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    Lava Jato

    Procuradoria denuncia Lula por suposto favorecimento à Odebrecht

    BELA MEGALE
    RUBENS VALENTE
    DE BRASÍLIA
    PAULA REVERBEL
    DE SÃO PAULO

    10/10/2016 14h52 - Atualizado às 20h59

    O MPF (Ministério Público Federal) denunciou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o empreiteiro Marcelo Odebrecht, herdeiro da Odebrecht, e Taiguara Rodrigues, empresário e sobrinho da primeira mulher do petista, e mais oito pessoas por um suposto esquema de desvios envolvendo a empreiteira e liberação de verbas do BNDES para obras em Angola.

    Lula foi denunciado pelos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e corrupção passiva, Odebrecht por organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e Taiguara por organização criminosa e lavagem de dinheiro.

    A informação foi divulgada nesta segunda (10) no site do MPF do Distrito Federal. Na mesma data, os procuradores protocolaram à Justiça Federal a denúncia envolvendo os 11 acusados.

    O processo está sob responsabilidade do juiz federal Vallisney de Souza Oliveira, que não havia decidido sobre o acolhimento ou não da acusação até o fechamento deste texto.

    A denúncia sobre o papel de Lula foi dividida em "duas fases", a primeira quando ele era presidente da República, de 2008 a 2010, e a segunda entre 2011 e 2015, quando já estava fora do Palácio do Planalto. De acordo com os procuradores, na primeira etapa Lula teria criado as condições para que a Odebrecht obtivesse futuros contratos no exterior e, ao mesmo tempo, a empresa de Taiguara, a Exergia Brasil, fosse contratada pela empreiteira. Nos anos seguinte, a Exergia recebeu R$ 20 milhões, em valores não corrigidos pela inflação.

    Nesse primeiro período, um suposto indício citado pelos procuradores contra Lula foi ele ter participado de uma reunião no BNDES no qual indicou a necessidade de o banco abrir seus cofres para financiar projetos na África e na América do Sul.

    Na segunda etapa, conforme os procuradores, Lula teria se beneficiado tanto pela contratação de Taiguara quanto pelo pagamento por palestras que, porém, não teriam sido realizadas. Os procuradores consideraram que, no decorrer do inquérito, Lula e Odebrecht não conseguiram comprovar que o ex-presidente tenha de fato feito duas palestras em Angola, uma por US$ 100 mil em 2011 e outra por R$ 479 mil em 2014. As palestras foram consideradas, na denúncia, como "vantagens indevidas".

    "As palestras, na realidade, seriam o meio utilizado pela empresa e pelo ex-presidente para escamotear o mecanismo de 'compra e venda' da influência exercida por Lula tanto em face dos órgãos de governo brasileiros (mercê de sua condição de ex-presidente), quanto em face de governos estrangeiros com os quais o Brasil tivera e conservara boas relações", diz o texto da denúncia.

    Para demonstrar a proximidade entre Lula e Taiguara, a denúncia faz referência a mensagens trocadas por um aplicativo entre o empresário e um conhecido. Segundo o MPF, há diálogos que indicam "a relação estreita" de Taiguara com Lula "referente a negócios de ambos em 'Cuba' e 'África', bem como que a ajuda do seu 'Tio' é essencial aos negócios de Taiguara".

    Os procuradores mencionam uma conversa datada de janeiro de 2015 entre Taiguara e Antonio Carlos Dahia, que seria, conforme a denúncia, diretor-superintendente da Odebrecht Infraestrutura, responsável por negócios na Áfria. "Acabei de falar com meu tio por tel [telefone], já adiantei o assunto e ele me receberá na quarta. Sugiro que me envie por e-mail os projetos para que eu possa discutir com ele, por favor", escreveu Taiguara em seu telefone celular.

    O MPF diz ser "inquestionável" que o sucesso empresarial de Taiguara "tem estreita relação com sua condição de 'sobrinho'" de Lula. Entre 2008 e 2015, os negócios de Taiguara "prosperaram tão expressivamente que foram mais de 40 viagens internacionais para Angola, Cuba, Panamá e Portugal".

    Na denúncia, os procuradores apontam que Lula aceitou outras "vantagens indiretas" como pagamentos de despesas pessoais de seu irmão José Ferreira da Silva, conhecido como Frei Chico, de pelo menos R$ 10 mil em um plano de saúde e outros R$ 10 mil em um posto de combustível. Os valores foram pagos pela Exergia Brasil.

    Os procuradores também argumentam que os envolvidos tentaram ocultar a origem dos recursos por meio de inúmeros saques em espécie realizados pelos funcionários das empresas de Taiguara, a Exergia (mais de R$ 1 milhão) e a T7Quatro (mais de R$ 160 mil).

    O petista também é acusado de suposta lavagem de dinheiro, crime que, na avaliação dos investigadores, foi praticado 44 vezes e que foi viabilizado por meio de repasses de valores justificados pela subcontratação da empresa de Taiguara.

    Os procuradores da República Francisco Guilherme Bastos, Ivan Cláudio Marx e Luciana Loureiro Oliveira, integrantes do grupo de trabalho que conduz as investigações, afirmam que as palestras foram o foco inicial da apuração.

    "Apesar de formalmente justificados os recursos recebidos a título de palestras proferidas no exterior, a suspeita, derivada inicialmente das notícias jornalísticas, era de que tais contratações e pagamentos, em verdade, prestavam-se tão somente a ocultar a real motivação da transferência de recursos da Odebrecht para o ex-presidente Lula", destaca um dos trechos do documento.

    OPERAÇÃO JANUS

    As investigações começaram em julho de 2015, quando os procuradores passaram a investigar suposto pagamento de vantagens econômicas por parte da Odebrecht ao ex-presidente Lula em contrapartida ao fato de ele ter viabilizado vários empréstimos externos.

    As investigações policiais se concentraram na liberação e nas circunstâncias dos empréstimos que viabilizaram a realização de obras pela Odebrecht em Angola.

    Segundo o MPF-DF, na comparação entre dez países beneficiados por financiamentos do BNDES, Angola foi o que celebrou o maior número de contratos no período de 2011 a 2015, tendo o menor percentual de juros e onde foi verificado um dos menores prazos médios de concessão dos empréstimos.

    Na semana passado a PF indiciou Lula, Marcelo Odebrecht, Taiguara Rodrigues e os demais investigados após concluir um relatório sobre o caso. O material foi resultado da Operação Janus, realizada em maio deste ano e que teve Rodrigues como um dos alvos de condução coercitiva.

    Além da denúncia protocolada, Lula é foco de outra investigação ainda em andamento na Procuradoria da República no DF. Conforme ofício enviado nesta segunda-feira (10) à Justiça Federal, o ex-presidente seguirá investigado em um PIC (Procedimento Investigatório Criminal) que apura suposto "tráfico de influência" em troca de "vantagens econômicas obtidas, direta ou indiretamente, da empreiteira Odebrecht".

    As vantagens, especialmente palestras, teriam ocorrido entre os anos de 2011 e 2014 "com pretexto de influir em atos praticados por agentes públicos estrangeiros", em especial República Dominicana e Cuba, "este último contendo obras custeadas, direta ou indiretamente, pelo BNDES". O trecho sobre Cuba é provável referência ao Porto de Mariel.

    Outros quatro procedimentos também seguem em andamento para apurar relações entre Odebrecht, BNDES e governos estrangeiros.

    OUTRO LADO

    A Odebrecht não se manifestará sobre o assunto. Roberto Podval, que defende Rodrigues, disse que vai se manifestar quando tiver acesso à denúncia.

    Em entrevista coletiva de imprensa, o advogado Cristiano Zanin Martins, que representa Lula, afirmou que a denúncia desta segunda "aparentemente" trata-se de "mais uma acusação frívola". Ele ressalva que essa análise "só será possível após ter conhecimento da denúncia".

    "O Presidente da República não participa das decisões colegiadas do BNDES que concedem empréstimos, as palestras do ex-presidente Lula foram realizadas e estão devidamente comprovadas e ele não tem qualquer participação nos negócios do Taiguara. Então esses são fatos mostram que mostram aparentemente tratar-se de mais uma acusação frívola", disse Martins. O advogado havia marcado entrevista para tratar de outro processo em que Lula já é réu, mas manifestou-se sobre a nova acusação.

    "Eu não conheço a denúncia, posso falar até o indiciamento [que gerou a denúncia desta segunda-feira] que é onde eu conheço o processo", explicou.

    "Um aspecto importante que eu posso registrar para vocês é que quando o ex-presidente Lula prestou depoimento nesse inquérito, eu estava junto e perguntei à delegada responsável [Fernanda Costa de Oliveira] se ele estava sendo ouvido como investigado ou testemunha. Ela me respondeu que ele não estava sendo ouvido como investigado. Então me parece bastante estranho que 16 dias úteis depois tenha havido o indiciamento", acrescentou.

    Martins defendeu que se naquele momento a Polícia Federal estava tratando Lula como investigado, "houve uma violação à garantias fundamentais".

    Por meio de nota, o BNDES informou que divulgará esta semana novos critérios e procedimentos para futuras operações de financiamento à exportação de bens e serviços, onde serão incorporadas as recomendações dos órgãos de controle, em relação às operações passadas.

    O banco estatal disse ainda que colabora com os órgãos de controle e com a Polícia Federal prestando todas as informações solicitadas.

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