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    Lava Jato

    Após confusão, Câmara desiste de tentar anistiar alvos da Lava Jato

    RANIER BRAGON
    DE BRASÍLIA

    19/09/2016 22h04 - Atualizado às 23h29

    Lucio Bernardo Jr./Câmara dos Deputados
    Sessão extraordinária para discussão e votação de diversos projetos
    Foto do plenário da Câmara na sessão desta segunda-feira (19)

    O plenário da Câmara dos Deputados tentou votar de surpresa na noite desta segunda-feira (19) projeto gestado nos bastidores da Casa que visa abrir uma brecha para anistiar políticos que hoje são alvos da Operação Lava Jato.

    O texto estabelece na legislação uma punição específica e direta para o crime de caixa dois eleitoral, que é o uso de dinheiro nas campanhas sem declaração à Justiça.

    Deputados que articularam a manobra almejavam dois objetivos: conseguir a anistia por prática de caixa dois cometida até agora, com base no princípio de que lei não retroage para prejudicar o réu; e inibir a atual inclinação da força-tarefa da Lava Jato —e do juiz federal Sérgio Moro— de tratar como corrupção pura e simples o recebimento de dinheiro que não esteja na contabilidade eleitoral.

    Em resumo, a intenção era essa: aprovada a lei, os casos seriam enquadrados na nova legislação sobre o caixa dois —e não como corrupção ou outro crime com pena mais severa—, mas só haveria punição daqui pra frente.

    O projeto entrou na pauta de votações desta segunda sem convocação explícita dos deputados para analisar o tema e sem apresentação prévia do texto.

    A maioria dos deputados dizia não saber o que seria votado e muitos fizeram questionamentos à Mesa. O próprio relator designado de última hora para o projeto, Aelton Freitas (PR-MG), afirmou não saber do que se tratava.

    O deputado Beto Mansur (PRB-SP), primeiro-secretário da Casa, presidia a sessão e se recusou a responder aos deputados. Disse apenas que a inclusão de um projeto de última hora obedece ao regimento. Após muita pressão de deputados contrário à manobra, ele foi obrigado a encerrar a sessão.

    "Pediram para que eu presidisse a sessão. Eu não sei um artigo desse projeto, uma linha. Eu estava apenas cumprindo minha função de brasileiro. Não tenho nada a ver com caixa 2, não estou envolvido na Lava Jato", afirmou Mansur. Ele se recusou a responder à pergunta sobre quem pediu a ele para tentar votar o texto.

    Participaram das articulações em torno desse projeto, entre outros, deputados do PSDB e do PP, esse último o principal partido com parlamentares implicados na Lava Jato. Houve aval do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), responsável final por aquilo que é levado à votação.

    Embora ele estivesse interinamente na presidência da República nesta segunda, devido à viagem de Michel Temer aos Estados Unidos, nunca um projeto desse porte iria a voto sem a sua anuência.

    Rodrigo Maia afirmou à Folha que não participou da tentativa de votação desta segunda já que estava no Planalto. Mas que em resposta a consultas anteriores sobre o tema, afirmou que sempre defendeu a votação da proposta de criminalização do caixa 2 apresentada pelo Ministério Público Federal no pacote chamado de "As 10 Medidas contra a Corrupção".

    O pacote está em análise em uma comissão especial da Câmara.

    "Não dei aval nenhum. O que disse é que se fossem votar que votassem o texto do Ministério Público, que todos defendem, para não gerar nenhum tipo de dúvida na sociedade", afirmou ele, acrescentando não acreditar que haja possibilidade de anistia.

    No texto, o MPF propõe a responsabilização dos partidos políticos e a criminalização específica do caixa dois. Embora não tenha uma tipificação exclusiva, a prática já é hoje passível de punição com base na legislação existente.

    Em um primeiro momento, Beto Mansur afirmou que Maia pediu para que ele conduzisse a votação. Depois recuou e se recusou a dizer que eram os padrinhos da ideia.

    BANDALHEIRA

    "O que está se tramando aqui esta noite é uma bandalheira, uma maracutaia, um trambique. Queremos saber quem são os partidos que estão redigindo essa emenda na calada da noite, escondidos do povo brasileiro", discursou o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) antes de a sessão ter sido cancelada. "A Câmara dos Deputados não pode ser emasculada por um ato dessa natureza", reforçou Miro Teixeira (Rede-RJ).

    Outro que reclamou foi o deputado Jorge Solla (PT-BA), apesar de deputados afirmarem que petistas participaram das negociações. "Estão querendo apagar a corrupção do passado."

    Um dos principais temores dos deputados diz respeito à lista divulgada em março com o nome de mais de 200 políticos que teriam recebido recursos da Odebrecht. Os executivos da empreiteira negociam acordo de delação premiada com a força tarefa da Lava Jato.

    Entre os deputados que participaram das conversas de bastidor sobre o projeto está o ex-líder da bancada do PSDB Carlos Sampaio (SP), que é egresso do Ministério Público.

    Ele também defende a aprovação integral do texto enviado pelo Ministério Público Federal.

    Sob o argumento de que o Ministério Público Federal jamais defenderia uma medida livre políticos envolvidos em crimes, Sampaio diz não ver possibilidade de anistia.

    "Há chance zero de isso acontecer, não é nem chance pequena ou irrisória, é zero", afirmou, argumentando que a Justiça poderá continuar a condenar os políticos envolvidos na Lava Jato com base em outra legislação. Segundo ele, a necessidade de votação agora se dá para que haja real possibilidade de uma punição mais dura aos candidatos que utilizarem caixa dois nas eleições de outubro.

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