Melo.

    Ela conta que ajudou na fundação do PT e que havia se "desencantado" da militância na década passada quando o partido começou a fazer alianças que ela chama de "temerárias", em tom de deboche. Para ela, as alianças com extremos opostos ao do PT foram feitas porque os dirigentes partidários não acreditaram na força dos militantes que elegeram Lula.

    "Uma vez ouvi de um líder camponês que disse ao Lula que ele não acreditava na gente. Tem maior pisada de bola que não ter feito a reforma agrária e ter se aliado ao agronegócio?".

    Presidente do PT no Distrito Federal, o ex-deputado Policarpo Júnior, reconhece que as alianças do partido foram exageradas.

    "A gente sabe que sem aliança não se governa. Mas não pode ser quem quer vir, vem", disse o dirigente partidário apontando para um futuro diferente do que o que ele mesmo construiu.

    Para Orlando Ribeiro, de 61 anos, do Núcleo da Defesa da Democracia, grupo que faz protesto semanal em frente ao Palácio do Planalto desde o início do impeachment, além das alianças o PT também não soube trazer para seu lado os eleitores que conquistava na eleição.

    "Eles acreditaram em milagre, acharam que todo mundo ia descer para defender o governo, como fizeram na Venezuela", disse Ribeiro referindo-se a uma tentativa de golpe no ex-presidente Hugo Chávez, que levou a protestos por todo o país.

    Mesmo com poucas chances de vitória, Ribeiro acreditava ainda ser possível a mudança no placar do Senado. Esperança que, mesmo remota, parecia também estar no rosto da professora aposentada Anizia Alcântara, 60 anos, que se postou em frente ao telão improvisado que foi montado pelos militantes na hora da votação.

    Mãos no rosto, ela mostrava tensão no momento que o presidente da sessão, Ricardo Lewandowski, anunciou o início da votação. Com o resultado, a professora não se conteve e chorou.

    "Nem consigo explicar, moço. Só queria estar com ela agora", disse referindo-se à presidente, que estava a poucos metros de distância.

    Vendo repórteres fotográficos registrarem a imagem da professora, outras militantes pediam força.

    "Não fraqueja, companheira. Somos fortes", pedia uma senhora enquanto um outro jovem filmava com um celular o trabalho dos jornalistas chamando-os de "urubus".

    Os conflitos com jornalistas também ocorreram em outros momentos ao longo da tarde. Uma equipe da Rede Record foi hostilizada com xingamentos, lançamento de areia e frutos sobre os trabalhadores, que não se feriram. De longe, alguns gritavam: "Fora Globo". A Polícia Militar precisou intervir.

    Os serventes do Alvorada, que precisam em muitos casos acordar antes das 5h da manhã para chegar ao local de trabalho, acompanhavam de longe sem conseguir entender o motivo do tumulto:

    "Mas o que é que a Globo tem com isso?", perguntava uma delas.

    Nos discursos, os deputados do partido aproveitavam a militância inflamada e repetiam a acusação à "mídia golpista". Paulo Pimenta tentava até mesmo orientar os militantes sobre seu comportamento diante das câmeras: "Quando tiver de chorar, chora em casa. Não vamos rolar uma lágrima na frente de golpistas, fascistas e traidores", disse o deputado em seu momento no banquinho.

    RECOMEÇO

    Em frente ao local em que Pimenta falava, Saulo Dias, 28 anos, vendia por R$ 20 camisetas estampadas com as frases de protestos mais comuns nos últimos dias, como "Fora Temer", "Não vai ter golpe". Mas, segundo ele, a que mais sai é a com a foto de Lula nos anos 1990.

    "Isso aqui hoje lembra o início do partido, quando a gente tinha que vender camisa para gerar fundos", afirma o jovem, dizendo que o PT envelheceu. "Quem entrou com 20 anos para fundar o partido, hoje tem 56. É natural o que ocorreu".

    Saulo diz que um dos efeitos positivos do que está ocorrendo é que jovens que foram beneficiados por programas de inclusão nos últimos 13 anos agora parecem mais dispostos a entrar na militância.

    Ex-morador de uma comunidade quilombola em Goiás que fez graduação e pós-graduação com recursos do Fies, o professor e empreendedor acredita que os jovens não terão uma tarefa difícil em levantar o nome do PT novamente, mesmo com as acusações de corrupção sobre os dirigentes da sigla.

    "Poderia ser um trabalho difícil se o governo que está aí não fosse tão ruim. Se fosse um governo popular, seria difícil comparar o governo deles como os nossos e o progresso que nós levamos para os mais pobres", disse o jovem.

    A gari Cristiane Mineiro, com salário de R$ 1,1 mil por 44 horas de trabalho semanais, diz não se importar muito com tudo o que aconteceu. Não ouviu o discurso de Dilma no Senado e não tem opinião sobre o que está acontecendo com a ex-presidente em quem votou. Sobre como será o dia seguinte, ela responde:

    "Do mesmo jeito de antes", o que para ela significam três horas num ônibus para ir ao trabalho de limpeza da frente do Palácio que terá novo inquilino.

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